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Decisões do INPI geram insegurança jurídica no reconhecimento do período de graça

Laetitia d'Hanens e Juliano Ryota Murakami

O INPI é uma autarquia sujeita ao princípio constitucional da legalidade estrita, segundo o qual somente lhe é permitido fazer o que a lei autoriza. Quando se afasta do texto da lei e cria novas regras e limitações, acréscimos que o legislador não previu, há graves riscos de insegurança jurídica.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Atualizado em 11 de outubro de 2019 17:23

Para que as invenções possam ser patenteáveis, elas devem preencher os requisitos da novidade, atividade inventiva e da aplicação industrial. Especificamente quanto ao requisito da novidade, o INPI verificará, no exame de um pedido de patente, se a invenção não foi revelada e, por consequência, se a solução técnica que a constitui já não se incorporou no estado da técnica, tendo se tornado acessível ao público antes da data do depósito do respectivo pedido de patente.

No entanto, no Brasil e em alguns outros países, a legislação aplicável prevê uma exceção à regra de que a revelação aniquila a novidade: trata-se do benefício de divulgação da invenção, dentro de determinadas circunstâncias e em prazo limitado que antecede o pedido de patente - o chamado "período de graça". Nossa lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96 ou "LPI") permite que (i) o próprio inventor; (ii) o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI (por meio de publicação do pedido de patente, decorrente de atos realizados pelo inventor) ou (iii) terceiros (com base em informações obtidas ou por força de atos do inventor), revelem a invenção, dentro de um período de anterior à data de depósito de patente e de modelo de utilidade (12 meses) ou de desenho industrial (180 dias), sem com isso não ferir sua novidade.

Isto significa que, durante o período de graça, a lei brasileira concedeu aos inventores e aos autores de desenhos industriais o benefício da revelação prévia desde que atendidas as circunstâncias do artigo 12 da LPI. Tal benefício pode, por exemplo, atender as hipóteses de a revelação ter ocorrido por força de uma relação de parceria do inventor com terceiros, ou ainda no contexto de uma publicação acadêmica, entre tantas outras hipóteses. Num país em que a cultura de proteção às invenções por meio do sistema de patentes ainda está se desenvolvendo e onde há bem menos depositantes nacionais que estrangeiros, a exceção prevista pelo período de graça estimula também o pequeno inventor, permitindo-lhe conhecer as regras jurídicas enquanto desenvolve sua invenção, informando-se e tomando as providências necessárias mesmo que uma revelação tenha porventura ocorrido no período legal previsto.

Ainda que o período de graça possa privilegiar, dentre outros, o pequeno inventor nacional, que porventura desconhece o sistema patentário, a lei não limita a aplicação deste benefício a depositantes específicos nem ao atendimento de finalidades pré-determinadas. Foi feliz o legislador em manter o texto em aberto, pois muitas podem ser as circunstâncias, interessantes ao inventor, a justificar a revelação prévia. Basta estarem presentes as condições para que o benefício do período de graça seja aplicável.

Contudo, o INPI vem interpretando de forma bastante restritiva os casos em que este benefício pode ser aplicado, tornando-se, sem atribuição para tanto, mais duro que a lei. Como parte do sistema legal brasileiro de proteção à propriedade industrial, o benefício do período de graça deve ser aplicado de forma isonômica e contemplar quaisquer depositantes, independentemente de ser nacional ou estrangeiro, nem tampouco da finalidade com que se deu a revelação.

No caso de patentes por invenção, por exemplo, o INPI tem recusado a aplicação do período de graça e declarado a falta de novidade quando o depositante da patente é empresa de grande porte, estrangeira, e já fez uso do sistema PCT, de processamento internacional de pedidos de patente para a mesma invenção em vários países, ainda que dentro do prazo de doze meses. O INPI, nestes casos, tem afirmado que as empresas de grande porte, que fizeram uso do sistema previsto no tratado internacional para extensão a outros países em prazo regular, não poderiam, ainda, gozar do benefício legal do período de graça no Brasil, mesmo que integralmente atendidas as condições da lei. Tal interpretação fere o princípio constitucional da isonomia, uma vez que a LPI não discrimina tais hipóteses, devendo aplicar-se a todos que se utilizam do sistema legal de proteção patentária no Brasil.

Outra restrição interpretativa do INPI, não mais quanto ao depositante, mas quanto à natureza da revelação, também não encontra qualquer respaldo na lei. Com efeito, o INPI tem entendido que se a publicação feita pelo próprio inventor da patente ou autor do desenho industrial destinava-se a fins comerciais, não caberia a exceção legal do período de graça, alegando o INPI que apenas a publicação acadêmica poderia justificar o benefício. Mais uma vez, a interpretação do INPI de que o período de graça somente pode ser reconhecido se a revelação se deu para fins acadêmicos vai contra o que está na LPI, que não faz qualquer limitação neste sentido.

Ora, o INPI é uma autarquia sujeita ao princípio constitucional da legalidade estrita, segundo o qual somente lhe é permitido fazer o que a lei autoriza. Quando se afasta do texto da lei e cria novas regras e limitações, acréscimos que o legislador não previu, há graves riscos de insegurança jurídica.

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*Laetitia d'Hanens é sócia no Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.







 

*Juliano Ryota Murakami é sócio no Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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