A Constituição pode ser emendada durante intervenção Federal?
O dispositivo deve ser lido com temperamentos, de maneira que é possível a emenda da Constituição na vigência de intervenção federal, desde que ela vise preservar exatamente aquilo que a intervenção tenha como objetivo recuperar: a integridade e o funcionamento das instituições democráticas.
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:53
A resposta para quem busca uma resposta simples na Constituição de 1988 é: não, não pode, porque o artigo 60, § 1º proíbe. Com efeito, o referido dispositivo impõe uma restrição, ao prescrever que "a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção Federal, de estado de defesa ou de estado de sítio". Todavia, até que ponto devemos entender que essa é uma regra que não admite exceções?
A intervenção Federal é um dos institutos constitucionais voltados para a preservação das instituições democráticas. Quando se busca o seu tratamento constitucional, descobre-se que a intervenção é medida excepcional, que deve ser aplicada tão somente em último caso, se o Estado não conseguir evitar a crise institucional.
A função da intervenção Federal é, portanto, recuperar a integridade das instituições nacionais e garantir o seu funcionamento. Em outras palavras, o seu papel é permitir que o texto constitucional seja corretamente aplicado, isto é, que a organização do Estado e a separação e limitação dos poderes sejam mantidos e que os direitos e garantias não sejam violados.
O estado de defesa e o estado de sítio têm, basicamente, as mesmas funções. Todavia, há uma diferença considerável em relação à intervenção Federal: nesta não podem ser adotadas medidas que restrinjam direitos, enquanto naqueles é possível. E é esta distinção que permite a inclusão de uma exceção à regra limitativa do artigo 60, § 1º, em relação à intervenção Federal.
Assim, o dispositivo deve ser lido com temperamentos, de maneira que é possível a emenda da Constituição na vigência de intervenção federal, desde que ela vise preservar exatamente aquilo que a intervenção tenha como objetivo recuperar: a integridade e o funcionamento das instituições democráticas. E isso inclui o reconhecimento de direitos e garantias fundamentais.
Logo, a notícia que circula pelas redes sociais de que o tratado de marrakesh, que foi internalizado pelo decreto 9.522/18 e aprovado pelo mesmo procedimento de emenda constitucional é verdadeira. O que é falso é a afirmação de que a Constituição foi alterada em plena vigência de intervenção Federal, mas que por não se tratar de emenda, seria uma exceção ao § 1º do artigo 60.
A falácia do argumento da notícia que circula está em dizer que emenda e alteração não são a mesma coisa. Na verdade, emendar é o mesmo que alterar, podendo, ambas, se referir a supressões, adições, correções, ampliações, restrições etc. Portanto, com efeito, a Constituição foi alterada ou emendada em plena vigência de intervenção Federal.
Todavia, essa emenda ou alteração é plenamente possível se não for contrária aos propósitos da intervenção Federal. É dizer, sendo favorável, não há porque restringir a emenda.
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*Daury César Fabriz é doutor e mestre pela UFMG e professor titular de Direito Constitucional.
*Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira é mestre e professor de Direito Constitucional e Teoria do Estado.