Administrador judicial e profissões regulamentadas
Na condução dessas atividades o AJ acaba por se manifestar sobre diversos aspectos da vida de uma empresa em recuperação judicial: regularidade jurídica, fiscal, contábil, econômica; dentre os pontos mais importantes.
quarta-feira, 17 de outubro de 2018
Atualizado em 25 de setembro de 2019 16:25
A lei 11.101/05 definiu um novo tipo de auxiliar do Judiciário, o administrador judicial (AJ).
A leitura do artigo 21 dessa lei:
Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.
Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta lei, o nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz.
Deixa claro que essa atividade pode ser exercida por várias pessoas, desde que profissionais, de diferentes profissões, o que significa que o AJ não é uma profissão em si, como o são a advocacia, engenharia, medicina, contabilidade e outras.
Na condução dessas atividades o AJ acaba por se manifestar sobre diversos aspectos da vida de uma empresa em recuperação judicial: regularidade jurídica, fiscal, contábil, econômica; dentre os pontos mais importantes.
Cada manifestação, então, deve ser devidamente fundamentada e validada por um profissional que tenha competência legal para desempenhar essa atividade, pois cada profissão delimita os campos que compõem aquilo sobre o qual o profissional está legalmente habilitado a trabalhar, sob pena de haver exercício ilegal de profissão e invalidando o fruto dessa atividade que é uma contravenção penal.
Isto significa que cada manifestação de um AJ sobre os diversos tópicos da vida empresarial e que devem ser levados ao juízo deve estar legalmente validada, isto é suportada por um profissional específico da área objeto da manifestação.
Essa legitimação legal não é mera burocracia e tampouco reserva de mercado, mas é uma regra de segurança jurídica, pois os juízes, leigos que são, devem ser auxiliados nas questões técnicas por aqueles que têm o conhecimento técnico específico e validado pela lei.
Dessa forma, da mesma maneira pela qual cabe escrutinar a qualificação profissional de um perito judicial (vide art. 465 do CPC), o que inclui a regularidade de sua habilitação profissional, essa preocupação também deveria existir com relação aos trabalhos de um AJ, ou seja, quando a informação que tiver que prestar for de natureza contábil, ela deve ser legitimada por contador; se for econômica, por economista e assim por diante, lembrando-se que AJ não é profissão, mas função auxiliar da justiça e a lei 11.101 não pode ser tida como especial sobre as legislações que regulam as profissões e muito menos derrogando o que nelas está contido.
Também importa verificar se quando o AJ está formalizado enquanto pessoa jurídica (com o que não precisa ser empresário), essa empresa está devidamente inscrita nos órgãos competentes para esse tipo de atuação.
Como via de regra o trabalho do AJ é multidisciplinar, e a menos que ele enquanto pessoa física, ou seu representante enquanto pessoa jurídica, tiver inúmeras habilitações profissionais, o AJ deverá contar com a colaboração de outros profissionais que deverão assinar as documentações prestadas ao juízo de modo a que seja explicitada a legalidade do trabalho feito, não se desonerando o AJ pessoa física ou responsável pela pessoa jurídica de assinar conjuntamente o trabalho, isto em razão de sua específica responsabilidade legal.
Reforço que essas questões não são burocracias a atrapalhar a flexibilidade da atuação judicial, mas sim entender que o preceito da legalidade deve prevalecer, senão será possível que laudos de engenharia sejam assinados por fisioterapeutas e os advogados não poderão reclamar que clientes serão assistidos por contadores em audiências. Friso, porém, que fiz esses comentários na forma de um dever ser pois, ao que parece, a prática parece ser outra, mas o que não impede seja ela questionada.
Um último ponto. Atenção especial deve ser dada àquelas situações que vêm se tornando frequentes, quando o despacho inicial de um pedido de recuperação judicial é dado no sentido de ser solicitada uma perícia prévia para se checar, ainda que sumariamente, a presença, ou não, de indicativos para a concessão do benefício. Neste caso o trabalho não é de AJ, mas de perito. Logo, nessa hipótese três aspectos devem ser levados em consideração na sequência dos atos processuais: (1) um AJ somente pode realizar a perícia se estiver devidamente cadastrado como tal - perito - e, neste caso, limitando-se a sua manifestação àquelas áreas para as quais têm habilitação profissional específica; (2) se a perícia for ampla, ela não pode ser suportada por um laudo único, a menos que o referido tenha habilitações profissionais multidisciplinares, mas sim por diversos profissionais de cada área; e (3) se ainda assim ela for desenvolvida por um AJ, este não pode ser nomeado como AJ da recuperação judicial na qual atuou inicialmente como perito judicial, isto porque há conflito de interesse entre essa participação como auxiliar do Judiciário-perito e como auxiliar do Judiciário-AJ, até porque como ficará esse AJ se, no curso da recuperação judicial, for verificado que seu trabalho preliminar foi ineficiente?
Enfim, há temática para muito debate nas considerações feitas acima.
_______________
*José André Beretta Filho é advogado.