A cara ambição do bumbum perfeito
O ser humano, pela sua própria natureza, preocupa-se com o seu bem-estar e estabelece regras rígidas de estética para o seu próprio corpo.
domingo, 5 de agosto de 2018
Atualizado em 25 de setembro de 2019 18:03
O caso da bancária Lilian Calixto, que veio a óbito após um procedimento estético realizado no apartamento do médico Denis Cesar Barros Furtado, no Rio de Janeiro, local desprovido dos recursos mínimos para eventuais emergências, trouxe à baila o debate a respeito das clínicas clandestinas, muitas delas operadas por quem não tem a habilitação profissional exigida.
Para o sucesso da empreitada, a mídia tem papel preponderante. A pessoa é atraída pela flexibilidade e facilidade da proposta miraculosa, sem contato com o profissional, ou até mesmo sem fazer qualquer pesquisa a respeito de sua competência junto ao Conselho de sua categoria, deixando prevalecer os photoshops que circulam nas redes sociais, nas quais não se pode fiar cegamente. E, por incrível que possa parecer, é muito comum a pessoa interessada em modelar seu corpo, infiltrar-se na internet e acreditar piamente nas propostas oferecidas, submetendo-se a um determinado procedimento estético, que nem sempre será bem-sucedido.
Assim, de forma incisiva, alardeia apelos convidativos ilustrados com o antes e o depois do corpo masculino ou feminino esculturado, ostentando, desta forma, como se fosse um troféu conquistado em uma maratona, e exibe a beleza almejada. A promessa permite a realização de um sonho, de forma rápida e com baixo custo. Estratégia, sem dúvida, convincente.
O ser humano, pela sua própria natureza, preocupa-se com o seu bem-estar e estabelece regras rígidas de estética para o seu próprio corpo. Para tanto, muitas vezes, como um bom espartano, frequenta academias e praças de exercício para conseguir um resultado que lhe seja satisfatório, de acordo com o programa de saúde adotado para atingir os objetivos almejados. O modelo de beleza, principalmente o feminino, está intimamente ligado aos padrões internacionais, sempre capitaneados pelas famosas musas que ocupam as passarelas.
É indiscutível que o padrão de beleza evolui com os critérios da própria humanidade. Cada época adota seu modelo, entoando o ritmo do let's stay young forever. Atualmente, por exemplo, pelas exigências da indústria da moda, as modelos devem apresentar um corpo cada vez mais magro, transformando jovens saudáveis em belezas esqueléticas, atingindo a magreza em seu nível excessivo e prejudicial à saúde.
Lembro-me, com certa melancolia, da morte da cantora Karen Carpenter que, juntamente com seu irmão, formou o grupo The Carpenters. Considerada uma das vozes mais envolventes, principalmente quando entoava Close to you, começou a fazer dietas obsessivas e desenvolveu anorexia nervosa, vindo a falecer aos 32 anos, no auge da fama.
Há um consenso na literatura mundial de que a mulher mais bonita é Anna Karenina, personagem do autor russo Leon Tostoi. De tão formosa, fazia as pessoas perderem a fala. Para o nosso lado, com o suor e a cor indígena, José de Alencar pintou Iracema como a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. Bonita e misteriosa, Capitu foi descrita por Machado de Assis com olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Beleza é fundamental, cantava Vinicius de Morais, com as escusas devidas às mulheres não portadoras do predicado. Nenhuma delas, no entanto, somando-se a elas a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, apresentava-se magra, ou melhor, magérrima, ou com preocupação de delineamento perfeito de glúteos, como a exigência atual.
Tanto a cirurgia plástica reparadora como a estética encontram amparo legal e gozam da segurança jurídica necessária, desde que realizadas por médicos especializados, com a participação de anestesistas, equipe de enfermagem e fisioterapia, em clínicas ou hospitais bem estruturados. O bem-estar físico integra o círculo protetivo da dignidade da pessoa humana, fundamento da norma constitucional, e faz ver que os benefícios com o corpo e a alma trazem dividendos significativos, um verdadeiro e sublime estado de subjetivação da autoestima.
Urge, desta forma, pelo menos como medida salutar, uma severa fiscalização nos sítios de propaganda que divulgam e estimulam os procedimentos em busca da beleza corporal perfeita, abusando da boa fé das pessoas interessadas. A estética não pode sobrepujar a ética. O belo não pode contrariar o saudável. A natureza é a responsável pela criação da beleza. J. Goethe, escritor alemão, que se dedicou a escrever poesias e peças de teatro, enfatizava que "o belo é a manifestação de leis secretas da natureza, que, se não se revelassem a nós por meio do belo, permaneceriam eternamente ocultas". A poesia e a música suplicam pelo belo em seu estado original e não podem ficar sem suas musas inspiradoras.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp e advogado.