Das formas alternativas de solução de conflitos trabalhistas (ou da não judicialização dos conflitos)
Ocorre que, afora a questão legal, a maior dificuldade que se impõe, atualmente, é a relutância da sociedade e do próprio Poder Judiciário quanto à submissão à arbitragem, como forma de resolução de conflito.
quinta-feira, 6 de setembro de 2018
Atualizado em 4 de setembro de 2018 11:54
Com o advento da lei 13.467/17 ("reforma trabalhista"), foram inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho ("CLT") os institutos do Termo de Quitação Anual (art. 507-B1), através do qual empregados e empregadores podem, anualmente, formalizar o termo de quitação das obrigações de dar e de fazer inerentes ao contrato de trabalho, com ciência e participação do sindicato profissional e a Homologação de Acordo Extrajudicial (alínea "f", do inciso V, do art. 6522), que permite que empregado e empregador firmem acordo sobre verbas inerentes ao contrato de trabalho, perante o Núcleo de Conciliação da Justiça do Trabalho.
Ambos os institutos foram introduzidos com o escopo de valorizar o princípio da autonomia e fazer prevalecer o negociado sobre o legislado.
Nesse sentido, também foi introduzido, juntamente com a reforma trabalhista, o art. 507-A3, que autoriza a pactuação de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos de trabalho (i) cuja remuneração seja superior a duas vezes o máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social* e (ii) desde que a iniciativa de submeter-se à arbitragem seja feita pelo próprio empregado ou mediante sua concordância expressa.
A arbitragem é uma forma de solução de conflitos mais incisiva, em que a situação é definida por um árbitro4 isento, especialista na matéria discutida, que decide a controvérsia, sem interferência das partes. Sua decisão tem a força de uma sentença judicial e não admite recurso.
Atualmente, poderão recorrer à arbitragem os empregados que percebem remuneração superior a R$ 11.291,60*.
Ocorre que ainda pairam dúvidas acerca da utilização da Câmara Arbitral para solucionar conflitos envolvendo os direitos individuais trabalhistas.
Isso porque, o art. 1º, da lei 9.307/96, dispõe que poderão ser submetidos à arbitragem, apenas os direitos patrimoniais disponíveis.
Nesse sentido, vale ressaltar que os direitos individuais trabalhistas previstos em lei, são, em sua essência, indisponíveis e irrenunciáveis, não podendo, em tese, ser negociados fora do âmbito processual.
No entanto, com a vigência da reforma trabalhista, passa-se a questionar se o direito individual do trabalho poderá ser objeto de livre negociação, uma vez que o próprio legislador, quando alterou a redação da CLT, promulgada em 1943, trouxe, como mote, enaltecer os princípios da autonomia e prevalência do negociado sobre o legislado, tratando de forma diferenciada os empregados que recebem remuneração elevada.
Pelo que se pode observar, aos poucos, a arbitragem vem sendo introduzida no âmbito trabalhista, como forma alternativa para alcançar a tutela pretendida, sem acionar o Poder Judiciário.
Ocorre que, afora a questão legal, a maior dificuldade que se impõe, atualmente, é a relutância da sociedade e do próprio Poder Judiciário quanto à submissão à arbitragem, como forma de resolução de conflito.
Foi culturalmente instituída a dependência do Estado para solução de conflitos , especialmente os conflitos trabalhistas, uma vez que o entendimento consolidado dos Tribunais, antes da recente alteração da CLT, trazida pela lei 13.467/18, era pela anulação da sentença arbitral ou anulação de qualquer acordo firmado de forma extrajudicial, que envolvesse direitos individuais do trabalho, como salvaguarda à hipossuficiência econômica, inerente à condição de empregado e que poderia interferir no livre arbítrio individual.
Sendo assim, justificava-se a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, pelo menos, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais e constitucionais.
Todavia, o objetivo do legislador, ao introduzir a lei em comento, foi o de aumentar a autonomia das partes, empregador e empregado, bem como suavizar a concepção do consciente coletivo, de que o empregado é hipossuficiente e não pode negociar seus direitos como bem lhe convier, diretamente com seu empregador.
A questão acima é bem espelhada pelo Judiciário. De acordo com estatística realizada pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, só no ano de 2017, foram ajuizados 2.648.463 (dois milhões, seiscentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e três) processos, sendo que o percentual de conciliações, para o mesmo ano de 2017, foi de 37,7%.5
Veja-se, ainda, que, no passado, tentou-se estabelecer uma forma de firmar acordos extrajudiciais em matéria trabalhista, através das Comissões de Conciliação Prévia, instituídas pelo artigo 625-A, da CLT.6
Referidas Comissões eram instituídas entre empresas e Sindicatos, através da nomeação de membros de forma paritária, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho.
No entanto, em decorrência de diversas fraudes identificadas na composição das Comissões, o Poder Judiciário passou a anular os acordos firmados dessa forma, voltando-se à estaca zero com relação à possibilidade de firmar acordos extrajudiciais para dirimir os conflitos.
"Acordo extrajudicial firmado perante Comissão de Conciliação Prévia, com a finalidade de substituir a satisfação das verbas pertinentes ao final da relação de emprego por valores significativamente inferiores aos devidos nos termos da lei, afronta direitos e princípios norteadores das relações de emprego. Impossibilidade de validação, sob pena dessa MM. Justiça Especializada ensinar e incentivar maus empregadores a interpretar de forma irregular a intenção do legislador quando da criação das CCPs, acarretando manifesto prejuízo ao empregado, hipossuficiente na relação de emprego."7
Do ponto de vista estritamente legal, desde que preenchidos os requisitos antes elencados, que decorrem da redação leitura literal do art. 507-A, da CLT, poderão ser objeto de resolução, por meio de arbitragem, todas as controvérsias inerentes ao contrato de trabalho.
E são muitas as vantagens que resultam às partes que se submetem à arbitragem, dentre elas:
1. Flexibilidade de escolha quanto à forma e ao tipo de arbitragem. Nesse sentido, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública, com base no princípio da autonomia da vontade, as partes envolvidas poderão pactuar as regras da arbitragem;
2. Escolha do árbitro. A escolha do árbitro será realizada pelas partes, podendo, inclusive, nomearem mais de um árbitro;
3. Os árbitros poderão ser experts no assunto;
4. Celeridade. Após a prolação da sentença arbitral, não caberá uma segunda análise de mérito, reduzindo o tempo razoável de duração da contenda;
5. Sigilo. Diferentemente do processo judicial, as partes poderão solicitar sigilo durante o trâmite do processo arbitral, que será decretado de pronto, sem passar por um juízo de valor;
6. Princípios do contraditório e da ampla defesa. A arbitragem não impede a participação das partes, garantindo o contraditório e a defesa;
7. Economia. Um processo arbitral poderá ser economicamente mais vantajoso para as partes.
Nesse sentido, a escolha pela arbitragem demonstra que as partes elegeram esse meio alternativo de resolução de conflitos, visando à manutenção de um relacionamento entre elas.
Entretanto, em que pesem as vantagens acima, há aspectos que podem reduzir a eficiência e a eficácia do procedimento arbitral:
1. Falta de poder de coação. Em caso de descumprimento da sentença arbitral, as partes deverão se submeter ao Judiciário para efetivar referida decisão;
2. Risco de anulação. A arbitragem poderá ser anulada no âmbito processual, quando irregular;
3. Parcialidade do árbitro. Uma vez que o árbitro é escolhido pelas partes, há o risco da escolha de árbitro parcial;
4. Economia. A depender do caso, o processo arbitral poderá ser mais caro que um processo judicial.
Vale mencionar que, com o objetivo de diminuir o tempo de tramitação do processo judiciário, foi inserida uma meta na Justiça do Trabalho como um todo, para que o tempo de tramitação dos processos fosse reduzido.8
Isso porque, o tempo médio de duração dos processos trabalhistas é de 5 anos, enquanto que, na arbitragem, a solução dos conflitos leva de 8 a 18 meses.
No entanto, em razão da trajetória cultural antes referida e do tema ser muito recente na esfera trabalhista, há muita instabilidade e insegurança jurídica para submeter-se com confiança os contratos de trabalho às câmaras arbitrais.
Por fim, existe a figura da mediação, que visa, através de um mediador9, "recuperar" o diálogo entre as partes, fomentando tratativas até que, espontaneamente, cheguem a um acordo de forma amigável.
Acontece que a mediação (lei 13.140/15) não é aplicada ao processo do trabalho, pois se trata de um mecanismo que se assemelha à conciliação da forma como já é utilizada pela Justiça do Trabalho, sendo facultada às partes em qualquer momento ao longo do processo, conforme preceitua o art. 764, da CLT: "Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação".
Ato contínuo, o parágrafo único, do art. 42, da lei citada acima, dispõe que, no âmbito trabalhista, a mediação nas relações de trabalho deverá ser regulamentada por lei própria, o que, até o momento, não ocorreu.
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*Flavia Sulzer Augusto Dainese é associada do escritório Araújo e Policastro Advogados.
*Marília Chrysostomo Chessa é associada do escritório Araújo e Policastro Advogados.