A constitucionalidade da terceirização irrestrita - Aspectos relevantes para as empresas
Ao final do julgamento foi ventilada a possibilidade de modulação de efeitos da decisão em casos de eventual oposição de embargos declaratórios, é prudente aguardar a conclusão do julgamento, possibilitando que as empresas afetadas pela decisão possam avaliar a medida mais adequada.
terça-feira, 2 de outubro de 2018
Atualizado em 1 de outubro de 2018 13:21
Em 30 de agosto de 2018, por 7 votos favoráveis a 4 contrários, o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim das empresas por meio do julgamento conjunto da ADPF 324 e do RE 958.252, sendo fixada tese de repercussão geral sobre o tema.
De proêmio, em um contexto temporal acerca da presente matéria, o TST, diante da ausência de legislação específica sobre a terceirização dos serviços, criou a súmula 331, vedando a intermediação de mão de obra nas atividades finalísticas das empresas, sendo permitida, apenas, a terceirização em atividades meio, atividades periféricas ligadas aos serviços de vigilância, conservação e limpeza e contratação de empresa de trabalho temporário, cuja regulamentação é prevista na lei 6.019/74, desde que ausentes os requisitos da pessoalidade e da subordinação direta entre os empregados da empresa contratada e o contratante.
Ademais, a aludida súmula 331 do TST, prevê que o tomador é responsável subsidiário a eventual crédito deferido ao trabalhador, relativo ao período de prestação de serviços, visando garantir o adimplemento de todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias, não havendo o que se falar, portanto, no aspecto jurídico do espaço da precarização. Pois, é o exercício abusivo das relações contratantes que ensejam a precarização do trabalho.
Nesse tempo, caso a contratação fosse para o exercício de uma atividade fim da contratante, a terceirização era considerada ilícita e seria decretado o vínculo de emprego direto do empregado da prestadora de serviços com a tomadora, exceto quando se tratavam de Órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional.
Contudo, a partir do julgamento do STF, foi declarada a inconstitucionalidade dos itens I, II e III da súmula 331 do TST, em razão de vedar a terceirização da atividade fim. Foi neste toar que os ministros da Suprema Corte que proferiram seus votos favoráveis, declararam, em suma, que não merecia prosperar o aspecto ideológico de que a terceirização precariza as relações de trabalho pois, no aspecto jurídico, o direito proporciona a igualdade de garantia e de proteção ao trabalhador terceirizado e àquele contratado diretamente, bem como que o núcleo essencial do direito fundamental, que é a dignidade da pessoa humana, não é afrontado.
Foi levado em consideração pela Suprema Corte, que a Constituição Federal não prevê que seja adotado um único meio de produção pelas empresas e não impede a adoção de medidas estratégicas flexíveis de produção, devendo ser levados em consideração os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e segurança jurídica estampados no art. 170 da Lei Maior, para o amparo da terceirização, uma vez que não há qualquer respaldo legal que vede essa forma de contratação.
Também foi objeto de apreciação o aumento no número de vagas de emprego e a redução no custo final do produto, devendo, neste sentido, a dinâmica do mercado ditar quando uma terceirização deve ocorrer ou não, tudo dependendo da natureza da atividade, se será mais vantajosa ou não. Ou seja, deve prosperar a lógica de mercado das terceirizações, em razão do aumento da produtividade e da economia por ganho de escala, com maior flexibilização das empresas e consequentemente maior grau de especialização, como no modelo do Toyotismo. Seguindo esta ideologia, o relator da ADPF, ministro Luís Roberto Barroso, assim afirmou: "ela é muito mais do que uma forma de reduzir custos, é uma estratégia de produção imprescindível para a sobrevivência e competitividade de muitas empresas brasileiras, cujos empregos nós queremos preservar".
Importante destacar que o julgamento levou em consideração, tão somente, as situações anteriores à reforma trabalhista, fixando, ao final do julgamento a seguinte tese de repercussão geral: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".
Impende ressalvar que, não houve qualquer menção dos votos vencedores acerca da pessoalidade e subordinação direta com tomador, uma vez que os institutos da terceirização e da vinculação direta não devem ser confundidos, devendo as empresas ficarem em alerta neste ponto pois, qualquer constatação do poder diretivo e de comando da tomadora de serviços em relação ao empregado terceirizado, poderá ser entendido como fraude, de acordo com o art. 9º da CLT, sendo declarado vínculo empregatício gerado em decorrência da subordinação direta.
Outro aspecto de especial relevância para as empresas é a manutenção da responsabilidade subsidiária, competindo a contratante verificar a idoneidade da capacidade econômica das terceirizadas, em razão da possibilidade de responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas e obrigações previdenciárias, pelo período em que foi beneficiada com a prestação de serviços.
Neste contexto, ao final do julgamento da Corte Suprema foi levantada a questão da modulação dos efeitos da decisão proferida, à luz das ações já transitadas em julgado que se referem a obrigações com repercussões futuras. Foi nesta assentada que o relator da ADPF, ministro Luís Roberto Barroso, prestou apenas esclarecimentos no sentido de que a decisão não afetaria os processos em relação aos quais já tenha havido coisa julgada, a não ser mediante ação rescisória conforme previsão expressa do art. 525 do CPC, devendo a questão da modulação dos efeitos ser tratada em eventuais embargos de declaração.
É cediço o questionamento acerca de como ficarão os processos em execução que tratam da tese de terceirização objeto dos dois julgamentos dessa Corte Suprema.
A Consolidação das Leis do Trabalho considera inexigível a decisão fundada em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal, conforme §5º do art. 884 dessa legislação.
O art. 525 do CPC, citado pelo ministro Luiz Fux, relator do recurso extraordinário, já prevê o que pode vir a ocorrer com os processos que declararam a ilegalidade da terceirização.
Nos casos em que ainda não ocorreu o trânsito em julgado da decisão que declarou a ilegalidade da terceirização da atividade fim, é possível a apresentação de defesa no sentido da inexequibilidade da decisão, com base no julgamento da Suprema Corte.
Para os processos em que já tenha ocorrido o trânsito em julgado, deve haver respeito à coisa julgada, com relação a sua inexequibilidade, existindo a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF, conforme disposição expressa do art.525, §15º do CPC.
E neste ponto, é importante destacar que a lei 9882/99, dispondo acerca do processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, determina a aplicação imediata da decisão, bastando a publicação da ata, ocorrida no presente caso no dia 10 de setembro de 2018, e abre a possibilidade de interpor reclamação constitucional caso ocorra o descumprimento da decisão proferida pelo STF, possuindo a decisão da ADPF efeitos mais extensos e profundos por vincular a Administração Pública. Em contrapartida, embora a decisão do recurso extraordinário também seja vinculante, ela exige o esgotamento das instâncias ordinárias para o ajuizamento da reclamação constitucional.
Também deve ser destacado em atenção voltada aos integrantes da Administração Pública que, diante da identidade de funções dos empregados do ente público tomador de serviços e os empregados da prestadora de serviços, pelo reconhecimento da isonomia, era comumente deferido o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, conforme a aplicação analógica do art. 12, "a", da lei 6.019/74, trazida pela orientação jurisprudencial 383 da SBDI-1 do TST.
O reconhecimento da isonomia ou até mesmo do vínculo direto de emprego, à luz da súmula 331 do TST, tem como axioma a terceirização de atividade inerente, fim ou finalística da tomadora de serviços.
Contudo, na linha do julgamento do STF, restando superada a condição de ilicitude de terceirização de atividade finalística do tomador de serviços, pode-se alegar que não há mais como se aplicar a inteligência da orientação jurisprudencial 383 da SBDI-1 do TST, nas hipóteses envolvendo integrantes da Administração Pública. Tal raciocínio já vem sendo aplicado pelo TST.1
Por fim, como ao final do julgamento foi ventilada a possibilidade de modulação de efeitos da decisão em casos de eventual oposição de embargos declaratórios, é prudente aguardar a conclusão do julgamento, possibilitando que as empresas afetadas pela decisão possam avaliar a medida mais adequada, avaliando as questões trabalhistas, fiscais e previdenciárias das terceirizadas, em razão do mantimento da responsabilidade subsidiária.
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