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Considerações sobre a prescrição e sua modalidade intercorrente

A prescrição intercorrente incidirá em caso de inércia do autor da ação. Pelo sistema processual ora vigente, tanto na fase do processo cognitivo quanto no processo de execução há previsão de suspensão do processo de prazo limite para a paralização do processo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:10

Nesses tempos já transcorridos, após a sobrevinda no Código Civil de 2002, cuidei de desenvolver o tema "prescrição, regras de transição e protesto interruptivo", discorrendo sobre o instituto da prescrição alinhado com as regras de transição do artigo 2.028, do Código Civil de 2002, bem como sobre o protesto interruptivo.

 

Nesta oportunidade, o enfoque se destina à tese da prescrição intercorrente, que já se fazia presente com maior ênfase em processos de execuções fiscais e criminais. Não era muito frequente a exploração dessa tese nas ações de execução por títulos extrajudiciais e judiciais. Nos últimos vinte anos essa tese começou a adquirir corpo também nessas modalidades de execuções cíveis, inclusive, com interpretações equivocadas por alguns operadores do direito.

 

Pois bem, para se pensar em eventual incidência de prescrição intercorrente, mais adiante, é indispensável primeiro ter certeza que o título executivo fora ajuizado dentro do prazo prescricional regular, ou seja, em até três anos de seu vencimento quando se tratar de uma cambial - título de crédito - (§3º, VIII, do art. 206, C.C) ou em até cinco anos para instrumento público ou particular visando a cobrança de dívida líquida (§5º, I, do art. 206, C.C.), observado, por evidente, normas específicas que também o preveja. Destaque-se, ainda, que se a obrigação contraída foi por meio de parcelas, o cômputo do prazo prescricional deverá considerar a data de vencimento da última parcela, mesmo no caso de incidência de cláusula contratual tenha imposto o vencimento antecipado da dívida, por inadimplemento de uma parcela.

 

Atento ao acima explanado, com o ajuizamento da ação e ocorrido a citação válida tinha-se por interrompida a prescrição, que retroagia à data de sua propositura, conforme era previa o art. 219 e, §1º, do CPC/73. Pelo novo Código de Processo Civil (CPC/15), no §1º do art. 240, consta que a interrupção da prescrição se opera pelo despacho que ordena a citação e que retroagirá à data de sua propositura. Entretanto, para que se tenha a efetividade do disposto no §1º, do art. 240, é indispensável que se atenda ao disposto em seu §2º, ou seja, adotar-se as providências necessárias para viabilizar a citação no prazo de 10 dias. Caso não se adotem as providências necessárias para se efetivar a citação, salvo se por atraso decorrente do próprio judiciário, não haverá a interrupção da prescrição. Em outros termos, não se efetivando a citação, no processo de conhecimento, por inércia do autor, o prazo prescricional retoma seu fluxo normalmente. Esta regra não se confunde com aquela prevista ano art. 921, III, §4º, do CPC/15. São situações distintas, pois naquela já existe um processo de execução em curso, pautado por título executivo extrajudicial, já nesta busca-se, ainda, a constituição de um título executivo judicial, para, somente depois, passar para a fase de cumprimento de julgado, do título judicial. Sendo assim, a regra de suspensão do §1º, do art. 240, se aplica ao processo de conhecimento, enquanto, a do §1º, do art. 921, ambos do CPC/15, se aplica ao processo de execução, como se verá adiante.

 

Admitindo-se que a ação de execução tenha fluído normalmente, com o exequente adotando todas as medidas para se proceder à citação do executado e, em dado momento, se tenha por não localizado o executado e, menos ainda, bens passíveis de constrição. Nessa hipótese, se procedia ao requerimento de suspensão do processo nos termos do então art. 791, III, do CPC/73. Atualmente, a suspensão se dará com fundamento no art. 921, III, do CPC/15, porém, a teor do disposto no §1º desse artigo, essa suspensão se dará pelo prazo de um ano, suspendendo-se, pois, o prazo de prescrição. Após esse prazo os autos irão ao arquivo (§2º). A partir deste momento é que se inicia o cômputo do prazo da prescrição intercorrente de que se trata no §4º do referido artigo. Isto significa que após o término período de suspensão do prazo prescricional acima mencionado, ou seja, de um ano, passa a fluir o prazo da prescrição intercorrente de acordo com a título executivo respectivo, ou seja, por três ou cinco anos regido pelo direito material, como acima explicitado.

 

Na doutrina de Rafael Corte Mello "a prescrição intercorrente poderá ser decretada de ofício pelo magistrado. A extinção do processo por prescrição é condicionada ao contraditório, ou seja, antes o juiz terá de ouvir as partes mencionando expressamente estar cogitando sobre o tema da prescrição: §5º do art. 921. Em adendo, pensamos ser toda inação do exequente passível de prescrição intercorrentes, não apenas pela ausência de bens penhoráveis." Acrescenta, ainda, em relação a suspensão do processo por prazo convencionado entre as partes, que "durante o prazo convencionado concedido não flui a prescrição quinquenal intercorrente, eis que este tem o condão de estender a exigibilidade, logo somente a partir do vencimento poderá haver o prosseguimento da execução e a partir da ausência de bens penhoráveis, a fluência de prazo prescricional intercorrente." (idem, idem)

 

Não localizado o executado ou bens penhoráveis o processo será suspenso por um ano, ordenando-se o arquivamento. Na lição de Sidnei Amendoeira Jr.: "não havendo manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente (§4º) podendo o juiz extinguir o feito, até de ofício, desde que após ter ouvido as partes previamente pelo prazo de 15 dias (§5º). Como se percebe desnecessária a intimação prévia do exequente para dar andamento ao feito antes do início da contagem do prazo prescricional, basta seu silêncio após o prazo de um na o contado da suspensão do feito." Destaca, ainda, que "se deve verificar o prazo prescricional para a demanda, e, em seguida, aplicá-lo após o período de um ano de suspensão do feito na execução." (idem, idem)

 

José Miguel Garcia Medina: lembra que a jurisprudência já vinha decidindo no sentido de que "a suspensão da execução a pedido do exequente e autorizada judicialmente, constitui fator impeditivo a fruição da prescrição intercorrente, que pressupõe inércia da parte, o que não ocorre se o andamento do feito não está tendo curso sob respaldo judicial." Além disso, explicita que "não basta, pois, a paralização processual sem que se localizem bens, sem que as decida a respeito (no caso, a prescrição continuará seu curso, enquanto não sobrevier decisão suspendendo o processo). A prescrição voltará a correr, tão logo decorra o prazo de suspensão, sem que haja manifestação do exequente (cf. §4º do art. 921 do CPC/15)." (idem, p. 1230)

 

A jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente, do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça cuida da prescrição na súmula 150 e 314, respectivamente: súmula 150, do STF: "prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação."; súmula 314, do STJ: "em execução fiscal, não localizando bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente."

 

Na mesma linha se encontram os demais julgados, como se verifica a seguir:

"(...) possibilidade de se declarar a prescrição intercorrente, se o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado. (REsp 1522092/MS, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 06/10/15, DJe 13/10/15) 2. Agravo regimental desprovido." - (STJ: AgRg no AREsp 577084 / SP, REsp DJe 12/04/16); "(...) para reconhecimento da prescrição intercorrente, é imprescindível a comprovação da inércia do exequente, mediante a intimação pessoal do autor para diligenciar nos autos. (...)" - (STJ: EDcl no AREsp 604906 / MS, DJe 02/03/16); "1 - A jurisprudência desta corte só admite a ocorrência da prescrição intercorrente nos casos em que tenha havido a intimação prévia da parte exequente para dar andamento ao feito. Precedentes. 2 - "(...) 2. Suspensa a ação de execução por ausência de bens penhoráveis, nos termos do art. 791, III, do CPC, impossível a decretação da prescrição intercorrente. Precedentes. (...)" (AgRg no AREsp 542.594/PR, rel. ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 9/12/14, DJe de 15/12/14) 3 - Agravo regimental desprovido." - (STJ: AgRg no REsp 1551805 / SC, DJe 03/02/16); (...) 1. A jurisprudência desta corte é no sentido de que "estando suspensa a execução, em razão da ausência de bens penhoráveis, não corre o prazo prescricional, ainda que se trate de prescrição intercorrente, hipótese que a extinção do processo por inércia do exequente em promover o andamento do feito não pode se dar sem a sua intimação prévia e pessoal." (AgRg no REsp 1.357.272/RS, relator, ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 24/4/14, DJe 19/5/14)." - (STJ: AgRg no REsp 1511852 / SC, DJe 14/12/15); "(...) 1. O reconhecimento da prescrição intercorrente em razão da suspensão do processo por inexistência de bens penhoráveis exige a prévia intimação pessoal da parte autora para tomar diligências no processo. 2. A suspensão do processo autorizada judicialmente impede o decurso da prescrição intercorrente ante a não ocorrência de inércia da parte. (...)" - (STJ: AgRg no REsp 1538845 / RS, DJe 01/12/15); 1. Segundo a jurisprudência desta corte, não corre a prescrição intercorrente durante o prazo de suspensão do processo de execução determinada pelo juízo, nos termos do art. 475-J, §5º, do CPC/73. Para a retomada de seu curso, faz-se necessária a intimação pessoal do credor para diligenciar no processo, porque é a sua inação injustificada que faz retomar-se o curso prescricional. (AgInt nos EDcl no AREsp 821.983/SC) ) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1543421/DF, DJe 14/03/17).

 

Anote-se, por fim, que se instaurou incidente de assunção de competência perante o Superior Tribunal de Justiça para firmar entendimento sobre dois pontos essenciais, sendo o primeiro quanto a incidência das regras do CPC/15 aos processos iniciados antes de sua vigência, especialmente, diante da indispensabilidade da manutenção da segurança jurídica dos atos processuais e, a segunda, no concernente à imprescindibilidade de prévia intimação pessoal para dar andamento ao feito, para que se possa decidir sobre eventual ocorrência de prescrição intercorrente. No tangente à primeira parte o ponto primordial reside no fato de que no sistema processual anterior não havia previsão de prescrição intercorrente, que só veio à tona no disposto no ar. 924, V, do CPC/15, ou seja, houve expressa inovação quanto a esse tema. O mencionado IAC teve conclusão de julgamento no último dia 27 de junho de 2018, firmando as seguintes teses:

1.1 Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002; 1.2. O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/73, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de 1 (um) ano (aplicação analógica do art. 40, §2º, da lei 6.830/80); 1.3. O termo inicial do art. 1.056 do CPC/15 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/73 (aplicação irretroativa da norma processual) e, 1.4 O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição. Ressalte-se, contudo, que não se trata de decisão definitiva, pois passível de eventuais embargos de declaração assim que publicado o acórdão para aclaramento de eventuais pontos ainda pendentes.

 

Conclusão

 

A prescrição intercorrente incidirá em caso de inércia do autor da ação. Pelo sistema processual ora vigente, tanto na fase do processo cognitivo quanto no processo de execução há previsão de suspensão do processo de prazo limite para a paralização do processo, ou seja, no processo de conhecimento citação deverá ocorrer em até 10 dias e, no processo de execução, o processo será suspenso por um ano. Embora para a decretação da extinção do processo por prescrição intercorrente a jurisprudência tem entendido ser necessária a intimação pessoal do autor para dar andamento ao feito, em primeira instância essa regra não tem sido observada no mais das vezes. Há inclusive situações de aplicação retroativa do CPC/15, que é vedado pelo art. 14 desse próprio instituto processual. Contudo, pelo CPC, mesmo em casos que o juiz pode decidir de ofício, se torna obrigatório a oitiva das partes antes da decisão, presando-se pela garantia do contraditório e ampla defesa que figura como normas fundamentais do processo civil. Assim as conclusões do julgamento do IAC acima noticiado terão impacto direto nos processos antigos exigindo-se um redirecionamento das discussões a partir desse momento, pois resumidamente, assim restou firmado entendimento: pela tese 1, fixou-se o entendimento de que incide a prescrição intercorrente incide nas causas iniciadas antes do novo CPC; já pela tese 2, estabeleceu-se que o termo inicial, na vigência do antigo CPC, é o fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, na ausência, o transcurso de 1 ano; quanto à tese 3, consignou-se que o termo inicial no art. 1.056, do CPC/15, incide apenas nas hipóteses de processos suspensos na data de entrada em vigor da nova regra. Sendo indispensável ressaltar que a tese 1.4 fixada no IAC, exige especial atenção, quanto à questão da intimação, se pessoal ou na pessoa do patrono atuante nos autos. Observe-se que a intimação aludida na tese "1.4" não é para simples manifestação nos autos, mas, sim, para "opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição". Ou seja, exige uma análise mais apurada de cada caso concreto e, manifestação pontual sobre possíveis impedimentos da incidência da prescrição, inclusive, circunstâncias de retardamento do andamento processual não provocadas pelo credor, em especial, sem desconsiderar, ainda, as regras de transição previstas no art. 2.028 do Código Civil de 2002.

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*Jorge Chagas Rosa é advogado do escritório Paulo Reis Advogados Associados.

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