Hélio Bicudo: um Brasileiro destemido
Foi figura presente e ativa na luta pela redemocratização do nosso país e no movimento pelas Diretas
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 13:03
A tarefa que nos foi confiada para, por meio destas linhas, prestar uma breve homenagem ao amigo e professor Hélio Bicudo não poderia ser das mais generosas. Reverenciar sua memória é, sem dúvida, algo que nos gratifica, não apenas pelo sentimento fraterno que nos unia a ele, mas também pelo legado incontestável que sua obra representa.
Sua trajetória na vida pública foi rica e honrada, marcada, sobretudo, pela defesa justa e intransigente dos Direitos Humanos, trincheira que ele nunca abandonou, nem mesmo quando aqueles a quem acusava eram justamente os que tinham o poder de lhe calar a voz e impedir a ação.
Na década de 1970, enfrentou com vigor a temida organização paramilitar conhecida como Esquadrão da Morte, denunciando as barbáries cometidas por justiceiros que, com apoio estatal, matavam supostos bandidos e criminosos. Então Promotor de Justiça de São Paulo, o professor Hélio Bicudo foi figura-chave para investigar e entender a lógica dos grupos de extermínios formados por policiais. O trabalho árduo, resultou em um livro-testemunho, no qual ele nos trouxe revelações sobre essa batalha contra a violência institucional.
Entre aqueles que o acompanhavam lado a lado, como felizmente foi o nosso caso, é comum ouvir dizer que a fragilidade de sua compleição física era inversamente proporcional à robustez da sua nobreza e da sua coragem. O que se justifica pelo enfrentamento veemente que sempre fez àqueles que violaram ou cercearam os direitos, sobretudo, das minorias.
O que pouca gente sabe, entretanto, e que nos foi revelado recentemente, em uma carta deixada por ele para ser lida somente quando não mais estivesse entre nós, é que ao longo dessa jornada, ele muitas vezes temeu pela sua integridade física. Sofreu ameaças e sabia dos perigos que corria, mas jamais se deixou paralisar pelo medo.
Aguerrido por natureza, o professor fez da delicadeza e da simplicidade no trato com todos que o cercavam as grandes armas de seu dia a dia. Fosse no gabinete de vice-prefeito de São Paulo, no início dos anos 2000; na sala de aula, como professor de Direito; na Câmara dos Deputados, quando ocupou o cargo de Deputado na década de 1990 ou em qualquer outra frente da vida pública e da esfera privada, a gentileza e o entusiasmo nunca lhe faltaram.
Foi figura presente e ativa na luta pela redemocratização do nosso país e no movimento pelas Diretas. Humanista acima de tudo, tornou-se referência internacional por lutar contra a pena de morte e a tortura e pela sua intensa dedicação em favor dos Direitos Humanos. Em 2002 foi eleito presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Jurista de primeira grandeza, respeitado pelos seus pares, acreditava na Justiça como um bem da sociedade, que se concretizaria na medida em que se tornasse universal. Foi ele o autor da proposta, depois transformada na emenda constitucional 45/04 que criou o CNJ e o CNMP e que visava diminuir a lentidão no judiciário e torná-lo mais acessível aos cidadãos.
O destemor que caracterizou sua luta em defesa dos mais vulneráveis foi também a sua marca registrada em outras circunstâncias de sua jornada. As divergências, comuns entre aqueles que debatem a vida coletiva, que com ele tivemos, como no episódio do impeachment por exemplo, nunca foram suficientes para diminuir a nossa admiração pela grandeza de sua existência, marcada por lutas superlativas - grandes e significativas o bastante para que seu nome seja sempre lembrado como o de alguém que soube combater o bom combate; o de alguém que se comprometeu com o interesse público até o fim, gravando com tinta indelével a sua trajetória terrena na luta por uma pátria mais justa.
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*Marcelo Nobre é advogado e foi membro do Conselho Nacional de Justiça.
*Pedro Serrano é advogado e professor de Direito da PUC/SP.