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Da aplicação da teoria da actio nata em relação ao instituto da prescrição

O presente trabalho consiste em estudo acerca da aplicação da teoria actio nata em relação ao início da contagem do lapso prescricional, frente entendimento jurisprudencial predominante e os princípios basilares do Código Civil.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 15:12

Inicialmente, é imperioso elucidar que o exercício de um direito não é permanente ou infinito, devendo seu titular exercê-lo dentro de um determinado prazo. E justamente por conta dessa situação o legislador instituiu o Instituto da prescrição.

 

Sendo assim, a prescrição, consoante se infere da doutrina clássica de Clóvis Beviláqua1, passou a ser prestigiada no Código Civil de 1916 como a perda de uma ação ajuizável, em decorrência da inércia de seu titular durante um certo lapso temporal. No entanto, o Código Civil de 2002, objetivando indicar que não se trata de um direito subjetivo abstrato de ação, passou a conceituar prescrição como a perda ou extinção da pretensão.2

 

Nesse passo, o artigo 189 o Código Civil de 2002 preconiza que: "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".

 

Carlos Roberto Gonçalves, em sua doutrina, afirma que a prescrição "tem como requisitos: a) a violação do direito, com o nascimento da pretensão; b) a inércia do titular; c) o decurso do empo fixado pela lei."3

 

Pelo exposto, analisando a letra fria da lei, percebe-se que o termo inicial da prescrição é o surgimento da pretensão, presumindo que titular obteve imediato conhecimento do seu direito violado. Contudo, a aplicação da literal da regra contida no artigo 189 do Código Civil em vigor poderá acarretar em prejuízos àqueles que tiveram seu direito violado.

 

Explico. Nem sempre aquele que toma conhecimento da violação de seu direito está dentro do prazo de pretensão previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil, situação esta que transgrede diretamente os princípios basilares desse mesmo diploma legal, a saber: eticidade, socialidade e boa-fé.

 

Em razão disso, o STJ, assim como a doutrina moderna, pautados nos mencionados princípios da eticidade e boa-fé, passaram a adotar a teoria da actio nata, segundo a qual o dies a quo do prazo prescricional ocorrerá no exato momento em que a parte lesada tomou ciência do dano.

 

Cita-se precedente deste Colendo Tribunal:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. APREENSÃO DE VEÍCULO REVERTIDA JUDICIALMENTE. DANOS EMERGENTES. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. AÇÕES INDENIZATÓRIAS AJUIZADAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL QÜINQÜENAL.
1. O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata. Precedentes.
[....]
4. Recurso especial não provido.4

[...] Erro médico. Prescrição. Termo a quo. A Turma, na parte conhecida, deu provimento ao recurso especial da vítima de erro médico para afastar a prescrição reconhecida em primeira instância e mantida pelo tribunal de origem. In casu, a recorrente pleiteou indenização por danos morais sob a alegação de que, ao realizar exames radiográficos em 1995, foi constatada a presença de uma agulha cirúrgica em seu abdome. Afirmou que o objeto foi deixado na operação cesariana ocorrida em 1979, única cirurgia a que se submeteu. Nesse contesto, consignou-se que o termo a quo da prescrição da pretensão indenizatória pelo erro médico é a data da ciência do dano, não a data do ato ilícito. Segundo o min. Relator, se a parte não sabia que havia instrumentos cirúrgicos em seu corpo, a lesão ao direito subjetivo era desconhecida, portanto ainda não existia pretensão a ser demandada em Juízo. Precedente citado: REsp 694.281-RJ, DJ 20/9/2006".5

 

Por meio dos julgados acima cotejados, é possível constatar que a teoria da actio nata acaba fornecendo amparo e segurança ao direito do indivíduo de ver seu direito reparado a tempo.

 

Isso porque, por meio dessa teoria, o reconhecimento da pretensão de ajuizar a ação só pode ter sua exigibilidade fulminada pela prescrição caso a parte lesada tenha tomado efetivo conhecimento do fato.

 

Neste sentido, Flávio Tartuce6 afirma que a tese da actio nata com viés subjetivo é mais justa diante do princípio da boa-fé, especialmente com a valorização da informação derivada desse regramento.

 

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald7 vão na mesma esteira, ponderando que:

 

[...] a tese da actio nata, reconhecida jurisprudencialmente, melhor orienta a questão. Efetivamente, o início da fluência do prazo prescricional deve decorrer não da violação, em si, de um direito subjetivo, mas, sim, do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo respectivo titular: Com isso, a boa-fé é prestigiada de modo mais vigoroso, obstando que o titular seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi imposta. Até porque, e isso não se põe em dúvida, é absolutamente possível afrontar o direito subjetivo de alguém sem que o titular tenha imediato conhecimento [...].

 

 

Por esse motivo, a adoção da teoria da actio nata, como assim vem fazendo o STJ, além de vislumbrar os princípios da eticidade, socialidade e boa-fé, se mostra, de igual forma, mais adaptada a realidade social, pois, por meio do seu bom emprego, não é permitido que o titular de um direito seja penitenciado por uma inércia a que não deu ensejo.

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1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1, 11ª Ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 513.

 

2 TARTUCE, Flávio, Manual de Direito Civil, volume I, 11ª ed., São Paulo: Ed. Método, 2015, p. 466.

 

3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., 2013, p. 514.

 

4 STJ, REsp n. 1.257.387/RS, minª. Eliana Calmon, julgado em 17/09/2013.

 

5 STJ, REsp 1.020.801/SP, Rel. min. João Otávio Noronha, julgado em 26.04.2011.

 

6 TARTUCE, Flávio, Op. Cit., 2015, p. 469.

 

7 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Parte Geral e LINDB, Volume I, 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 622.

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*Paulo Henrique de Moraes Júnior é advogado atuante nas áreas: Civil, Processual Civil, Consumidor e Imobiliário. Pós-graduado com especialização em Direito Civil e Processual Civil.

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