Universidade pública: quem pode deve pagar
Quem tem mais de 40 anos sabe que entre 1960 e o início dos anos 70 o ensino público no Brasil era de boa qualidade, em todos os níveis: primário, ginasial, colegial e universitário. Com a reforma no ensino promovida pelo regime militar, esses estágios foram substituídos por ensino básico (da 1ª à 8ª séries) e médio (antigo colegial), mantendo-se o universitário. O objetivo foi ampliar a oferta de vagas, mas em contrapartida a qualidade despencou na proporção em que aumentava o número de salas de aula. Já a universidade do Estado manteve-se como a cereja no bolo do ensino público. Percebendo aí uma janela de oportunidades, a iniciativa privada começou a oferecer ensino de melhor qualidade, para atender a demanda da classe média e dos ricos, que antes da reforma enviavam seus filhos às melhores escolas públicas, ou porque não havia opção ou porque era exatamente ali onde estavam os professores mais competentes e preparados.
quarta-feira, 30 de agosto de 2006
Atualizado em 29 de agosto de 2006 15:36
Universidade pública: quem pode deve pagar
Alexandre Thiollier*
Quem tem mais de 40 anos sabe que entre 1960 e o início dos anos 70 o ensino público no Brasil era de boa qualidade, em todos os níveis: primário, ginasial, colegial e universitário. Com a reforma no ensino promovida pelo regime militar, esses estágios foram substituídos por ensino básico (da 1ª à 8ª séries) e médio (antigo colegial), mantendo-se o universitário.
O objetivo foi ampliar a oferta de vagas, mas em contrapartida a qualidade despencou na proporção em que aumentava o número de salas de aula. Já a universidade do Estado manteve-se como a cereja no bolo do ensino público. Percebendo aí uma janela de oportunidades, a iniciativa privada começou a oferecer ensino de melhor qualidade, para atender a demanda da classe média e dos ricos, que antes da reforma enviavam seus filhos às melhores escolas públicas, ou porque não havia opção ou porque era exatamente ali onde estavam os professores mais competentes e preparados.
Se a reforma do ensino promovida pelos militares tivesse sido feita sem o sacrifício da qualidade, certamente teríamos hoje um país com menos violência e mais desenvolvimento. Todos concordam que a revolução brasileira passa necessariamente por uma boa educação pública, como no caso da Coréia do Sul, que até os anos 1970 era mais pobre que o Brasil e hoje é um dos tigres asiáticos mais pujantes.
Nesses 30 anos, enquanto o ensino público básico e médio se tornava uma verdadeira tragédia - basta ver o noticiário, com casos de mortes e tráfico de drogas dentro das escolas - as universidades conseguiram manter e até ampliar a qualidade. Desta forma, criou-se uma contradição: os jovens pobres ou de classe média baixa estudam numa escola pública geralmente de má qualidade e, como não conseguem entrar na universidade pública, são obrigados a pagar a faculdade, quando têm emprego e salário suficiente. Já os estudantes de melhor poder aquisitivo pagam para estudar nas melhores escolas durante o ensino básico e médio e assim conquistam uma vaga nas boas universidades mantidas pelo Estado, onde se formam sem pagar um tostão.
Em suma, o ensino público de má qualidade é destinado aos brasileiros mais pobres, enquanto o bom ensino universitário público fica quase que exclusivamente reservado aos brasileiros que podem pagar pela sua educação, mas só pagam enquanto estão nas escolas privadas. Portanto, ao lado da questão das cotas sociais, independentemente da cor da pele, precisamos debater seriamente as fontes de financiamento da universidade pública, em particular, e do ensino público em geral.
As faculdades privadas, algumas delas verdadeiras fábricas de diplomas inúteis, estão se mexendo. Profissionalizam a gestão e buscam recursos mais baratos no mercado financeiro: para escapar dos juros bancários, lançam debêntures para captar dinheiro no mercado e investir em suas operações.
Já as universidades públicas, o que fazem? Ficam cada vez mais dependentes dos recursos dos governos estaduais e federal, que também sofrem com escassez e problemas de gestão. É hora de debater sobre uma reforma ampla do ensino público, para melhorar e muito a qualidade dos níveis básico e médio, enquanto se busca novas formas de financiamento das universidades. Neste ponto, incluo uma proposta que é de fácil e rápida implantação: quem pagou o ensino médio em escolas privadas continuaria pagando o mesmo na universidade pública.
No mundo moderno, não há mais como manter a excelência do ensino universitário oferecido pelo Estado sem a participação dos alunos que podem pagar, isto é, sem a contrapartida da sociedade civil. Se esse sistema funcionasse já na época em que estudei Direito nas Arcadas, poderia ter tido a oportunidade de participar do financiamento de meu próprio ensino universitário. Em muitos países desenvolvidos as faculdades têm formas legais e oficiais de aceitar pagamentos e doações de seus alunos que estejam em boas condições financeiras.
Proponho que o estudante que entra em universidade pública continue pagando durante o curso a média do que pagou nos três anos anteriores na escola particular de onde veio, corrigindo-se a mensalidade anualmente pela inflação. Se veio de escola pública, não paga nada. Nada mais coerente: somos iguais perante a lei, mas para sermos justos temos que tratar os desiguais de diferentes formas. É hora de a elite brasileira, que estudou ou estuda nas universidades públicas, assumir sua parcela de responsabilidade na revolução educacional que o Brasil espera há tanto tempo.
Estamos na era do conhecimento. Só teremos chance de competir no mercado globalizado nas próximas décadas se tivermos um povo bem educado e preparado para os desafios cada vez maiores. E isso exige investimentos maciços no ensino fundamental público, com a excelência garantida nas universidades. Os governos precisam investir mais no ensino básico e deixar que parte dos recursos das universidades venha dos alunos que podem pagar. Mas não basta só aumentar os recursos: o Fundeb reforçado pode ser mais uma forma de desperdiçar o dinheiro público deste país, pelo ralo da corrupção. O essencial é estabelecer um modelo nacional de escola pública de qualidade, que tenha regras claras de gestão e metas de aprovação, com treinamento pedagógico permanente dos professores.
Além disso, deve-se criar formas legais para que ex-alunos façam doações dirigidas, como é comum em vários países desenvolvidos. Muitos empresários bem sucedidos gostariam de destinar parte de suas fortunas às escolas públicas onde estudaram, mas no Brasil não conseguem: o Estado aceita, mas não quer destinar o dinheiro àquela escola específica que o cidadão quer ajudar e sim para o sistema como um todo. Quando houver mecanismos de incentivo fiscal e a possibilidade de doações dirigidas, nossas universidades públicas terão mais uma fonte de recursos. E nesses tempos todo dinheiro disponível é precioso para alavancar de vez o ensino público neste país, do básico à universidade, com a necessária qualidade.
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*Advogado do escritório Thiollier Advogados
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