Corpus Christi: feriado municipal e tempestividade do recurso especial
Em primeiro lugar, esse aspecto do dia dedicado a Corpus Christi é desconhecido pela maioria da população, tanto que o próprio STJ já o considerou como tal. Além disso, essa data não é considerada dia útil para efeito de operações no mercado financeiro, o que ocasiona o fechamento de todos os bancos. Esse fato gera mais confusão.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2019
Atualizado em 9 de outubro de 2019 17:53
Sobre o entendimento mais recente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a respeito da natureza local do feriado de corpus christi, venho apresentar algumas considerações. A questão vem retratada em dois acõrdãos daquela Corte, cujas ementas apresentam o seguinte teor:
1. É intempestivo o recurso especial interposto após o prazo de 15 (quinze) dias previsto nos artigos 219 e 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015. Nos termos do parágrafo 6º do art. 1.003 do CPC/2015, para fins de aferição de tempestividade, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. 3. Não se desconhece, por certo, do feriado nacional de 26/5/16 (Corpus Christi), que não precisa ser comprovado (grifei). Porém, o dia 27/5/16 não é feriado nacional, mas sim local, caso existente, o qual deveria ter sido comprovado no momento da interposição do agravo recurso especial, o que não ocorreu no caso concreto (AgInt 2016/0324127-8 no AREsp 1030133/SP, Rel. ministro Herman Benjamin, 2ª turma, DJe 19/6/17.
2. O dia de Corpus Christi não é previsto como feriado nacional pela legislação, em especial a lei 662/49, alterada pela lei 10.607/02, e a lei 6.802/80, as quais determinam os feriados nacionais. Nos termos do § 6º do art. 1.003 do CPC/15, para fins de aferição de tempestividade, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. A interpretação literal da norma expressa no § 6º do art. 1.003 do CPC/15, de caráter especial, sobrepõe-se a qualquer interpretação mais ampla que se possa conferir às disposições de âmbito geral insertas nos arts. 932, parágrafo único, e 1.029, § 3º, do citado diploma legal (AgInt 2018/0071905-9 no AREsp 1270351 / CE, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, DJe 21/9/18). No mesmo sentido, AgInt no REsp 1752045, rel. Luis Felipe Salomão DJe 3/12/18.
Como se verifica, segundo a orientação mais recente, o dia de Corpus Christi não é feriado nacional, razão por que a suspensão do expediente local deve ser comprovada, para demonstração da tempestividade do recurso. Essa circunstância era desconhecida pela própria Colenda Segunda Turma, cujos integrantes admitiram ser feriado nacional nessa data. Aliás, a grande maioria das pessoas a ignoram, inclusive eu, até tomar conhecimento da controvérsia. O dia da consciência negra, ao contrário, é sabidamente feriado municipal.
Embora correta a premissa adotada pela Colenda Terceira Turma, pois feriados nacionais, tal como previsto nas leis 10.607/02 e 6.802/80, são os dias 1º de janeiro, sexta-feira da paixão, 21 de abril, 1º de maio, 7 de setembro, 12 de outubro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro, bem como os dias de eleições gerais no país, de acordo com o disposto nos artigos 28, 29 e 77 da Constituição Federal de 1988 e artigo 380 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), a situação parece comportar tratamento diverso, em conformidade com as ponderações a seguir expostas.
Em primeiro lugar, esse aspecto do dia dedicado a Corpus Christi é desconhecido pela maioria da população, tanto que o próprio STJ já o considerou como tal. Além disso, essa data não é considerada dia útil para efeito de operações no mercado financeiro, o que ocasiona o fechamento de todos os bancos. Esse fato gera mais confusão.
Respeitado o entendimento do ilustre ministro Ricardo Villas Bôas Cueva quanto à interpretação do art. 1.003, § 6º, do CPC/15, adotado majoritariamente naquela Corte, a peculiaridade da situação autoriza a incidência do disposto no arts. 932, parágrafo único e 1.029, § 3º do mencionado Código. Não obstante a demonstração do feriado deva ocorrer no ato da interposição do recurso, conforme exigência legal específica, considerada a instrumentalidade da forma, nada obsta seja concedida à parte o prazo de cinco dias para regularização. Devem ser levados em consideração os princípios da boa fé processual e da cooperação, ambos expressamente previsto na legislação já citada (arts. 5º e 6º).
Essa é exatamente a finalidade dos arts. 932, parágrafo único e 1.029, § 3º. De fato. Se interposto no prazo, considerando-se o feriado local, o recurso é tempestivo. A comprovação, em princípio, deve ser feita quando da interposição (art. 1.006, § 6º). Esse documento, e todos os demais expressamente exigidos para a regularidade de qualquer recurso (cfr. art. 1.0017), podem ser juntados em conformidade com o art. 932, parágrafo único. Não fosse assim, o dispositivo tornar-se-ia completamente ineficaz. A propósito desse requisito, podera Eduardo Talamini: "Como se trata de pressuposto de regularidade formal do recurso, a falta de comprovação do feriado no momento da interposição comporta correção subsequente. Em tais hipóteses, incide o dever de prevenção recursal: o relator deve dar ao recorrente a oportunidadede conserto do defeito, antes de negar admissibilidade ao recurso (arts. 932, parágrafo único e 1.029, § 3º)" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, obra coletiva, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 377. No mesmo sentido, Flávio Cheim Jorge, Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, obra coletiva, São Paulo, RT, 3ª edição, p. 2477; Ricardo de Carvalho Aprigliano, Código de Processo Civil anotado, obra coletiva, Rio de Janeiro, GZ Editora, 2016, p. 1366; Luís Guilherme Aidar Bondioli, Comentários ao Código de Processo Civil, obra coletiva, São Paulo, Saraiva, vol. XX, 2016, p. 64; Daniel Amorim Assumpção Neves, Novo Código de Processo Civil comentado, Salvador, Editora JusPodivm, 2ª edição, p. 1691).
O processo é simples método de trabalho, destinado à atuação do direito material ao caso concreto pelo juiz. As regras formais estabelecidas no respectivo Código destinam-se tão somente a possibilitar o correto desenvolvimento desse instrumento. Eventuais irregularidades devem ser relevadas, portanto, desde que não comprometam esse fim, nem impeçam a realização do contraditório.
Não se pretende, obviamente, transformar a data em feriado nacional, o que representaria interpretação contra legem. Sugere-se apenas a flexibilização da exigência quanto à comprovação do feriado local, admitindo-se, dadas as especificidades da situação, seja o fato demonstrado após a interposição do recurso. Essa conclusão não gera prejuízo. Ao contrário, possibilita o aperfeiçoamento da tutela jurisdicional pelo Tribunal Superior.
Esse entendimento encontra amparo na legislação processual e não implica a desconsideração do prazo recursal. Trata-se de atender à excepcionalidade de hipótese cuja verificação não é frequente. Não creio haja muitos casos com as mesmas características.
Por isso, o entendimento deve aplicar-se também à terça-feira de carnaval, pois idêntica a peculiaridade. Não me recordo de outra hipótese merecedora deste tratamento especial.
Para evitar a reiteração dessa questão em processos futuros, poderia o Tribunal solucionar a divergência em incidente de recursos repetitivos, o que lhe conferiria maior publicidade, evitando seja a parte surpreendida. Fixada súmula a respeito e se adotada a posição pela impossibilidade de demonstração do feriado após a interposição do recurso, o equívoco não seria mais justificável, mesmo porque o precedente vinculante (CPC, arts. 927, III e 928). Aliás, agravo em recurso especial versando sobre o tema já foi afetado para esse fim (1.311.512).
Enquanto tal não ocorre, parece-me mais condizente com a natureza instrumental do processo admitir-se, nos recursos anteriores, a comprovação do feriado mesmo depois de interposto o recurso.
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*José Roberto dos Santos Bedaque é desembargador aposentado do TJ/SP. Professor titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP. Advogado do escritório Dinamarco, Rossi, Beraldo & Bedaque Advocacia.