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Arbitragem e precedentes: Cinco premissas, cinco conclusões, um epílogo (e um vídeo)

Na arbitragem de direito, o árbitro tem de aplicar o ordenamento jurídico em sua plenitude, considerando inclusive os precedentes e orientações jurisprudenciais, decisões-quadro etc. que estão postas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 13:39

Premissas:

a) Os precedentes judiciais e a jurisprudência consolidada, aí incluídas as decisões-quadro e súmulas vinculantes, constituem fonte do ordenamento jurídico, ainda que "não autônoma".

b) Mas há uma diferença essencial entre (i) reconhecer o precedente e a jurisprudência judiciais como fontes do ordenamento e (ii) definir a extensão da aplicabilidade de mecanismos processuais judicias destinados a fazer valer a força vinculante dos precedentes e da jurisprudência.

c) Se a arbitragem é de direito, cabe ao árbitro aplicar o ordenamento em sua plenitude, observando-se todas as suas fontes.

d) O árbitro não integra o Poder Judiciário nem tampouco é agente estatal.

e) É impossível no sistema jurídico brasileiro a revisão judicial da solução dada ao mérito do litígio pelo tribunal arbitral. A "ordem pública" relevante para o controle judicial da arbitram exaure-se nas hipóteses de invalidade da sentença arbitral previstas no art. 32 da lei de Arbitragem. Não existe a hipótese de anulação da sentença arbitral por manifesta violação ao direito, na solução do mérito - diferentemente do que se passa no Common Law.

Conclusões:

1) Na arbitragem de direito, o árbitro tem de aplicar o ordenamento jurídico em sua plenitude, considerando inclusive os precedentes e orientações jurisprudenciais, decisões-quadro etc. que estão postas. Quem recorre à arbitragem de direito almeja segurança jurídica e previsibilidade.

2) Não cabe usar contra as decisões arbitrais nenhum mecanismo processual judiciário de observância de força vinculante de precedentes. São inaplicáveis à arbitragem, entre outros: a reclamação por inobservância do precedente; a suspensão do processo na pendência de julgamento de caso repetitivo; a imposição de nulidade por inobservância do precedente em casos alheios ao distinguishing e ao overruling; a impugnação ao cumprimento de título judicial desconforme a decisão vinculante do STF etc.

3) Não cabe impugnação judicial da sentença arbitral para atacar a não aplicação de precedente ou orientação jurisprudencial na solução dada pelos árbitros ao mérito da causa. Apenas são controláveis judicialmente defeitos da sentença arbitral atinentes à existência, validade e eficácia da convenção arbitral e ao respeito ao devido processo legal. O argumento de que a violação ao precedente violaria a convenção arbitral que previu arbitragem de direito (e não por equidade) "prova demais"; conduziria à conclusão de que toda sentença arbitral incorreta quanto à solução de mérito seria controlável e anulável pelo Judiciário. E não é assim. Nem mesmo o manifesto erro na solução dada ao mérito da causa é impugnável judicialmente. Os limites de controle judicial da arbitragem são dados pelo art. 32 da lei de Arbitragem, em rol exaustivo. O STF reputa constitucional essa limitação.

4) Isso não é diferente do que acontece em qualquer outro caso de má aplicação do direito pelo árbitro na solução dada ao mérito da causa. Seria paradoxal conferir um instrumento de controle da inobservância do precedente quando não há mecanismo de controle de violação direta da lei. Se, ao resolver o mérito do conflito, p. ex., o árbitro equivocadamente aplica lei revogada ou confere a determinada disposição legal interpretação errada, de que ninguém jamais cogitou (a ponto de a questão nem mesmo ter merecido qualquer discussão e consolidação jurisprudencial), esse erro não é judicialmente controlável.

5) Por fim, e longe de ser essa uma deficiência do sistema arbitral, ela apresenta evidentes vantagens. Por exemplo, a de permitir ao árbitro ignorar decisões-quadro que não refletem a verdadeira expressão do ordenamento (quando o STJ, em menos de seis meses, define a mesma questão jurídica, em procedimento de recursos repetitivos, de modos diametralmente opostos, sem nenhuma alusão a overruling ou mesmo menção à decisão-quadro anterior, fica claro que nem toda a produção jurisprudencial protegida pelos mecanismos de imposição de força vinculante no âmbito judicial constitui, verdadeiramente expressão do sentido normativo consolidado numa dada época e lugar...; o mesmo se diga nos casos em que ministros de tribunais superiores declaradamente não seguem as orientações jurisprudenciais estabelecidas no plenário da corte...).

Epílogo:

A questão da (in)existência de dever do árbitro de observar os precedentes judiciais, em certa medida, é um "falso problema". Afinal, os árbitros têm estado atentos à experiência concreta do ordenamento positivo que lhes cabe aplicar - no que se incluem precedentes, decisões-quadros e orientações jurisprudenciais consolidadas no Poder Judiciário.

Mas é um "falso problema" que, se mal resolvido, pode vir a gerar um problema verdadeiro. Sob o argumento de que a desconsideração do precedente pelo árbitro poderia ser controlada pelo Judiciário, mediante a invocação de uma cláusula geral de "violação à ordem pública" ou a importação da ideia do Manifest Disregard of the Law - ambas hipóteses não previstas no art. 32 da lei de Arbitragem (reputada constitucional, tal como o é, pelo STF) -, cria-se o pretexto para se passar a rever a solução de mérito dada ao conflito pelos árbitros. É um "Cavalo de Troia", para usar a expressão de Fredie Didier Jr.

  • Ainda sobre o tema, veja este vídeo de uma anterior palestra minha: clique aqui.

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*Eduardo Talamini é sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

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