eSports: a equivocada submissão dos torneios à Caixa
Há sólido embasamento jurídico para defender a ausência de necessidade de pagamento de prêmio nos eSports via Caixa, ou mediante autorização desta.
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:48
Paira hoje no mercado o entendimento de que o pagamento de valores a título de premiação é regulada pela lei 5.768/71, que é a lei Federal que, entre outros assuntos, regula a "distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda". Especificamente em relação ao seu art. 1º, caput, a lei estabelece que é necessária autorização do Ministério da Fazenda para que haja a distribuição gratuita de prêmios a título de concurso ou operação assemelhada.
Além disso, algumas publishers e produtoras de competições possuem o entendimento de que, enquadrando-se na descrição realizada pelo art. 1º, caput e § 1º da própria lei, os campeonatos de eSports seriam tratados como concursos, em consonância com o disposto no art. 2º, inciso IV da portaria 41, de 19 de fevereiro de 2008 do Ministério da Fazenda, de modo que haveria a necessidade de solicitar a autorização da Caixa Econômica Federal (vinculado ao Ministério da Fazenda) para a distribuição da premiação, bem como levar o contrato de participação de seus campeonatos, assinados junto aos clubes participantes à registro na referida entidade.
Contudo, a sistemática por ora adotada por essas publishers e produtoras de competições não observa a regra expressa disposta no art. 1º, § 3º do mesmo diploma legal, que estabelece inequivocamente que é vedada a distribuição dos prêmios, em concursos, em dinheiro, o que pode realmente incidir um certo risco para as publishers e produtoras de competições que adotam essa prática.
Não fosse apenas por isso, na prática, a lei 5.768/71 nunca deveria ser aplicada pelo mercado de eSports! Os eSports possuem inequivocamente o status de esporte, de modo que as competições realizadas sobre as suas modalidades devem ser realizadas em atenção à legislação aplicável, qual seja a lei 9.615/98 ("lei Pelé"). Atualmente, é possível afirmar tranquilamente que os eSports são esportes em razão de (i) o Ministério do Trabalho ter concedido visto de trabalho de atletas profissionais para os cyberatletas estrangeiros; (ii) a jurisprudência aplicar a lei Pelé para as relações entre cyberatletas e clubes; e (iii) haver alguns projetos de lei de incentivo ao esporte referentes aos eSports aprovados pelo Ministério do Esporte; dentre outros pontos.
Consequentemente, a lei Pelé, advinda dos comandos constitucionais do art. 217 da Constituição, expressa implicitamente que as entidades desportivas dirigentes devem ter a autonomia quanto a sua organização e funcionamento, amparado também pelo princípio da legalidade e autonomia do exercício da atividade comercial, consagrados no art. 5º da Constituição Federal. Assim, fica assegurado o direito de entidades desportivas privadas convencionarem conforme mútua vontade como se dará a relação jurídica entre as partes no que tange à organização e disputa da competição, bem como o pagamento da premiação.
As grandes competições desportivas que ocorrem no Brasil, em especial a série a do campeonato brasileiro e copa do Brasil, por exemplo, organizadas pela confederação brasileira de futebol, premiam seus participantes mediante depósito bancário, exigindo-se do clube apenas a emissão de recibo do referido pagamento devidamente assinado. Em torneios menores, os pagamentos se dão mediante cheque administrativo ou até mesmo valor em dinheiro.
Ou seja, há sólido embasamento jurídico para defender a ausência de necessidade de pagamento de prêmio nos eSports via Caixa, ou mediante autorização desta. Por fim, mesmo que se discorde desse posicionamento, os eSports poderiam ser no máximo enquadradas como concursos exclusivamente desportivos, em atenção ao art. 3º da lei 5.768/71. Nesta hipótese, ainda assim não seria necessária a autorização de qualquer departamento de administração pública para distribuição gratuita de prêmios, como se pode verificar na própria disposição legal.
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*André Sica é sócio de direito desportivo do escritório CSMV Advogados.