Mediação e arbitragem no cenário trabalhista atual - Mudança de paradigma na pacificação dos conflitos
A intervenção nos conflitos através da mediação proporciona a participação ativa da parte na busca de uma solução que lhe atenda e que não seja aviltante para os interesses da parte contrária representa o ponto fulcral da mediação.
sexta-feira, 17 de agosto de 2018
Atualizado em 26 de setembro de 2019 17:51
1. Introdução
A lei 13.467, de 13 de julho de 2017 trouxe modificações consideráveis em torno da legislação material e processual do trabalho, trazendo ao ânimo de todos, as mais diversas reações, em todos os espectros de sentimentos.
Encalacrado com uma torrente de processos diários1234, o Poder Judiciário não possui alternativas para enfrentar sua crise numérica, reflexo da falta de celeridade e de efetividade que caracteriza grande parte dos processos judiciais no Brasil, sendo necessário que fossem construídas vias que garantissem a satisfação do conflito e que desenterrassem o sistema processual brasileiro.
Métodos alternativos de resolução de conflitos, mais maleáveis às transformações do mercado de trabalho e aderentes às necessidades do mundo contemporâneo se fazem necessários então, para que seja possível a sustentação do mecanismo judiciário e da eficaz distribuição da justiça.
A Justiça do Trabalho, acompanhando este viés, se viu diante da reforma trabalhista, com a inserção das mais diversas opções para formas de resolução alternativas de conflitos.
Para além da conciliação e mediação, que se caracterizam por serem meios autocompositivos de solução de conflitos - o que significa dizer que facilitam a solução, mas não a impõem às partes -, surge a arbitragem, que mais se assemelha à solução judicial na medida em que constitui meio heterocompositivo de solução de conflitos apesar de sua base seja autocompositiva (já que é necessária cláusula compromissória no contrato5).
Embora seja livremente escolhido entre as partes, o árbitro ou o tribunal arbitral profere decisão final e vinculante para as partes tal qual a decisão judicial.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 expressamente previu a arbitragem para conflitos trabalhistas coletivos (artigo 114, § 2º), como o faz também a Lei de Greve (lei 7.783/89). O mesmo não se pode dizer do uso da arbitragem para a solução de litígios trabalhistas individuais até a presente Reforma Trabalhista, considerando que as formas alternativas de resolução de conflitos não eram aceitas pelo Direito do Trabalho no tocante ao contrato individual de trabalho, fazendo com que todos os conflitos fossem obrigatoriamente resolvidos perante o Juiz.
De modo não conservador, o art. 507-A inova ao autorizar a cláusula compromissória de arbitragem nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o equivalente a cerca de R$ 11 mil reais.
2. Surgimento do conflito nas relações de trabalho e no contrato individual de trabalho
Considerando a base do surgimento do conflito nas relações de trabalho e emprego é possível propor uma ampliação do conceito de conflito individual de trabalho, estabelecido entre empregadores e empregados, para incluir aqueles conflitos existentes entre empregados e que não recebem previsão de adequado tratamento.
Nas rotinas de Recursos Humanos e Lideranças e tais conflitos, conhecidos pelos economistas como micro conflitos, são portadores de uma litigiosidade latente que ao se desenvolver tem como única previsão a extinção da relação de trabalho.
No âmbito interno das organizações a intervenção mediadora, assim, representa meio de preservação das relações de trabalho, protegendo ainda os direitos fundamentais dos trabalhadores, diminuindo a crise de litigiosidade excessiva e concedendo uma nova perspectiva de acesso ao justo.
Neste sentido, a professora Ana Mejías García em sua palestra no evento realizado em Valência na Espanha, que teve Adriano Jannuzzi Moreira como um de seus organizadores6, apontou os ensinamentos dos dispositivos internos existentes na Espanha para solução de problemas de assédio moral.
Segundo a professora7, as notas técnicas de prevenção (NTP) 8918 e 8929 trazem mecanismos para efetivamente resolver os conflitos que envolvem a violência laboral, bem como construir um mecanismo de prevenção proativa dentro da empresa, pois permite detectar precocemente situações de risco de violência.
Figura 1- etapas do procedimento10
O Direito busca prover aos cidadãos a proteção aos seus interesses coletivos e individuais e que resultou no atual sistema de prestação jurisdicional, em que um juiz, investido de uma parcela do poder estatal, atende aos conflitos que lhe são trazidos e, após analisar os fatos e as provas carreadas pelas partes, prolata uma decisão que encerra o conflito, constituindo uma forma de pacificação do conflito através da letra fria de uma sentença.
Podemos apontar a complexidade dos ritos e as dificuldades na obtenção de representação perante os órgãos judiciais; os altos custos das demandas, incluindo aqui não apenas os encargos financeiros, mas a insatisfação decorrente do fator temporal diante do longo período de espera pela definição de uma situação repleta de incertezas; no plano da percepção do sujeito, o desgaste emocional decorrente da sua manutenção em um ambiente de conflito e os reflexos resultantes da imposição de uma decisão pelo órgão judicante, que, ao prolatar a sua decisão, estará reconhecendo a vitória de uma das partes enquanto que a outra, no extremo oposto, será considerada perdedora, dando margem ao surgimento de novos conflitos em razão de uma litigiosidade não tratada, porque o processo judicial incidiu apenas nos aspectos exteriores do conflito.
Aqui cabe a seguinte indagação: A parte prefere que seu futuro seja resolvido por um Juiz Frio e imparcial ou que ela própria possa consiga construir a solução para o seu conflito?
Nesse sentido, observamos que o processo judicial está apto a encerrar o conflito, mas não a prover o seu adequado tratamento.
A pacificação dos conflitos e o seu acesso é direito fundamental, propicia a redução das desigualdades sociais e atende ao ideal de promoção da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido Immanuel Kant, em sua Fundamentação da metafísica dos costumes, coloca a pessoa humana acima das coisas, ao afirmar que:
"No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Uma coisa que tem preço pode ser substituída por qualquer coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dignidade.11"
Com fundamento no que foi afirmado por Kant, Dworkin elabora que:
"uma pessoa pode atingir a dignidade e o respeito próprio que são indispensáveis para uma vida bem-sucedida apenas se ela mostrar respeito pela própria humanidade em todas suas formas.12"
A Constituição Federal de 1988, no Título I - Dos Princípios Fundamentais, declara em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil.
A intervenção nos conflitos através da mediação proporciona a participação ativa da parte na busca de uma solução que lhe atenda e que não seja aviltante para os interesses da parte contrária representa o ponto fulcral da mediação.
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1 Reforma trabalhista diminui número de ações na Justiça do Trabalho.
2 Após Reforma Trabalhista, número de novas ações diminui no Piauí.
3 Após reforma, número de novos processos trabalhistas caiu pela metade.
4 Ações trabalhistas caem mais de 50% após reforma.
5 Lei 9.307/1996. Art. 3º Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
6 - Seminario Hispano/Brasileño Sobre Solución Extrajudicial De Conflictos (Orden Civil, Penal, Mercantil Y Laboral). Universitat de València. Valência. Espanha. 25 a 29 de junho de 2018.
7 - MEJÍAS GARCIA. 2018.
8 Procedimiento de solución autónoma de los conflictos de violencia laboral (I).
9 Procedimiento de solución autónoma de los conflictos de violencia laboral (II).
10 Ibidem.
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*Adriano Jannuzzi Moreira é mestre em Direito Empresarial, doutorando em Direito, especialista em Gestión Integrada de Prevención del Medio Ambiente Laboral, professor convidado da pós-graduação da PUC Minas, membro fundador do Instituto Brasileiro de Gestão de Prevenção de Acidentes de Trabalho (IBGPAT).