Direito Intertemporal e as relações de trabalho - Aplicação da lei 13.467/17 em seu aspecto material
As alterações advindas com a reforma trabalhista, como as decorrentes de qualquer outra alteração legislativa, possuem incidência imediata sobre os contratos em vigor, salvo se o direito era assegurado de forma mais favorável aos trabalhadores por fonte de direito autônomo, como cláusulas contratuais e normas regulamentares do empregador.
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:23
O estudo do direito intertemporal surge pela necessidade de solucionar questões relativas aos conflitos da lei no tempo já que estas se modificam adequando-se às situações políticas, sociais e econômicas do momento, ao mesmo tempo em que há necessidade de se garantir a estabilidade da ordem jurídica e social através da obediência aos princípios da segurança jurídica, irretroatividade das leis e direito adquirido como forma de se perpetuar a lei no tempo.
Com o fim do período de vacatio legis de cento e vinte dias da lei 13.467/17 e início de sua vigência inúmeras dúvidas surgiram acerca da aplicabilidade da referida norma no âmbito do direito material, ainda mais com a perda de eficácia da medida provisória 808/17.
A previsão legal de aplicação dos dispositivos da reforma trabalhista estava prevista expressamente na medida provisória 808/17 em seu artigo segundo, contudo referida previsão perdeu seu efeito com a caducidade da MP em 23.4.18, restando aos tribunais do trabalho a missão de definir as conseqüências dessa perda de eficácia para os contratos de trabalho celebrados antes de 11.11.17.
No que tange aos novos contratos celebrados, por terem sido firmados sob a égide da nova lei a ela se submetem e aos encerrados antes de sua vigência não há que se falar em sua aplicação, portanto, a indagação que remanesce é sobre a situação dos contratos em curso quando da vigência da retromencionada lei.
Cumpre afastar de imediato, a falsa ideia de que as alterações provocadas no direito material do trabalho não se aplicariam aos contratos em vigor devendo ser observado, no que atine à intertemporalidade da lei material trabalhista, três regras constitucionais que devem servir de interpretação da matéria que são os artigos 5º inciso XXXVI e artigo 7º caput e inciso VI da Constituição Federal.
Portanto, verifica-se que as novas regras também se aplicam aos contratos em curso, respeitados os direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, conforme regra basilar do Estado Democrático de Direito, insculpida no artigo 5º XXXVI da Constituição Federal e também o disposto no artigo 6º do decreto-lei 4657/42, Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.
A princípio, ter-se-ia a ideia de que em se tratando de contrato de trabalho, a pactuação inicial seria o marco para futuras alterações do contrato e não a livre dispositividade negocial, conforme resta expressamente disposto no artigo 468 da CLT por ser o contrato de trabalho, contrato de trato sucessivo, salvo negociações que envolvam normas mais benéficas e vedação da alteração contratual lesiva. Portanto, as alterações promovidas no direito material pela reforma podem implicar em alterações dos contratos de trabalho em vigor, desde que respeitadas as determinações constitucionais anteriormente mencionadas, tais como coisa julgada e ato jurídico perfeito.
Ocorre que, todo direito assegurado, exclusivamente, por previsão legal não se incorpora ao patrimônio dos indivíduos, devendo ser observado apenas enquanto subsistir a previsão legal, ao contrário das hipóteses em que o direito, além de ser previsto em lei também seja assegurado por outras fontes normativas, tais como contratos individuais de trabalho. Nesse caso passam a se incorporar ao patrimônio jurídico das partes e estão protegidos, seja na condição de ato jurídico perfeito, seja na de direito adquirido e o fato de haver alterações na fonte heterônoma não afeta os efeitos produzidos pelas demais fontes do direito.
Todavia, há de se diferenciar o direito adquirido da expectativa de direito. Sendo direito adquirido aquele que já cumpriu todas as condições para sua aquisição no tempo, tornando-se, portanto, patrimônio jurídico a ser exercido conforme a vontade do sujeito de direito. A contrário senso a expectativa de direito pode ser entendida como aquela em que não se completaram no tempo as condições para o seu exercício, sendo certo que se estas condições, principalmente, as legais permanecessem, em dado momento as expectativas tornar-se-iam direito adquirido.
Assim, o que fora avençado diretamente entre as partes deve ser interpretado como direito adquirido, integrando, pois o patrimônio jurídico do empregado, a contrário senso, leis, sentenças normativas e demais fontes heterônomas que contemplarem direitos com expressa vigência provisória não se incorporam ao patrimônio jurídico dos trabalhadores.
Verifica-se, pois, ser irrelevante, neste aspecto se a alteração legislativa implica efeitos prejudiciais ou não ao trabalhador. Sendo assim, as restrições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho quanto às alterações nas condições de trabalho do empregado, dizem respeito a limitações à negociação individual destas condições mais benéficas em detrimento dos trabalhadores se destinando exclusivamente as hipóteses em que as condições se incorporam ao patrimônio jurídico dos trabalhadores seja por força contratual ou ainda que de forma unilateral pelo empregador.
Portanto, as alterações advindas com a reforma trabalhista, como as decorrentes de qualquer outra alteração legislativa, possuem incidência imediata sobre os contratos em vigor, salvo se o direito era assegurado de forma mais favorável aos trabalhadores por fonte de direito autônomo, como cláusulas contratuais e normas regulamentares do empregador.
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*Viviane Ribeiro é advogada trabalhista - sênior.