Fashion law e direitos humanos
O empresariado fashion ainda não percebeu que a ética e a estética, simbioticamente, devem tecer toda a cadeia produtiva e de suprimentos da moda.
segunda-feira, 1 de outubro de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:40
O faturamento do setor têxtil e de confecção em 2018 deverá alcançar R$152 bilhões (cento e cinquenta e dois bilhões de reais) de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil ("ABIT").
Igualmente, a produção de vestuário deverá aumentar 2,5% (dois vírgula cinco por cento), isso equivale a 6,05 bilhões (seis vírgula cinco bilhões) de peças; a indústria a têxtil poderá avançar 4% (quatro por cento) no período, o que equivale a 1,84 milhão (um vírgula oitenta e quatro milhão) de tonelada.
Em contrapartida e, de forma absolutamente paradoxal, nesse setor, não haverá registro de aumento nos custos de produção. Em relação ao cenário macroeconômico, a inflação seguirá dentre da média (entre 4% e 4,5%), ao passo que a taxa Selic continuará em queda.
A indústria têxtil é muito dependente da mão-de-obra. E, nesse contexto, por ser a mão de obra um dos maiores custos dessas empresas, muitas destas tendem a não pagar os direitos trabalhistas. Isso explica, em grande parte o não aumento dos custos de produção da indústria têxtil.
Por outro enfoque, a abolição da escravatura ocorrida há 130 anos (13/5/88), é uma chaga no Brasil, uma ferida aberta, supurada porque ainda não foi alcançada em sua plenitude. O trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil, existe em vários segmentos, como na produção de cana de açúcar, nas olarias, nas minas e na indústria têxtil.
Grandes empresas no Brasil terceirizam a mão-de-obra.
No Centro da cidade de São Paulo, por exemplo, existem inúmeros domicílios que são transformados em células produtivas.
As grandes marcas fornecem uma peça piloto para as oficinas clandestinas e, a partir daí as demais peças são produzidas em valores absolutamente módicos - R$0,80 (oitenta centavos) à R$2,00 (dois reais).
Os trabalhadores têm cerceados o seu direito de ir e vir, tornam-se servos por dívidas adquiridas, trabalham com uma jornada absurda e moram nas próprias células produtivas. A despeito disso, é intrigante e curioso que os trabalhadores defendem o dono da oficina e por sua vez o dono da oficina defende o dono da marca.
É por essa prática de dumping social fashion, isto é, da precarização do trabalho com o objetivo de reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado, que empresas de moda brasileiras correm riscos de serem mais fiscalizadas por consumidores e pelo poder público.
O empresariado fashion ainda não percebeu que a ética e a estética, simbioticamente, devem tecer toda a cadeia produtiva e de suprimentos da moda, por isso, a repressão econômica via legislação penal pode ser necessária para uma eficaz cultura de responsabilidade social empresarial, tendo em vista a limitação jurídica para esse fim.
No estado de São Paulo, o Ministério Público do Trabalho e Emprego, juntamente com algumas comissões, a exemplo a COETRAE (Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo) e a Secretaria Estadual da Fazenda se atentaram para o problema.
A lei 14.946/13 ("Lei Bezerra"), proposta pelo deputado Carlos Bezerra - é a Lei Paulista de Combate à Escravidão. Essa lei foi citada pela Organização das Nações Unidas (ONU), como modelo legislativo e referência mundial por ser rígida nas punições e detalhista nas previsões, como a cassação no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operação Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. Em síntese, a empresa não mais poderá vender seus produtos no estado paulista.
A sanção é extremamente contundente e compatível com o necessário enfrentamento da escravidão moderna. Por corolário lógico, se o trabalho em situações semelhantes à de escravo é ainda lucrativo, é imperativo que o enfrentamento envolva justamente o lucro das empresas.
Para além da Lei Paulista, os estados do Rio de Janeiro, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Pará, através do Poder Legislativo estão desenvolvendo projetos semelhantes à lei 14.946/13, com o intuito de adotar mecanismos eficazes para inibir e desestimular a utilização de mão-de-obra em seus territórios.
Em Minas Gerais, desde 2015, o projeto de lei 73/15 de autoria do deputado Fred Costa aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça. Esse projeto de lei dispõe sobre a vedação de contratos e convênios com órgãos e entidades da Administração Pública e o cancelamento de concessões de serviço público a empresas que utilizem a mão-de-obra escrava.
Na Câmara dos Deputados está em trâmite o projeto de lei 7.946/17, proposto pelo deputado Roberto Lucena que enfrenta o trabalho escravo moderno ao estender aos receptadores dos produtos deles advindos, determinando a cassação da inscrição do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica); ou seja, a empresa que utiliza da mão-de-obra escrava é obstada de operar o território nacional.
O que se recomenda é mais cuidado, cautela com o objetivo de evitar maiores ônus para as empresas e consequentemente para a sociedade. Considerando-se que o trabalho em condição degradante expõe a vida dos trabalhadores a risco necessariamente aumenta-se o risco das empresas, em decorrência, por exemplo de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho, além de ações judiciais.
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*Luana Otoni de Paula é advogada sócia do escritório Homero Costa Advogados.
*Orlando José de Almeida é advogado sócio do escritório Homero Costa Advogados.