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O sistema financeiro e os candidatos a presidente

Aviso aos candidatos desavisados: partir para uma reviravolta voluntariosa no sistema financeiro pátrio é tão perigoso quanto cutucar uma onça com vara curta.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:13

Banco é bandido! Ponto. É assim que uma parte dos candidatos à presidência da República (os da esquerda, evidentemente) enxerga instituições desse tipo e, portanto, cadeia neles! Duvido que eles saibam minimamente (exceto o Meirelles, é claro!) o que é um banco e o que eles fazem. Pergunte-lhes alguém o que é um empréstimo garantido por alienação fiduciária ou um derivativo de crédito (aí seria exigir de mais, não?). O spread bancário, então, seria um spray de altas taxas de juros espargidas sobre os clientes por essas instituições malfadadas.

Primeiro, se banco é bandido, então se trata de uma profissão desonesta muito bem sucedida, que já completou muitos séculos de existência, a partir do primeiro deles com cara moderna, o famoso Banco de São Jorge, nascido lá nas terras da Itália, em Gênova, no ano de 1406.

Segundo, sabe-se que o spread bancário é uma pizza com fatias de diversos sabores: custo, inadimplência tributação, remuneração do banco (juros), baixa concorrência, etc. A inadimplência - um dos fatores preponderantes do spread - por estas terras é muito significativa, fruto de diversas causas, o que daria para escrever um tratado de economia. Não vamos mexer nisto neste momento.

Um dos heróis da jornada em busca dos louros da presidência afirmou que vai dar um jeito na questão dos juros extorsivos, por exemplo, promovendo a diminuição do nível de concentração que existiria no setor, a qual seria a causa dessa situação perversa. Concordamos, a concentração bancária aqui no Brasil é muito forte, mas, perguntamos, quais as razões? Os empresários em geral desprezam atuar nesse ramo de atividade tão lucrativa? Por que mais deles não se arriscam a ganhar um dinheiro certo?

Se fosse tão fácil e tão certo, o mercado estaria congestionado e os banqueiros seriam encontrados nas ruas das principais cidades disputando clientes e ostentando cartazes onde estaria escrito: "Ofereço dinheiro bom e barato". Tal como aqueles nos quais é anunciada a compra de ouro.

Ora, entre tantas exigências, para se abrir um banco é necessária autorização prévia, conhecimento técnico, dinheiro (muuuuuiiiiito dinheiro) e tecnologia. Quando se trata de bancos que somente prestam serviços financeiros (pagamentos e remessas), a necessidade de capital é menor, pois os riscos que eles criam para seus clientes são menos expressivos. Mas quando eles recebem dinheiro dos depositantes/investidores e o emprestam, então a história é bem outra, os riscos se elevam de forma exponencial. Daí a exigência de níveis mínimos de capital, extremamente elevados.

Então, baixar os juros não é uma questão de escancarar as portas do mercado financeiro a novos agentes. Evidentemente é muito mais do que isto. Não basta adotar o voluntarismo (tão caro aos políticos de mentalidade estreita) para que o problema seja resolvido. É preciso adotar outros caminhos e o primeiro deles é o da moralidade na política em geral e na política econômica, particularmente, tão difícil de se achar quanto uma zebra sem listras.

Não é nossa intenção aqui bater palmas gratuitas ao Banco Central, mas essa nossa instituição tem adotado medidas sérias para alcançar a prática de juros mais palatáveis ao tomador de crédito que, ao mesmo tempo, não acarrete níveis insuportáveis de risco para os dadores de recursos. Trata-se da criação de novas modalidades de instituições financeiras que atuarão em mercados mais restritos, com um custo bem mais baixo. Cuida-se também de regular o mercado da tecnologia bancária, no qual já atuam instituições financeiras e empresas similares no campo dos arranjos de pagamento. Elas não têm agências físicas, que passam a ser os celulares dos clientes e o seu computador central, simplificando muito e barateando o sistema.

Trata-se de um mundo novo, cujas fronteiras estão sendo construídas progressivamente, devendo o Banco Central tomar o devido cuidado para que o modelo não apresente vulnerabilidades que possam ser causa de quebras e de prejuízo experimentados pelos participantes, resultado, entre outras razões, da invasão de hackers que já têm feito um grande estrago até mesmo em setores em tese protegidos pelo blockchain.

Ainda existe um pormenor que, na verdade, e um pormaior, esquecido pelos candidatos mágicos, perdidos em suas loucas divagações financeiras. A nossa lei bancária tem a natureza de lei complementar. E o que é isto? Significa um entrave à sua mudança pelo Legislativo que, caso se situasse no plano da lei ordinária não complementar, poderia ser mudada muito facilmente, o que poderia se dar com grande irresponsabilidade e frequência a cargo dos legisladores agrícolas, especialistas na plantação de jabuticabas, inteligentemente perdidas em meio a textos legais longos e complexos, dentro dos quais sua presença somente seria tardiamente percebida quando o interessado viesse a se valer delas para buscar proveito moralmente indevido.

Ora, a lei 4.595/64, chamada de Lei de Reforma Bancária, já está perto dos seus quarenta e quatro anos e tem prestado valioso serviço na estruturação e funcionamento do nosso sistema financeiro. Pouco foi alterada e, se for o caso, que isto seja feito no âmbito de uma ampla discussão, a partir da constatação de quais sejam as suas eventuais deficiências, passado tanto tempo de sua promulgação, na presença de um universo financeiro substancialmente mais complexo do que o de década de sessenta do século/milênio passados.

E, quem sabe, finalmente poderá se chegar à construção de um nível de autonomia do Banco Central que lhe permita dar continuidade ao cuidado com a moeda, sua função precípua. Falar nessa autonomia significa virar alvo de pedradas de todos os lados, direita e esquerda indistintamente. Mas, ainda que imperfeita ou relativa e de fato, foi sua expressão que permitiu àquele Órgão tomar medidas que, mais tarde no tempo, seguraram o nosso mercado financeiro de grande quebra, marcadamente por ocasião das crises financeiras mais recentes.

E vamos deixar de pensar no tão falado mandato duplo do Banco Central, a ser instituído em mudança de sua competência para nela incluir a questão do nível de emprego, a exemplo do que acontece com o FED norte-americano. Em um país no qual o Ministério do Trabalho frequenta com muito destaque as páginas policiais dos jornais essa não seria uma alternativa inteligente, racional e eficaz. Por isso temos de nos defender: na área do Banco Central, nem Corintiano, nem Brasil!

Aviso aos candidatos desavisados: partir para uma reviravolta voluntariosa no sistema financeiro pátrio é tão perigoso quanto cutucar uma onça com vara curta. Uma patada dela não encontrará defesa e vai causar grande estrago no incauto curioso. Isto porque, como sabe muita gente, o mercado financeiro faz parte de todo o sistema econômico e derrubar um dos seus pilares acarreta sempre um efeito em cascata. Não cabe aos trabalhadores de Jó jogarem esse dominó de forma inadvertida.

2018/2022, ai de nós! Alguém me arranje uma máquina de viagem no tempo, urgente!

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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.

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