Reclamação e os diversos desdobramentos advindos do CPC/15
O presente artigo propõe a análise da reclamação, considerando as alterações advindas do CPC/15. Trata-se de estudo que contempla aspectos conceituais e faz o enfrentamento casuístico sobre as hipóteses de cabimento e alcance da reclamação, seja para assegurar a estabilização da jurisprudência, seja para garantir a competência e a autoridade dos tribunais.
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:35
1 Natureza jurídica
A natureza jurídica da reclamação, agora com a regulamentação pelo código processual, é de ação1 originariamente proposta nos tribunais, e que tem por objetivo fazer prevalecer, nas situações elencadas na lei, a autoridade das decisões proferidas em sede de recursos ou incidentes com força vinculativa, além de resguardar a competência dos tribunais.
2 Reclamação antes do NCPC
Com efeito, embora prevista para o STJ e o STF por meio da lei 8.038/90, em seus artigos 13 a 18, a reclamação só ganhou previsão constitucional de maior amplitude, com o advento da EC 45/04. Até então, seu cabimento limitava-se a assegurar a competência e a autoridade das decisões do STJ e do STF (arts. 102 e 105).
Ao versar sobre a súmula vinculante, o legislador constitucional ampliou, de fato, o alcance da reclamação, permitindo com que fosse usada para assegurar a eficácia daquele instituto uniformizador. Assim é que, pelo art. 103 A § 3º da Constituição Federal, restou assegurado que "do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao STF que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso".
Ao regulamentar a súmula vinculante, veio a lei 11.417/06, estabelecendo, em art. 7º, que "da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao STF, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação". E em seu § 2º, dispôs o referido artigo que "ao julgar procedente a reclamação, o STF anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso".
Depois disso, o STJ passou a admitir, ante permissão do STF e diante de vazio legislativo, a utilização da reclamação para fazer valer a autoridade de suas decisões proferidas em recursos especiais repetitivos e aquelas sintetizadas por enunciados sumulares. A ampliação da reclamação para hipóteses de ofensa a enunciados sumulares teve por base as leis 10.259/01 (Juizado Especial Federal) e 12.153/09 (Juizado Especial da Fazenda Pública), as quais admitem a interferência do STJ em situações tais2.
Vale lembrar que o STF, julgando os embargos de declaração no rext 571.572-BA, entendeu ser competente o STJ para examinar reclamações contra decisões de juizados especiais contrárias à orientação da Corte Superior no plano infraconstitucional. Diante disso, o STJ editou a resolução 12/09 e passou a admitir a ação de reclamação para as hipóteses aqui já citadas (conferir, por exemplo, reclamações 3.812 e 6.721). Cabe o destaque que, mais recentemente e já na vigência do CPC/15, o STJ revogou a resolução 12/09, transferindo, por meio da resolução 03/16, a competência da reclamação contra decisões de turmas recursais dos Juizados Especiais para os tribunais de justiça.
Volvendo ao período anterior ao CPC/15, cabe lembrar que também os tribunais estaduais, estimulados por normas locais, passaram a permitir a reclamação, desde que fosse para preservar a competência dos mesmos e a autoridade da coisa julgada proveniente de suas decisões definitivas. E, uma vez provocado sobre a constitucionalidade de tal permissão, acenou positivamente o STF.
Eis a ementa do acórdão do Pretório Excelso:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF). 2. A reclamação constitui instrumento que, aplicado no âmbito dos estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro Tribunal local. 3. A adoção desse instrumento pelos estados-membros, além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 2212 CE, rela. Mina. Ellen Gracie, DJ 14/11/03).
Assim é que os tribunais, de forma geral, começaram a perceber que a reclamação poderia consistir em mecanismo rápido e eficaz para estabelecer segurança jurídica, quando decisões desobedecessem à coisa julgada ou mesmo à eficácia de enunciados vinculativos.
Nessa toada é que, valendo-se de sua competência, o legislador trouxe a reclamação para o sistema codificado.
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1 O procedimento adotado pelo novo código, exigindo citação do beneficiário para a apresentação de contestação, não deixa dúvida de tal natureza (art. 989 inc. III NCPC). Não é mero incidente - e sim ação - o procedimento que comporta a resposta à ação por meio de contestação.
2 Art. 14 Lei 10259/01 (Juizado Especial Federal)
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§ 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste que dirimirá a divergência.
Lei 12153/09 (Juizado Especial da Fazenda Pública)
Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.
...
§ 3º Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.
Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste que dirimirá a divergência.
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*Luiz Fernando Valladão Nogueira é advogado do Valladão Sociedade de Advogados. Procurador do município de BH e professor de graduação e pós-graduação em Direito Processual Civil.