Extinção do Ministério do Trabalho
Espera-se que o presidente Jair Bolsonaro não cometa o equívoco de emudecer o único interlocutor do governo junto aos trabalhadores e sindicatos. Deve procurá-los e se empenhar em entendê-los, para lhes conquistar simpatia e apoio.
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
Atualizado em 27 de setembro de 2019 16:54
A dúvida que ocorre, diante da propalada ideia da extinção do Ministério do Trabalho, é se estamos diante de ato administrativo inserido no programa de redução do número de secretarias de Estado, ou se a decisão é de cunho político e se destina a reduzir a presença dos trabalhadores no âmbito do Poder Executivo.
É antiga e acidentada a história do ministério criado por Getúlio Vargas, como Secretaria de Estado em 26/11/30, poucos dias após a instituição do Governo Provisório, do qual assumiu a posição de Chefe para consolidar a vitória da Revolução de 1930.
O Manifesto da Aliança Liberal, lido por Lindolfo Collor na Convenção de 20/9/29, admitia a existência de graves problemas sociais e denunciava "O desprezo oficial pela sorte dos trabalhadores brasileiros", comprovada pelo descumprimento de compromissos assumidos perante a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Plataforma da Aliança Liberal "mais do povo do que do candidato", lida em comício realizado no Rio de Janeiro em 2/1/30, ressaltava a existência da questão social "como um dos problemas que terão de ser encarados com seriedade pelos poderes públicos". Prosseguia: "O pouco que possuímos, em matéria de legislação social, não é aplicado, ou só o é em parte mínima, esporadicamente, apesar dos compromissos que assumimos, a respeito, como signatários do Tratado de Versalhes e das responsabilidades que nos advém da nossa posição de membros do 'Bureau Internacional do Trabalho', cujas convenções e conclusões não observamos. Se o nosso protecionismo favorece os industriais, em proveito da fortuna privada, corre-nos, também, o dever de acudir ao proletariado, com medidas que lhe assegurem relativo conforto e estabilidade e o amparem nas doenças como na velhice".
A era Vargas iniciou-se em 1930 e até hoje não se encerrou. Permanece viva na legislação trabalhista, cujos frutos são encontrados no Capítulo II do Título II da Constituição de 1988, onde se encontram inscritos, como cláusulas pétreas, os direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores urbanos e rurais (artigos 7º/11).
O referido Capítulo é descendente direto do Título IV da Constituição de 1934, que trouxe para o Direito Constitucional título consagrado à Ordem Econômica, o qual se projetou nos dispositivos consagrados à Ordem Econômica e Social das Constituições de 1937, 1946, 1967 (Emenda 1/69), até desabrochar, ampliado e revigorado, na atual Lei Fundamental.
Sem desconhecer os aspectos autoritários da era Vargas, é impossível recusar a Getúlio o título de fundador do Estado Social no Brasil. A ênfase dada à defesa dos trabalhadores, que o levaram a dizer, em comício realizado em Porto Alegre em 1946, que "tendo que optar entre os poderosos e os humildes, preferi os últimos", fez de Vargas a maior liderança popular brasileira de todos os tempos.
É impossível saber o que pensa o presidente eleito Jair Bolsonaro a respeito da legislação trabalhista, do salário mínimo, do movimento sindical, da Justiça do Trabalho, da pobreza, da elevada taxa de desemprego. As únicas indicações resultam do fortalecimento do Ministério da Fazenda, cujo titular, o economista Paulo Guedes, seria adepto da cartilha liberal.
Nada corre tão rápido quanto o mandato; começa a se encerrar no dia da posse, em acelerada corrida regressiva. De poucos meses o governo disporá para resolver o angustiante problema do desemprego. O regime militar cometeu graves erros quando marginalizou as classes trabalhadoras, implantou política do arrocho salarial e estrangulou a vida sindical com cassações de diretorias eleitas.
Espera-se que o presidente Jair Bolsonaro não cometa o equívoco de emudecer o único interlocutor do governo junto aos trabalhadores e sindicatos. Deve procurá-los e se empenhar em entendê-los, para lhes conquistar simpatia e apoio. Somos adversários do peleguismo sindical, alimentado durante os governos petistas. Disto não se segue, porém, que a extinção do Ministério do Trabalho possa ser antídoto aos baixos salários, ao desemprego e ao subemprego.
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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.