Compensa aderir ao contrato intermitente?
Para as empresas que quiserem, desde já, adotar essa contração, recomenda-se a realização de um estudo pormenorizado da atividade produtiva e dos postos de trabalho disponíveis, visando a avaliação dos riscos e benefícios inerente ao contrato intermitente, inclusive comparativamente à outras formas de contratação, tais como: regime em tempo parcial, terceirização, autônomos, etc.
quinta-feira, 20 de setembro de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:00
As alterações legislativas decorrentes da reforma trabalhista causaram bastante discussão no meio acadêmico e profissional nos últimos meses, mas talvez o tema mais nebuloso e polêmico da lei 13.467/17 continue sendo o Contrato Intermitente.
Os detratores da nova modalidade contratual alegam que o novo modelo seria prejudicial ao empregado e contrário a própria Constituição Federal no que concerne aos princípios que visam à proteção ao trabalho, à garantia de salário mínimo (artigo 7º, inciso IV, VII e X) e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III).
Por outro lado, os defensores da ideia, sustentam que o contrato intermitente fomentaria novas contratações no mercado de trabalho, reduzindo o índice de desemprego e, consequentemente, incrementaria as arrecadações fiscais, previdenciárias e sociais.
Sem pretensão de tomar partido a favor ou contra a nova modalidade de contratação, há que se considerar que o texto legal veio cheio de lacunas. As dúvidas atingem não só o meio empresarial, sindicatos, trabalhadores, advogados, mas também o próprio Poder Judiciário.
A medida provisória 808 que tentava esmiuçar o tema perdeu eficácia em abril. O Ministério do Trabalho, temendo a precarização das relações trabalhistas, editou em maio a portaria 349, que - em linhas gerais - replicou o texto da MP 808, acentuando a insegurança jurídica.
Isso porque a portaria, enquanto ato administrativo do Poder Executivo, não possui força vinculante, ou seja, não se equipara à lei e não vincula o Poder Judiciário. No entanto, para efeitos práticos, as portarias editadas pelo Ministério do Trabalho são aplicáveis para fins de fiscalização pelos auditores fiscais.
Diante desse imbróglio, pairam diversas questões que, de certa forma, desestimulam a adoção desse regime de contratação, dentre elas, vale destacar:
Objetivo do Contrato
Em linhas gerais, determina a CLT que o contrato intermitente é caracterizado pela ausência de jornadas fixas e regulares, podendo o profissional ser chamado de acordo com a necessidade do empregador, tendo liberdade para aceitar ou não a convocação.
Não há na legislação qualquer restrição quanto às atividades, funções ou jornadas que comportariam ou não a contratação de trabalhadores intermitentes.
Todavia, a ANAMATRA - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, publicou vários enunciados restritivos sobre o assunto, dos quais destaca-se o 28, cuja redação determina que o trabalho intermitente deve ter caráter excepcional, "sendo incompatível com o atendimento de demanda permanente, contínua ou regular ou para substituir posto de trabalho efetivo e não serve para se adotar a escala móvel e variável de jornada".
A interpretação da ANAMATRA, se adotado pelo Judiciário, tornará quase letra morta o contrato intermitente, pois o limitará à raríssimas possibilidades.
Recolhimentos Previdenciários
Muitos doutrinadores entendem que, se durante o mês o empregado intermitente não atingir o valor mínimo de contribuição, teria que fazer a complementação do próprio bolso, ainda que a quota-empregador fosse paga.
Todavia, segundo as normas previdenciárias, ainda que o empregado intermitente trabalhe um único dia no mês, tal situação já seria suficiente para conferir-lhe qualidade de segurado perante a Previdência Social, garantindo cobertura quanto aos eventos infortunísticos.
No entanto, a problemática é que, nesse caso, o empregado teria apenas 1 dia computado para efeitos de tempo de contribuição e aposentadoria.
Mas se o empregado optar por fazer a complementação das contribuições, para salvaguardar sua aposentadoria, irá enfrentar alguns desafios práticos. Isso porque a legislação previdenciária prevê a obrigatoriedade de complementação das contribuições apenas para os autônomos, com o recolhimento como contribuinte individual (lei 10.666/03), o que, a princípio, não poderia ser estendido ao empregado.
Na mesma linha, o empregado intermitente também não poderia realizar a complementação como se facultativo fosse, pois, o enquadramento nesta última categoria pressupõe justamente a inexistência de atividade remunerada (vínculo empregatício).
Vê-se, portanto, que essa complementação do empregado intermitente estaria enquadrada numa espécie de limbo, vez que inexiste atualmente enquadramento/rubrica correta para tal recolhimento complementar.
Sobram ainda outras dúvidas quanto aos direitos previdenciários do trabalhador intermitente, como por exemplo, a forma de cômputo dos dias de descanso remunerado para fins de aposentadoria, dentre outras questões lacunosas.
Em termos gerais, ao que parece, o legislador alterou a legislação trabalhista sem qualquer preocupação com as consequências previdenciárias.
Acidente de Trabalho
Como é cediço, o empregado intermitente poderá ter sua CTPS anotada por diversos empregadores, prestando serviços a todos eles, em atividades e funções iguais ou diferentes.
No entanto, em caso de acidente de trabalho atípico (doenças ocupacionais) a lei não previu qual dos empregadores seria o responsável pela emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), nem definiu como seria a distribuição da responsabilidade entre eles.
E mais, se a Justiça determinar a reintegração, todos os empregadores terão que cumprir a ordem? Se permanecerem sequelas, os empregadores terão que disponibilizar outra função compatível com as limitações do intermitente?
Lembrando ainda que, na hipótese de ação trabalhista, o empregador demandado não poderá incluir no polo passivo os demais empregadores do intermitente, correndo o risco de arcar sozinho com indenizações decorrentes de doença ocupacional gerada ou agravada pelo labor em diversas empresas.
Estabilidades
Também não existem regras quanto à estabilidade, seja com relação ao direito decorrente de acidente de trabalho ou quanto às demais estabilidade legais (gestante, cipeiro, dirigente sindical, dentre outras).
Os intermitentes terão garantia de emprego junto a todos os empregadores, mesmo se a garantia decorrer de acidente típico por culpa exclusiva de um único empregador?
Em sendo respeitada a estabilidade, o empregador terá que manter a média de chamados mensais para que a remuneração do empregado seja mantida?
Cota de Aprendiz e Pessoa Portadora de Deficiência
Por tratar-se de vínculo empregatício é devido observar que a contratação do empregado intermitente deverá ser informada no CAGED (cadastro geral de empregados e desempregados) da empresa.
Dessa forma, a princípio, o empregado, ainda que preste serviços apenas um dia a cada semestre ou ano, servirá como base de cálculo para cômputo da cota de aprendiz, da pessoa com deficiência ou reabilitado perante o INSS.
A despeito da omissão legal, vale argumentar ainda que os intermitentes também não se prestariam ao atendimento da cota de deficientes, pois a lei 13.146/15 visa a inclusão social o que conflita com a ausência na continuidade do trabalho e remuneração mínima que caracterizam essa modalidade de contratação.
Férias e 13.º Salário
O art. 452-A da CLT determina que ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado intermitente receba o pagamento imediato da remuneração, do descanso semanal remunerado, adicionais legais, o proporcional de férias, com acréscimo de 1/3 e décimo terceiro salário.
Note-se que os intermitentes são os únicos empregados que receberão as férias antes de completar o período aquisitivo, também são os únicos que recebem antecipadamente a gratificação natalina.
A lei, porém, não especifica se, para ter direito a tais rubricas, seria ou não necessário trabalhar acima de 14 dias no mês, tal qual os demais trabalhadores.
A CLT também não informa sobre a legalidade do desconto das férias proporcionais nas rescisões por justa causa, vez que tal verba não seria devida nessa hipótese de ruptura contratual, pois já teria sido quitada pelo empregador.
CONCLUSÃO
Quando a reforma trabalhista entrou em vigor, muitas empresas enxergaram no trabalho intermitente uma excelente opção para redução dos custos com mão de obra, pela possibilidade de vinculação da prestação dos serviços a real demanda produtiva.
No entanto, quase um ano após a entrada em vigor da reforma trabalhista, percebe-se que a adesão à contratação intermitente foi muito tímida.
Não se pode olvidar que o contrato intermitente é uma tendência mundial, que muito provavelmente se consolidará também no Brasil nos próximos anos. Mas, por enquanto, diante da legislação incipiente e lacunosa ainda subsiste muita segurança jurídica quanto ao tema.
Para as empresas que quiserem, desde já, adotar essa contração, recomenda-se a realização de um estudo pormenorizado da atividade produtiva e dos postos de trabalho disponíveis, visando a avaliação dos riscos e benefícios inerente ao contrato intermitente, inclusive comparativamente à outras formas de contratação, tais como: regime em tempo parcial, terceirização, autônomos, etc.
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*Manuela Tucunduva é advogada do escritório Balera Berbel & Mitne.