Sociedades anônimas fechadas. Dissolução parcial
Acontece que com o evoluir do direito societário ficou cada vez mais nítida a diferenciação entre uma sociedade anônima típica, aberta principalmente, e mesmo algumas fechadas, que contemplam grande e disseminado número de acionistas, e as pequenas sociedades fechadas às vezes de apenas dois sócios, ou pouco mais do que isto.
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Atualizado em 23 de setembro de 2019 16:52
A dissolução parcial das sociedades limitadas já de muito, e ainda na vigência do decreto 3.708 vinha sendo admitida na doutrina e na jurisprudência, conferindo ao sócio minoritário o direito de retirar-se da sociedade recebendo sua parcela do patrimônio líquido da mesma.
O Código Civil de 2002 tornou mais nítido tal direito de dissolução parcial com retirada do sócio insatisfeito, tudo como se vê nos artigos 1.077 e seguintes.
De um modo claro não se admitia tal direito chamado também de "retirada forçada" no caso das sociedades anônimas, as típicas e muito marcadas sociedades de capital. Por terem tal timbre de sociedades categoricamente voltadas ao capital, não às pessoas dos sócios, entendia-se que ao minoritário insatisfeito só se concedia duas portas de saída da companhia a) ou na ocorrência das hipóteses pontuais e radicais que ensejam o direito de recesso(e aí sim a companhia pagará a ele sua parcela de patrimônio líquido) (b) ou por meio de venda de suas ações no mercado.
Acontece que na sociedade anônima fechada, geralmente familiar ou entre amigos, essa segunda possibilidade acima se faz por não existir, já que muito dificilmente haverá mercado comprador. Isso reduz o minoritário insatisfeito com os rumos da empresa a se conformar com as hipóteses bem esporádicas do recesso acionário tal como catalogadas na lei das companhias (art.137).
De tempos para cá essa lacuna, essa disfunção no trato das sociedades anônimas fechadas vem sendo suprida pela doutrina e pela jurisprudência, tudo sob o inegável e categórico fato de que tais sociedades de um modo majoritário só são formalmente de capitais, muito mais se assemelhando a sociedades de pessoas, ou quando muito mistas.
Aqui a relação pessoal entre os sócios, essa ligação entre o(s) controlador(es) e o(s) minoritário(s) é muito personalizada, inexistindo aquele distanciamento característico de uma verdadeira sociedade de capital.
A doutrina e a jurisprudência, de modo muito conservador e formalista, negavam essa possibilidade de dissolução parcial das companhias. A tal respeito Nelson Eizirick ("a lei das S A comentada", SP, 2004, Quartier Latin,vol. III, pág. 161"): "Não existe fundamento jurídico para a chamada "dissolução parcial" das sociedades por ações, por rompimento da affectio societatis ou por qualquer outra causa, quaisquer que sejam as suas características". Nesse ponto Eizirick seguia a rota traçada pelo grande Alfredo Lamy Filho, que ao comentar a lei 6404 já assim apontava ("Direito das Companhias" RJ Forense, 2009, vol. II pág. 1846, obra coordenada junto com JL Bulhões Pedreira).
Na mesma diretriz o STJ assim decidia, como vemos no acórdão no RE 419.174/SP, da 3ª. Turma em 15/8/02):" Incompatível com a natureza e o regime jurídico das sociedades anônimas o pedido de dissolução parcial, feito por acionistas minoritários, porque reguladas em lei especial que não contempla tal possibilidade."
Talvez, mirando uma hipotética dissolução parcial, os tribunais e os comercialistas de escol como os acima, não se lembraram de ponderar sobre a regra do artigo 26 II da lei acionária, que permite a dissolução (total) da companhia quando ao menos 5% de seus acionistas provarem que ela "não pode preencher o seu fim."
Acontece que com o evoluir do direito societário ficou cada vez mais nítida a diferenciação entre uma sociedade anônima típica, aberta principalmente, e mesmo algumas fechadas, que contemplam grande e disseminado número de acionistas, e as pequenas sociedades fechadas às vezes de apenas dois sócios, ou pouco mais do que isto.
Nessa última, com muita frequência há um acionista majoritário, "dono do negócio" que pouco ou quase nada considera a posição de seus pequenos prestadores de capital.
As hipóteses restritas de saída do acionista menor, à falta de mercado comprador, ficam no texto frio da lei acionária sujeitas aos casos radicais do direito de recesso (art. 137). Mas O CPC de 2015 traz regra no seu artigo 599 parágrafo único que cria um procedimento dissolutório para "sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representam cinco por cento ou mais do capital social que não pode preencher seu fim". Na verdade, no corpo de um código processual inseriu-se uma regra de direito material que é caudatária daquela já inscrita na lei das AS. Nem por isso com maior ou menor peso jurídico. E, aqui, apesar de se repetir uma demanda de quórum mínimo de 5% dos acionistas, o legislador ao contrário do que sucedeu na lei 6404 não se exige a dissolução total, mas permite-se clara e expressamente a dissolução parcial, com a saída dos acionistas descontentes com o rumo da empresa.
Assim o legislador parece estar acolhendo a distinção entre realidades societárias muito nítidas em sua estrutura, e abrindo asas para um trato que abra porta de saída a minoritários abafados e esvaziados por uma posição inferior que os agrilhoa ao comando e decisão de seu controlador e que não obriguem à dissolução total da empresa.
E enfim em 28/6/06 a 2 seção do STJ julgando os embargos de divergência no RE 111.294/PR houve por admitir a dissolução parcial de "sociedades anônimas de médio e pequeno porta ,em regra de capital fechado, que concentram na pessoa de seus sócios um de seus elementos preponderantes, como sói acontecer com as sociedades ditas familiares, cujas ações circulam entre seus membros, e que são, por isso, constituídas "intuitu personae".
Interessante esse acórdão do STJ, mais atinado com a realidade dessa clivagem entre sociedades abertas, realmente "anônimas" no real sentido do termo que lhes deu origem, desprezando-se o caráter pessoal de seus acionistas, e na outra banda as companhias fechadas, médias e pequenas, as quais de anônimas só tem o nome, pois todos se conhecem.
Parece ilusório e sofístico sustentar-se que inexiste affectio societatis a ser preservada nessas empresas fechadas, e abusos egoístas dos controladores, que prejudicam seus pequenos acionistas deixariam a relento estes últimos, se não se lhes facilitasse a porta de saída.
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*João Luiz Coelho da Rocha é pós-graduado em Direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor de Direito Comercial da PUC-RJ e advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados.