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Exercício do poder fiscalizatório sobre o registro de empregados em conselhos regionais

Rafael Meng Nóbrega

A empresa que mantenha empregados no exercício de profissões regulamentadas, mas sem o devido registro junto ao conselho profissional, sujeita-se ao risco de autuações.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:17

I. Introdução

 

Diversas profissões respondem a legislações específicas, que conformam os limites da sua atuação, fixando requisitos mínimos de qualidade dos serviços prestados. No intuito de assegurar o adequado exercício das atividades das categorias regulamentadas, são instituídos os conselhos de fiscalização profissional, encarregados de estipularem códigos de ética e de conduta disciplinar.

 

A atuação dos conselhos regionais e federais é de extrema importância para o desenvolvimento sustentável da economia e da indústria. Em termos numéricos, dados recentes do TCU contabilizam a existência de 535 conselhos de categoria, 27 dos quais atuam em nível federal, arrecadando um montante de R$ 3 bilhões anuais1 .Tal cifra denota grande preocupação com estas entidades, reflexo do cuidado que tomou o legislador em preservar a coletividade de profissionais não qualificados.

 

Desse modo, o registro do profissional perante seu respectivo conselho regional põe-se como exigência legal inerente ao ofício, tornando-se objeto de fiscalização. O propósito do presente trabalho será compreender quais as reverberações deste poder fiscalizatório sobre a relação de emprego.

 

II. Relação entre conselhos de fiscalização e profissionais

 

Os conselhos de fiscalização profissional são previstos na lei 9.649/98, em seu art. 58, segundo o qual "os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa". O dispositivo decorre da necessidade de zelar pela qualidade dos serviços técnicos, competência da União fixa no art. 5º, XIII e art. 21, XXIV da Constituição.

 

Embora instituídos por lei Federal e sujeitos à aprovação legislativa, tais órgãos gozam de plena autonomia funcional e hierárquica perante a administração pública direta ou indireta, sendo disciplinados pelo respectivo conselho Federal2. Tendo em vista que exercem poder de polícia, normativo e punitivo, sobre os integrantes de determinada categoria, cumpre-nos observar como se desdobram as obrigações entre profissional regulamentado e respectivo conselho de fiscalização.

 

Ao registrar-se perante seu órgão de classe, o sujeito se arroga diversas obrigações para exercício de suas atividades. A primeira delas implica seguir o código de ética da profissão, que impõe normas e condutas voltadas à preservação da imagem profissional, à defesa da categoria e ao regular fornecimento de serviços. Ademais, cada órgão de classe fixa diversas obrigações específicas, como é o caso da necessidade de recolhimento da anotação de responsabilidade técnica (ART) na prestação de serviços de engenharia, arquitetura e agronomia, estipulada pela lei 6.496/77.

 

Fora isso, a manutenção dos conselhos profissionais evoca o financiamento por meio de contribuições anuais, taxas de serviços e multas por violações éticas, nos termos do § 4º, do art. 58, da lei 9.649/98. Tais despesas são autorizadas pelo art. 149, da Constituição, que prevê expressamente a competência da União para instituir contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, determinando a aplicação dos princípios da legalidade tributária a elas.

 

Assim, a obrigatoriedade de recolhimento das contribuições anuais é inerente ao exercício de todas as profissões regulamentadas ou, mais tecnicamente, é inerente ao mero registro junto ao conselho da categoria, independentemente da efetiva atuação, vide art. 5º, da lei 12.514/11.

 

III. Obrigações do empregador perante conselhos profissionais de fiscalização

 

Nos termos do art. 1º, da lei 6.839/80, as empresas têm a obrigação de manter registro no órgão de fiscalização da respectiva atividade profissional, inclusive fornecendo dados de seus profissionais legalmente habilitados, a depender de suas atividades básicas ou dos serviços que prestem a terceiros. De modo contrário, caso não se enquadre nas atividades estipuladas pelo rol de determinada categoria, aquele Conselho Profissional não tem competência para fiscalizar ou autuar a empresa, como entende a jurisprudência:

 

ADMINISTRATIVO - AÇÃO ORDINÁRIA - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - PRELIMINAR REJEITADA - OBRIGATORIEDADE DE REGISTRO NO CREA - DESCABIMENTO - ATIVIDADE BÁSICA NÃO VINCULADA AO ÓRGÃO FISCALIZADOR - DUPLO REGISTRO - IMPOSSIBILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS - (...) 2- De acordo com o artigo 1º da lei 6.839/80 o critério legal para a obrigatoriedade de registro perante os conselhos profissionais, bem como para a contratação de profissional especializado é determinado pela atividade básica ou pela natureza de serviços prestados pela empresa. 3- No caso, considerando que o autor exerce o cargo de planejador demanda de suprimentos e não a função de engenheiro de processos, conforme informado pelo próprio empregador, não se obriga a manter registro junto ao CREA, até porque já se encontra devidamente registrado perante o conselho regional de química-CRQ-IV região, o que por si só, afasta a exigência do conselho apelante, seja porque não exerce atividade básica voltada à área de engenharia, seja porque é vedado o duplo registro, não podendo o autor ser compelido a dupla inscrição. (...) (TRF-3ª R. - AC 0008340-15.2012.4.03.6103/SP - 4ª T. - Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva - DJe 15.05.2018 - p. 456)

 

As empresas e funcionários que não atendam às obrigações tratadas, neste e no tópico anterior, ficam sujeitos à autuação do conselho regional competente. Em vista disso, cumpre à empregadora fiscalizar a regularidade do registro de seus funcionários perante os respectivos conselhos das profissões regulamentadas, sob risco de sofrer penalidades do órgão fiscalizador da classe.

 

Em último caso, aos profissionais que se recusem terminantemente a regularizarem seus registros junto aos órgãos fiscalizadores de classe e venham a ter suas inscrições canceladas, a empregadora se arroga o poder de dispensá-los por justa causa, como prevê o art. 482, alínea m, da CLT:

 

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

 

Por outro lado, vale considerar que nem todo profissional de formação técnica regulamentada deva manter registro junto ao conselho regional. Essa obrigação se estende somente sobre aqueles que efetivamente atuem no exercício daquela profissão. Por exemplo, o empregado formado em Engenharia, mas que exerça cargo de gerência, sem atuar em atividades típicas da categoria, não necessita de registro regular no órgão de classe.

 

a) Da responsabilidade do empregador pela anuidade de seus empregados devidas aos respectivos conselhos profissionais

 

Nos termos do art. 149, cumulado com o art. 146, III, ambos da Constituição, temos que a anuidade paga aos conselhos profissionais é regida pelos da legalidade tributária. Portanto, para compreender se existem eventuais obrigações emergentes ao empregador, com relação ao empregado em situação de inadimplência perante seu órgão corporativo, vale observar a relação tributária em abstrato.

 

Esta consiste em liame jurídico estabelecido entre Estado e particular em que o primeiro, na qualidade de sujeito ativo, amparado na lei tributária, exige do segundo determinada prestação. Em outras palavras, constitui-se como um vínculo obrigacional existente entre ente público, ou fisco, e particular, ou contribuinte, que envolve direta ou indiretamente um tributo3.

 

Segundo o art. 113, do código tributário nacional (CTN), a relação tributária divide-se em obrigação principal e acessória. A primeira tem por objeto quitar o crédito tributário ou penalidade tributária em favor do sujeito ativo (§ 1º). Já a segunda, gera obrigações positivas ou negativas, previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. São, portanto, obrigações de fazer ou não fazer (§ 2º).4

 

No caso da contribuição aos órgãos de classe, temos que o profissional (sujeito passivo) se obriga a recolher anuidade (objeto) ao respectivo conselho da categoria (sujeito ativo). Contudo, nesta relação jurídica não se vislumbram obrigações acessórias fixadas em lei. Temos, portanto, como único devedor da relação em comento o próprio profissional, sem que haja reflexos imediatos ao empregador.

 

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) já deixou claro que o empregador não detém responsabilidade sobre o pagamento das anuidades devidas aos conselhos profissionais de seus empregados, como se depreende da decisão que segue:

 

PAGAMENTO DA ANUIDADE DAS PROFISSÕES REGULAMENTADAS: Não há amparo legal que obrigue o empregador ao pagamento das anuidades devidas às profissões regulamentadas. Recurso ordinário provido no particular. (TRT-2ª R. - RO-0000259-52.2014.5.02.0089 - Rel. Ricardo Verta Luduvice - J. 09.12.2014)

 

Portanto, em vista do exposto, resta claro que a obrigação de recolhimento de anuidade aos órgãos de fiscalização de classe não se estende aos empregadores. Contudo, urge considerar que a inadimplência de tal anuidade acarretará o cancelamento do registro profissional, nos termos do art. 64, da lei 5.194/66. Mais preocupante que isso, é de se observar a consequência lógica desse cancelamento, que o legislador fez questão de frisar no parágrafo único do dispositivo:

 

Art. 64. Será automaticamente cancelado o registro do profissional ou da pessoa jurídica que deixar de efetuar o pagamento da anuidade, a que estiver sujeito, durante 2 (dois) anos consecutivos sem prejuízo da obrigatoriedade do pagamento da dívida.

Parágrafo único. O profissional ou pessoa jurídica que tiver seu registro cancelado nos termos deste artigo, se desenvolver qualquer atividade regulada nesta lei, estará exercendo ilegalmente a profissão, podendo reabilitar-se mediante novo registro, satisfeitas, além das anuidades em débito, as multas que lhe tenham sido impostas e os demais emolumentos e taxas regulamentares.

 

Desse modo, é de extrema importância que o empregador mantenha controle da regular situação de seus empregados que desempenhem profissões regulamentadas. Isso porque a prática de atividades básicas da categoria por profissional desprovido de registro junto ao conselho regional infringe o art. 6º, alínea a, da lei 5.194/66, ocasionando grande risco de autuação às empregadoras.

 

IV. Conclusão

 

Pelo exposto, concluímos ser dever da empregadora fiscalizar seus funcionários que desempenhem profissões regulamentadas, especialmente no que diz respeito ao regular registro perante os conselhos profissionais de fiscalização da categoria.

 

Nos termos da lei 6.839/80, art. 1º, os conselhos profissionais possuem competência para fiscalizar e autuar empresas em descumprimento das regulamentações da categoria, contanto isso seja feito pelos órgãos competente, observadas as atividades básicas da profissão. Neste cenário, a empresa que mantenha empregados no exercício de profissões regulamentadas, mas sem o devido registro junto ao conselho profissional, sujeita-se ao risco de autuações.

 

Sendo assim, a empresa age no legal exercício de seu poder de direção quando obriga seus funcionários a manterem registro regular junto aos conselhos profissionais. Aliás, a empregadora ainda se arroga o poder de rescindir o contrato de trabalho daqueles que não o façam, nos termos do art. 482, alínea m, da CLT. Nestes termos, é recomendável e autorizado por lei que o controle de seus colaboradores, quanto ao dever de inscrição regular junto aos conselhos profissionais, sob pena de dispensa por justa causa dos empregados que tenha seu registro cancelado.

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1 BRASIL. Tribunal de Contas da União, TC 014.856/2015-8, acórdão 96/16, Plenário, Classe V, Grupo I. Relator: ministro-substituto Weder de Oliveira, julgado em 27/01/16.

2 FERRAZ, Luciano. Regime jurídico aplicável aos conselhos profissionais está nas mãos do Supremo.

3 MANTAIA, Carla Aparecida, Obrigação tributária e seus aspectos legais.

4 ROCHA, Juliana Ferreira Pinto, Disciplina da obrigação tributária acessória, Dissertação (Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 87.

 

 

 

 

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*Rafael Meng Nóbrega é advogado do escritório Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais.

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