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Planejamento tributário, o CARF e a lei 7.988/18 do Estado do Rio de Janeiro

No mês de setembro de 2018, em decisão exarada pela 4ª Câmara da 1ª Turma, o CARF, contrariamente à decisão de julho de 2018, entendeu que a mera economia tributária consiste em propósito negocial apto a conferir licitude ao planejamento tributário.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:05

O planejamento tributário pode ser descrito como a prática da reorganização tributária da empresa com o objetivo de gerar maior ganho de eficiência nessa seara, comumente também gerando economia tributária. O planejamento tributário está no campo da elisão fiscal e é, portanto, lícito.

Há, no entanto, alongadas discussões sobre até que ponto uma empresa pode se reorganizar com o intuito único de gerar econômica tributária e ainda permanecer, no entendimento da fiscalização tributária, no campo da elisão.

Sem adentrar com maior profundidade ao mérito da questão, é certo dizer que as autoridades fiscais, e os próprio governos, em todas as esferas, preocupados com possíveis diminuições das receitas, há muito se preocupam com o tema e com as formas para se descaracterizar um planejamento tributário, classificando-o como ilícito.

Nesse sentido, por meio da lei complementar 104/01, o parágrafo único do art. 116 foi introduzido ao código tributário nacional - CTN e expressa que "a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos em lei ordinária".

Esse dispositivo, embora seja clara a expressão "observados os procedimentos em lei ordinária", é defendido por alguns atores do direito como normal geral antielisiva, não havendo necessidade de lei ordinária para regular os procedimentos.

Contudo, entendemos que para dar aplicabilidade ao parágrafo único do art. 116 do CTN se faz necessário (i) entender o conceito de dissimular e (ii) conhecer as leis ordinárias responsáveis por expor os procedimentos para que o ato ou negócio jurídico seja desconsiderado.

Nas palavras de Humberto Ávila1 "a dissimulação ocorre quando o contribuinte quer que a Administração acredite que alguma coisa aconteceu quando outra, diferente, ocorreu Essa situação é ilustrada pela metáfora da máscara: o contribuinte tenta, com a máscara - isto é, com o negócio jurídico indireto que ele elege - esconder o negócio jurídico direto, efetivamente praticado".

No que concerne ao conhecimento das leis ordinárias, podemos dizer que não havia no sistema jurídico brasileiro, até a introdução da lei 7.988/18 do Estado do Rio de Janeiro, norma clara e capaz de organizar os procedimentos a serem observados para se caracterizar a dissimulação, nos termos do parágrafo único do art. 116 do CTN.

Em síntese, o CTN conta com uma norma que veda a evasão fiscal e a qual, todavia, carece da observância de certos ditames. Esses ditames deverão ser expostos em lei ordinária.

Com algum atraso e com algumas lacunas a serem respondidas, mas louvável até pelo ineditismo, o estado do Rio de Janeiro introduziu em 14 de junho de 2018 os procedimentos que os seus fiscais deverão observar para caracterizar a dissimulação do fato gerador de atos ou negócios jurídicos.

A lei estadual, bastante concisa, dispõe que o "auditor fiscal da receita do Estado do Rio de Janeiro poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador de tributo estadual ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária no curso da fiscalização, observados os procedimentos fixados nos parágrafos deste artigo e demais normas regulamentares a serem editadas pela secretaria de Estado de fazenda".

Os procedimentos basicamente tratam da fundamentação da desconsideração, da abertura de prazo para o sujeito passivo se manifestar acerca atos ou negócios jurídicos praticados sob a suspeita de dissimulação e, se confirmada pela autoridade fiscal a dissimulação, a descrição dos atos ou negócios a serem tributados em decorrência dessa constatação.

Na linha do planejamento tributário, além da legislação exarada pelo Estado do Rio de Janeiro, também no mês de junho de 2018, o CARF, mais especificamente a 2ª Câmara da 1ª Turma, no processo administrativo 10830.726910/2014-19, entendeu como abusivo planejamento tributário elaborado por empresa multinacional.

A companhia havia dividido as suas operações em comerciais e de distribuição. O fisco federal entendeu que a operação foi realizada com o fim exclusivo de economia tributária, o que é, consoante entendimento fiscal, vedado.

Para o CARF, em verdade, houve apenas troca de notas fiscais e envio dos produtos a partir da operação industrial para a comercial, totalmente dissociado de uma real operação de compra e venda. A companhia, por seu turno, defende que a operação está em compasso com a sua estratégia mundial e que não visa a economia tributária, sendo esta apenas uma decorrência da operação.

Mais recentemente, no mês de setembro de 2018, em decisão exarada pela 4ª Câmara da 1ª Turma, o CARF, contrariamente à decisão de julho de 2018, entendeu que a mera economia tributária consiste em propósito negocial apto a conferir licitude ao planejamento tributário.

Tal decisão, até o momento sem precedente, pode ser chamada histórica e representa um importante avanço ao tema, uma vez que, conforme salientado na decisão, não há lei que considere o negócio jurídico inexistente quando o motivo de sua realização é a economia tributária.

Ambas as decisões do CARF ainda são sujeitas a recurso. Contudo, independentemente de quais forem as decisões que se seguirão, certo é que as recentes decisões do CARF, em consonância com a nova legislação carioca, trazem novamente luz ao tema planejamento tributário, que é extremamente sensível para as empresas e está longe ainda de ser pacificado pelos tribunais, especialmente os administrativos.

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1 ÁVILA, Humberto. Planejamento tributário. Revista de direito tributário, v. 98, p. 74-85, 2006.

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*André Lobas de Castro é advogado e consultor tributário em São Paulo.

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