O dr. Joaquim Xavier da Silveira
A historia litteraria da Provincia de S. Paulo muito teria a dizer sobre este distincto paulista, se Deus não o houvesse chamado tão cedo ao repouso celestial. Alma nobre e pura, espirito vivaz e enthusiasta, coração eterno e apaixonado ; nasceu Silveira para ser um dia grande poeta e grande orador. O verbo da eloquencia manava-lhe dos lábios sempre ardente e abundante. Sua voz sonora e attrahente, seu gesto facil e natural, seu porte altivo e nobre, tudo se alliava nelle na mais bem acabada harmonia.
sexta-feira, 11 de agosto de 2006
Atualizado em 9 de agosto de 2006 10:49
O dr. Joaquim Xavier da Silveira
NOTAS PARA UMA BIOGRAPHIA
PAULO EGYDIO DE OLIVEIRA CARVALHO
A historia litteraria da Provincia de S. Paulo muito teria a dizer sobre este distincto paulista, se Deus não o houvesse chamado tão cedo ao repouso celestial.
Alma nobre e pura, espirito vivaz e enthusiasta, coração eterno e apaixonado ; nasceu Silveira para ser um dia grande poeta e grande orador.
O verbo da eloquencia manava-lhe dos lábios sempre ardente e abundante. Sua voz sonora e attrahente, seu gesto facil e natural, seu porte altivo e nobre, tudo se alliava nelle na mais bem acabada harmonia.
Nos clubs e nas grandes reuniões populares sua palavra era uma chamma celeste : cahia no seio das massas para acordar nellas os generosos sentimentos do coração, a justiça, a egualdade, a fraternidade.
Não era como o volcão que tudo devasta e consomme ; era como o fogo do céo que alumia e purifica. O joven orador paulista não concitava as turbas á insubordinação e á revolta, mas apontava-lhes a trilha de seus deveres, aconselhando-lhes o exercicio de seus direitos : - harengava mas não conspirava.
Na tribuna judiciária, foi ahi que o joven paulista dera mais vezes copia de seu talento oratorio.
Os annaes de nosso tribunal registram com orgulho o nome do dr. Joaquim Xavier da Silveira ; os triumphos, quasi sempre explendidos, que tanta vez alcançou em pról do fraco e do opprimido, vivem na memoria popular como uma tradição gloriosa para a nossa Provincia.
Como orador judiciario, dissertava menos do que declamava ; procurava mais excitar as paixões do que convencer o entendimento ; fallava mais ao coração do que ao espirito dos juizes : era o sentimento em acção.
Si nos fosse dado parodiar a phrase elegante de um escriptor francez a respeito de Lamartine, diriamos que Silveira era uma harpa eolia pendurada na tribuna.
Sua elocução era facil e pura ; a phrase sem artificio e sempre ornada.
Como poeta, eram as paixões do coração as cordas mais sonoras de sua lyra.
Discípulo de Lamartine, poeta que adorava e que mais lia, seu estro moldava-se a todas as variedades do gênero lyrico.
Sem que fosse poeta descriptivo, bosquejava as scenas da natureza como um reflexo das emoções da alma.
Seu verso sempre harmonioso resentia-se contudo de certo abandono de fórma : - era mais um ponto de contacto com o grande auctor da Novissima verba.
Lia, porém não estudava nossos poucos poetas de escolha, excepto Alvares de Azevedo que quase sabia de cór.
A terra de Alexandre Gusmão e tantos outros paulistas notaveis, a importante cidade de Santos, foi o berço do distincto paulista.
Descendente de paes pobres e honrados, fôra destinado á carreira do commercio á qual se entregou durante pouco tempo.
Não podendo, porém, resistir á sua vocação para os estudos, veio para S. Paulo e aqui, depois de um brilhante curso de preparatorios, matriculou-se na Faculdade em 1861.
Desde o seu primeiro anno jurídico adquiriu Silveira belissima nomeada, que conservou até o anno de sua formatura.
Desde logo seu talento oratorio e poetico se revelou em todo o seu viço.
Nas associações litterarias, que então pullulavam na capital, nunca se fez ouvir o jovem orador sem que fosse ardentemente applaudido e festejado.
Nos jornaes academicos que então se publicavam em grande numero collaborava activamente escrevendo muitas poesias de primor, contos, pequenos romances e outras composições.
Em 1865 recebeu a carta de bacharel em direito, e obteve então a maior demonstração de apreço que podia receber dos seus collegas : foi unanimemente eleito orador do ano para a collação do gráo academico.
Durante o curso juridico gozou Silveira da estima geral de seus companheiros de estudos : de trato sempre ameno, de maneiras affaveis e delicada, alliava a bondadde do coração á elevação da intelligencia.
Formando-se em 1865, Silveira estreou na advocacia, carreira que seguiu sempre.
Dedicou-se de preferencia á advocacia criminal, na qual colheu inestimaveis louros.
Não se lhe arrefeceu na aridez da vida pratica o ardor da litteratura e da poesia : cultivou sempre as lettras, nunca deixou de escrever e de cantar.
Achando-se o anno passado em Santos, cidade de seu nascimento ; o flagello da variola que então assolava aquella laboriosa população, atacou-o com toda a sua intensidade, e no sei de seus parentes e amigos finou-se o distincto paulista aos trinta e cinco annos de edade, deixando mulher e filhos.
Legou-lhes escassos recursos, mas um nome brilhante.
Seus escriptos em prosa e em verso colleccionados em livro dariam interessantes volumes ; muitos delles, infelizmente, nem conheceram a publicidade.
A cidade de Santos tributa á memoria do dr. Joaquim Xavier da Silveira um culto de admiração e de amisade.
Poeta e orador, seu nome brilhará na historia da litteratura paulista a par dos seus mais bellos talentos.
S. Paulo, 2 de Novembro de 1876.
_______________
_________________