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Incongruências na responsabilidade tributária - I

Neste artigo, procuro trazer meu ponto de vista sobre aspectos da responsabilidade tributária.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Atualizado em 7 de outubro de 2019 17:24

Gradativamente, aqui e acolá, há um lento, progressivo e seguro movimento de doutrinadores, magistrados, professores e advogados, na interpretação e aplicação das normas tributárias, com destaque à responsabilidade tributária, tema deveras encarecido ao empresariado, por conta das inúmeras execuções fiscais em andamento no país afora, cujos resultados, drásticos, redundam na constrição de bens de pessoas jurídicas e físicas, com perdas de empregos, falências etc, num círculo vicioso ruim para o próprio Estado e para o contribuinte, diante da recessão econômica que assola o país.

Ao que parece, a maioria das teses dos cultores do Direito imbica numa análise menos rigorosa do texto legal, a fim de abrandar um pouco as decisões proferidas pelos tribunais. Neste artigo, procuro trazer meu ponto de vista sobre aspectos da responsabilidade tributária (I); noutra ocasião, certamente, outras questões serão abordadas sob esse título. (II).

Em face do devido processo legal, (art.5º, LV,CF), princípio do qual derivam o contraditório e ampla defesa e, sobretudo, a segurança jurídica (art.5º, "caput"), linhas gerais, a ação de execução fiscal (lei 6.830/80) não pode ser inculcada a outrem, sem que, antecipadamente, os envolvidos tenham participado da relação administrativa.

A execução pressupõe um título, no caso, extrajudicial (art.778, "caput", e 783, do CPC), o que proporciona, em tese, rito específico, para conferir, a final, se não for paga a dívida, a constrição judicial nos bens do devedor. Logo, a legitimidade e juridicidade da execução advém, necessariamente, do título jurídico que lhe dá supedâneo, no caso da execução fiscal, a certidão de dívida ativa (CDA) (art.784, IX)

Não infirma isso o fato de constar, nas CDAs, ao lado do nome do devedor, os nomes dos responsáveis tributários; se acaso estes não tiverem sido parte no processo administrativo-tributário (com o devido contraditório e ampla defesa), o Judiciário não poderá admiti-los no polo passivo da execução fiscal.

Nem se alegue a presunção de legitimidade dos atos administrativos, a supeditar o entendimento contrário, na medida em que, conforme se sabe, essa presunção é jures tantum, relativa; comporta provas contrárias. Não sendo absolutas, as CDAs devem ter o suporte do processo administrativo-tributário, que indique os motivos, as normas, bem como a coerência lógica entre ambos (causa do ato administrativo), a fim de justificar a inclusão de fulano ou sicrano no polo passivo na demanda judicial, agora na qualidade de responsável tributário.

Ademais, assim como na imposição de penalidades administrativas a administração deve provar os fatos imputados ao particular, devido à presunção de liberdade dos indivíduos (Heraldo Garcia Vita, Poder de Polícia, p.225, Malheiros, São Paulo, 2010), na responsabilidade tributária, similarmente, a Fazenda Pública deve evidenciar os motivos do ato.

A responsabilidade tributária, por constituir matéria excepcional, tem os seguintes corolários [mínimos]: (a) de regra, quem a alega, deve prová-la, no caso, a Fazenda Pública; (b) a interpretação, na lição de Carlos Maximiliano, deve ser restritiva (Hermenêutica e Aplicação do Direito, p.205, 18ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2000. Para o autor gaúcho, as matérias fiscais são excepcionais; logo, devem ser interpretadas restritivamente).

Assim, no âmbito administrativo discutem-se questões de fato e de Direito relevantes para a responsabilização tributária; somente com o fim do processo administrativo-tributário, ou seja, com a certeza jurídica decorrente da denominada 'coisa julgada administrativa', o Estado-Administração obterá condições para lavrar o título jurídico que lhe conferirá a possibilidade da propositura da ação executiva. [exigibilidade]

Não fosse dessa forma, haveria inversão de procedimentos, supressão de instâncias, amputação de oportunidades à defesa do contribuinte, com as infindáveis consequências ao patrimônio do particular, garantido constitucionalmente: propriedade privada (art.5º, "caput"; art,170, II, CF).

A doutrina não tergiversa no sentido de que o processo ou procedimento administrativo é essencial para a imputação de fatos, situações, responsabilidades. Os fins não justificam os meios; no regime democrático de Direito, antes de proferida a decisão, deve haver a série de atos administrativos, tendentes a um fim (processo administrativo), um rito legal, com defesa e produção de provas, se for o caso.

Há, por assim dizer, na expressão do autor italiano Sandulli, um procedimento necessário, no sentido de série de atos 'em ordem legal necessária'; o caso não terá validade, se não se respeitar a norma necessária [referente ao procedimento] (Il Procedimento Administrativo, p.90, Giuffrè, Milão, 1964). Ora, se o procedimento deve ser o legal, pena de invalidade; a falta dele, então, nulifica, por completo, o ato que lhe é posterior!

O processo administrativo existe para o cumprimento de finalidades de interesse público: "os especialistas observam que o procedimento administrativo atende a um duplo objetivo: a) resguarda os administrados; e b) concorre para uma atuação administrativa mais clarividente." (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 33ªed., Malheiros, 2017. Grifos nossos).

A respeito da ampla defesa, no Direito Tributário, expõe o jurista Ives Gandra da Silva Martins, quanto à necessidade da notificação dos sócios, ou administradores, da sociedade:

"Continuo, todavia com minha tese de que, para ter amplo defesa, os sócios ou administradores (...) devem ser notificados da autuação ad initio para não acontecer, que, vindo a conhecer do processo mais tarde e já tendo deixado a empresa, tenham seu direito a ampla defesa fulminado." (Grupos econômicos - pesquisas tributárias 03, Coord. Ives Gandra da Silva Martins, Lex Magister, Porto Alegre, 2015. Grifos nossos).

Então, todo esse arcabouço leva à necessidade de procedimentos administrativos aptos para confirmar, ou infirmar, a responsabilidade tributária.

O fato é que a ocorrência da regra matriz da responsabilidade tributária não se confunde com a da regra matriz da incidência tributária.

A regra matriz da incidência tributária refere à executada sociedade empresarial; enquanto a regra matriz da responsabilidade tributária atina aos responsáveis tributários (STF, RE 562.276-PR, 03.11.10, Rel. min. Ellen Gracie); daí a necessidade de apuração prévia, no âmbito administrativo, da verificação de cada uma delas.

Os pressupostos de uma e outra são distintos, e tem fundamentos diversos; o da sociedade empresarial, o não-pagamento da dívida; o do sócio-gerente, responsável, quando demonstrados os requisitos legais suficientes para a inclusão nessa categoria jurídica.

Logo, será preciso demonstrar o dolo do administrador, indicado nos elementos caracterizadores da conduta ilícita [desvio de finalidade; confusão patrimonial], dentre os quais, explica o magistrado Federal Tiago Bitencourt De David, "a existência de nexo de causalidade entre a atuação ilícita e o surgimento do débito fiscal"; (...) "pois é impossível pensar que qualquer irregularidade torne alguém responsável por toda e qualquer obrigação tributária de uma sociedade comercial, tornando-se uma espécie de segurador universal..." [autos de processo].

A antiga presunção da responsabilidade do sócio-gerente, está superada, equivocada, sem elastério na Constituição e demais normas do ordenamento jurídico. O dolo, ou seja, a vontade de produzir resultado, demanda prova, evidência, no processo administrativo, no qual a conduta da pessoa deve ser comprovada, ou, caso contrário, estará caracterizada a insuficiência da imputação!

Portanto, a responsabilidade tributária deve ser analisada no bojo de um processo administrativo-tributário; garante-se o processo regular; o contraditório; a segurança jurídica; e a celeridade processual.

Caso não se entenda dessa forma, seria preciso que houvesse, em juízo, durante a tramitação da execução fiscal, o incidente da desconsideração da personalidade jurídica (art.133, do CPC), para a verificação, ou exclusão, da responsabilidade tributária.

Não faz sentido o entendimento adotado pelos tribunais de que, na execução fiscal, seria desnecessário o incidente processual, ou seja, o sócio-gerente seria citado, na qualidade de executado, para pagar a dívida, ou indicar bens à penhora. Não antevejo motivo da distinção, ante o disposto no artigo 795, §4º, do CPC: 'Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.'

O CPC adotou a concepção tradicional da distinção do patrimônio da sociedade e dos sócios (regra básica: art.795, CPC). Já, a responsabilidade patrimonial do responsável ocorre quando houver a desconsideração da personalidade jurídica (art.790, VII).

A desconsideração da personalidade jurídica, adotada no Direito Privado (CCB, art.50) e, especialmente, no Direito Tributário (sobretudo: art.135), é medida de ordem excepcional; não-corriqueira; absolutamente fora dos padrões normais de cobrança de créditos. É uma medida que deve ser vista como exceção na ordem jurídica. Por conta disso, será preciso, quando menos, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art.133).

Aplica-se este instituto, conforme o artigo 134, "caput", dentre outras hipóteses, na execução fundada em título executivo extrajudicial, no caso, a certidão da dívida ativa, expedida por entidades políticas (artigo 784, IX).

Instaurado o incidente, suspende-se a ação [execução fiscal] (art,134, §3º); contudo, na hipótese de a desconsideração ser requerida na petição inicial [da execução fiscal], dispensa-se o incidente - basta a simples citação do sócio na ação [de execução fiscal] (art.134, §2º)

Mas, vejamos: se a Fazenda Pública não tiver instaurado processo administrativo [anterior à propositura da ação] para demonstrar a responsabilidade tributária de sócio-gerente e, apesar disso, ele for incluído na ação de execução fiscal, por constar o nome dele nas CDAs., deverá o magistrado, a pedido do interessado, no bojo da execução fiscal, instaurar o incidente da desconsideração; repita-se: mesmo quando o nome do co-responsável conste na CDA, o incidente poderá e deverá ser utilizado, evidentemente, se houver pedido da parte.(art.133, "caput"), na hipótese de ausência de processo administrativo anterior que impute ao responsável o pagamento da dívida. O devido processo legal exige anteparos jurídicos apropriados antes de qualquer medida danosa a ser tomada pelo Estado contra os particulares.

Esses apontamentos, elencados em apertada síntese, podem ser adotados na responsabilidade tributária por sucessão empresarial (art.133,do CTN) .

Especificamente nesse tema, um importante passo foi dado. Em recente decisão, numa execução fiscal, o RTF da 3ª Região, refutou a possibilidade de o Judiciário declarar a sucessão empresarial (art.133, CTN), sem que tenha havido o contraditório prévio.

O eminente relator, desembargador Federal Nelton dos Santos, por sinal brilhante processualista, determinou a citação da sociedade empresária, antes da declaração da responsabilidade tributária [sociedade sucessora] (TRF3, agravo de instrumento 5001135-10.2018.4.03.0000, unânime).

Conforme o voto proferido pelo magistrado, "pronunciamentos judiciais declaratórios têm a aptidão de transitar materialmente em julgado, e, por isso, precisam ser definitivos"; "o caso seria apenas de, deferir a inclusão da ora agravante no polo passivo da relação processual executiva e determinar sua citação como executada."

Portanto, ante esse julgado, nenhuma declaração de responsabilidade tributária por sucessão pode ser feita sem o contraditório e defesa do interessado. Esse precedente proporciona prévia discussão a respeito das provas [rectius: indícios] normalmente aportadas pela Fazenda Pública para exigir a responsabilização tributária.

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*Heraldo Garcia Vitta é advogado e Consultor Jurídico.

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