Afinal, o condomínio é obrigado a contratar um profissional de educação física como responsável pelo espaço de academia?
A obrigatoriedade da contratação de professores para o acompanhamento das atividades desenvolvidas particularmente pelos condôminos nas academias dos condomínios configuraria uma limitação indevida à liberdade de utilização das partes comuns pelos condôminos, prevista pelo artigo 1.335, inciso II, do CC brasileiro.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2019
Atualizado em 11 de outubro de 2019 13:04
A proliferação dos espaços de academias nas áreas comuns dos condomínios edilícios traz à tona a velha dúvida acerca da obrigatoriedade da contratação de profissionais de educação física para acompanhamento das atividades desenvolvidas nestes espaços.
A ALERJ decretou, no mês de agosto de 2018, a lei estadual 8.070, que dispõe sobre a obrigatoriedade de registro de profissional de educação física como responsável técnico nos condomínios edilícios com espaços de academias nas condições que especifica. A referida lei estadual foi sancionada pelo governador Luiz Fernando de Souza "Pezão" e publicada no dia 20 de agosto de 2018.
De acordo com o artigo 1º da lei estadual 8.070/18, os condomínios edilícios que disponibilizarem espaços de academias deverão registrar responsável técnico junto ao Conselho Regional de educação física da 1ª Região - CREF1, quando a atividade física for dirigida e realizada em salas de treinamento físico.
Observa-se, assim, que a própria lei especifica as condições em que os condomínios edilícios serão obrigados a registrar responsáveis técnicos junto ao CREF, quais sejam: i) quando o condomínio disponibilizar espaço de academia; ii) quando a atividade física for dirigida; e iii) quando a atividade física for realizada em sala de treinamento físico.
Surge, então, a dúvida acerca da necessidade de contratação de profissionais de educação física pelos condomínios edilícios que optarem pela disponibilização de espaços de academias e equipamentos para os seus condôminos, mas não oferecerem os serviços de acompanhamento e orientação das atividades físicas, isto é, quando as atividades não forem, efetivamente, dirigidas.
A justificativa do PL 4.027/18, que deu origem à lei estadual 8.070, indica que o objetivo do diploma normativo seria "garantir os direitos fundamentais da sociedade fluminense, dentre eles o acesso às práticas saudáveis, sem riscos a sua integridade física e social", além de proporcionar "maior segurança aos condomínios edilícios", uma vez que estes estariam operando "com respaldo profissional do respectivo responsável técnico"1.
Sendo assim, a redação original do artigo 1º do PL 4.027/18 determinava que os condomínios edilícios que disponibilizassem espaços de academias deveriam registrar responsável técnico junto ao CREF da 1a Região, sem mencionar qualquer outra condição ou limitação à referida obrigatoriedade.2
Contudo, após o parecer da CCJ da ALERJ no sentido da constitucionalidade do PL com a imposição de emendas ao texto original, o artigo 1º da lei estadual 8.070/18 foi aprovado com a sua redação atual, acrescido da expressão balizadora "quando a atividade física for dirigida e realizada em salas de treinamento físico". A lei, no entanto, não esclarece o conceito de atividade física dirigida, permitindo o debate acerca das hipóteses de cabimento e aplicação da norma.
De acordo com o dicionário priberam da língua portuguesa, o termo "dirigida" consiste no feminino singular particípio passado do verbo dirigir, que pode significar: "ter a direção de"; "ter poderes ou responsabilidades de administração, de gestão"; ou "orientar um grupo de pessoas"3. A atividade física dirigida, por conseguinte, é aquela administrada, gerida ou orientada por uma terceira pessoa.
O fato da lei estadual 8.070/18 só ter sido aprovada pela ALERJ após a inclusão das condicionantes ("quando a atividade física for dirigida e realizada em salas de treinamento físico") em seu artigo 1º, ademais, deixa clara a intenção do legislador de limitar a aplicação da norma aos casos dos condomínios que ofereçam os serviços de orientação profissional das atividades físicas praticadas pelos condôminos. Em outras palavras, a lei determina que, caso o condomínio decida oferecer o serviço em questão, será obrigado a registrar um responsável técnico junto ao Conselho Regional de educação física da 1ª Região.
Por certo, a obrigatoriedade da contratação de professores para o acompanhamento das atividades desenvolvidas particularmente pelos condôminos nas academias dos condomínios configuraria uma limitação indevida à liberdade de utilização das partes comuns pelos condôminos, prevista pelo artigo 1.335, inciso II, do CC brasileiro4.
Tal imposição não apenas limitaria o uso dos espaços de academia aos horários em que existissem professores disponíveis, mas também aumentaria substancialmente os gastos do condomínio, podendo até mesmo inviabilizar a instalação de academias em edifícios de menor porte.
Tratar-se-ia, ademais, de um paternalismo desnecessário, tendo em vista que os condôminos possuem o direito, ratificado pela própria lei estadual 8.070/185, de contratarem professores de educação física (personal trainers) para orientarem, individual e particularmente, as suas atividades físicas nas academias dos condomínios.
Destaca-se, por fim, que o próprio Conselho Federal de educação física explica, em seu website6, que os condomínios só precisarão contratar profissionais de educação física quando as atividades da academia forem orientadas, e não quando apenas disponibilizarem o espaço e os aparelhos aos condôminos.
Dessa forma, cabe a cada condômino assumir a responsabilidade pela prática de atividades físicas não supervisionadas nas áreas comuns do condomínio, não tendo a lei estadual 8.070/18, salvo melhor juízo, determinado a necessidade de acompanhamento por um profissional de educação física nestes casos.
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2 Idem.
4 Art. 1.335. São direitos do condômino:
II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores.
5 Art. 2º Fica facultado, a cada condômino, contratar um responsável técnico devidamente registrado no Conselho Regional de educação física para orientar a sua atividade física.
6 Conselho Federal de educação física - Perguntas e respostas.
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*Pedro Barbosa é advogado especialista em Direito Condominial e Imobiliário e sócio do escritório Barbosa e Biar Advogados Associados.