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Relato do julgamento dos recursos especiais repetitivos que tratam do artigo 1.015 do CPC/15 pela Corte Especial do STJ

Natalia Peppi Cavalcanti e Luiza Mendonça

A ministra Maria Thereza pediu vista antecipada dos autos. Todos os demais ministros aguardarão a retomada do julgamento.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 17:57

A Corte Especial do STJ retornou aos trabalhos quarta-feira, 1º/8, julgando recurso repetitivo de grande importância. Pela primeira vez, em julgamento por recurso repetitivo afetado à Corte Especial, o Código de Processo Civil passa pela análise do STJ.

Os recursos especiais REsp 1.704.520 e REsp 1.696.396, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, afetados como repetitivos (Tema 988), dizem respeito à possibilidade de o artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 receber interpretação extensiva para admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória sobre hipóteses que não estejam previstas no rol taxativo, expressamente.

Os recursos repetitivos contam com a participação de amici curiae admitidos nos autos: União, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Direito Processual - ABDPRO, Instituto Brasileiro de Direito Processual e a Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo- ANNEP, que puderam sustentar oralmente na sessão de julgamento.

O voto da ministra Relatora Nancy Andrighi:

A ministra iniciou o julgamento da controvérsia analisando a divergência doutrinária e jurisprudencial posta. Alega que objetivo do CPC/15, pela própria exposição de motivos, era a simplificação e o desestímulo de questões incidentais antes da ocorrência da sentença, possibilitando a discussão em sede de apelação. Diante disso, a ministra analisa três correntes doutrinárias:

1) O rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado taxativamente. Essa convicção está fundada no fato de que teria havido uma consciente opção legislativa pela enunciação taxativa, bem como que as partes não poderiam ser surpreendidas pela preclusão, ao terem seguido a taxatividade. A taxatividade teria tido amparo dessa Corte, no sentido de que não seria possível o alargamento de hipóteses não previstas no rol, além de que as decisões relativas à competência, bem como discussões em torno de provas estariam fora das hipóteses previstas pelo art. 1.015.

2) O rol é taxativo, mas pode ser interpretado extensivamente ou por analogia. Uma parcela considerável da doutrina tem sustentado que, a despeito do rol do art.1.015 ser taxativo, nada impede que as hipóteses nele contidas possam ser objeto de interpretação extensiva ou analógica. Assim, cada um dos incisos deve ser interpretado de forma não literal, de modo a acomodar situações próximas ao que está previsto. Essa corrente tem sido acolhida por parcela expressiva da doutrina. No mesmo sentido, há recentes julgados do STJ, os quais apontam ser cabível recurso imediato de decisão sobre prescrição e decadência ou hipótese de pedido suspensivo em embargos de declaração. Ademais, esse foi o entendimento defendido pela maioria das entidades que ingressaram como amicus curiae, além do Ministério Público.

3) O rol do art. 1.015 é exemplificativo, admitindo-se recurso fora das hipóteses de cabimento previstas. Essa corrente defende que o rol é puramente exemplificativo, de modo que em determinadas situações a recorribilidade deve ser imediata, mesmo que não conste no rol e que não possa ser extraída de maneira extensiva ou analógica. Ela deve ser analisada sob a ótica do interesse recursal.

Para a ministra, são essas as conflitantes posições doutrinárias e as controversas decisões que deverão ser definidas pela Corte Especial do Superior Tribunal.

A ministra continuou o voto expondo algumas conclusões preliminares: 1) a majoritária doutrina se posicionou no sentido de que o legislador foi infeliz com um rol exaustivo. 2) O rol é insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes. 3) Deve haver uma via processual sempre aberta para que questões que possam causar prejuízos às partes sejam recorridas de imediato. 4) O mandado de segurança vem sido utilizado como sucedâneo recursal e não é meio próprio para ventilar questão interlocutória. 4) Qualquer que seja a interpretação dada por essa corte terá aspectos positivos e negativos. 5) Se por ventura, essa corte se posicionar favoravelmente ao cabimento de agravo de instrumento fora das hipóteses do art. 1.015, é necessária modulação.

Passa, então, a analisar a natureza jurídica do artigo em debate. Destaca que a regra do art. 1.015 não pode ser interpretada como uma ilha oceânica fora do sistema jurídico. Por se tratar de ramo do direito público, o direito processual deve ser lido e interpretado à luz da Constituição. Dessa forma, andou bem o legislador ao determinar capítulo de normas fundamentais do direito processual com função eminentemente pedagógica.

O legislador pretendeu restringir o recurso de agravo, conclusão que não pode ser afastada. Ocorre que o estudo da história do direito processual revela que um rol que pretende ser taxativo não abarca todas as situações que deve conter. A realidade supera a ficção. Foi o que aconteceu no CPC/39, duramente criticado pela doutrina, nesse particular, em toda a sua existência. Não é rara a existência de situações recorríveis de imediato que causaram prejuízo às partes quando postergadas. Nesse sentido, são criadas anomalias, como a impetração de mandados de segurança para essa questão.

A Corte deve estabelecer a interpretação que melhor esculpe a razão de ser do dispositivo e os valores do sistema jurídico. O legislador claramente fez opção política de restringir as hipóteses do agravo de instrumento. Ele é cabível em situações de urgência, sendo este o elemento que deve nortear as decisões fora das hipóteses do art. 1.015. Conforme direito comparado dos EUA, França e Alemanha, deve ser recorrido de imediato as hipóteses em que a espera da decisão final puder causar dano irreparável entre as partes.

A urgência é justificada pela inutilidade do julgamento diferido. Esse pilar deve ser examinado, ainda, em conformidade com a mais contemporânea concepção do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que passa a incorporar o direito à tutela jurisdicional e o acesso à Justiça.

Diversos são os exemplos de situações urgentes não contempladas pelo legislador, sendo emblemática a decisão que indeferir a decretação de segredo de justiça. Imagina-se que a parte necessite que certos fatos relacionados à sua intimidade tenham que ser expostos na prestação jurisdicional. É imprescindível que seja decretado segredo de justiça, tratando-se de medida irreversível do ponto de vista fático. No entanto, se este fosse indeferido, seria irrecorrível de imediato, momento em que a prestação jurisdicional seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido expostos pela publicidade. Portanto, nesse caso, a urgência é evidente.

Veja-se, ademais, que, nesse caso, uma interpretação extensiva ou analógica não seria sequer possível, pois não há hipótese de segredo de justiça já elencada no art. 1.015. Tudo isso leva à conclusão de que não é possível enunciar de antemão as hipóteses de urgência. A urgência e a inutilidade de decisão futura devem ser analisadas também à luz de concepção progressista. Se o pronunciamento jurisdicional se exaurir de plano, é imprescindível que a matéria seja reexaminada imediatamente. Não é crível que o processo prossiga perante juiz incompetente por longo período e, só após apelação, seja reconhecida a competência.

Todavia, uma parte considerável da doutrina, vislumbra a possibilidade de cabimento de agravo de instrumento de forma extensiva e analógica em relação aos incisos já previstos no art. 1.015. A ministra entende que a questão da competência e a hipótese da arbitragem do inciso III são situações ontologicamente diferentes. É mais adequado reconhecer o cabimento de agravo de instrumento pelas normas fundamentais, sobretudo, a urgência e a inutilidade/invalidade dos atos já praticados. Entende que não é razoável o aguardo da apelação.

Conclusão: a definição do art. 1.015 como rol de taxatividade deve ser mitigada. Como se percebe, o entendimento exposto pretende, incialmente, afastar a taxatividade decorrente de interpretação restritiva, por ser incapaz de tutelas situações que poderão causar sérios prejuízos. De igual modo deve ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica, pois, além de não haver parâmetro minimamente seguro quanto aos limites que deverão ser observados de cada conceito, texto ou palavra, o uso dessa técnica hermenêutica não será suficiente para abarcar todas as questões que devem ser reanalisadas de imediato - ex. segredo de justiça. Finalmente, não deve ser acolhido entendimento de que o rol é meramente exemplificativo, pois este ocasionaria repristinação, contrariando o desejo manifestado pelo legislador.

A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objeto como a urgência, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora das hipóteses do art. 1015, independentemente de interpretação extensiva ou analógica. Não há que se falar em desrespeito à consciente escolha política legislativa, mas sim em interpretar o dispositivo em conformidade com o legislador e em situações que realmente não podem aguardar rediscussão futura. Trata-se de reconhecer que o rol do art. 1015 possui uma mitigação, clausula especial de cabimento.

Preclusão: preocupação em virtude de sua correlação com o regime de preclusões diferidas do novo CPC. Não há dúvida que o novo CPC alterou o regime de preclusões. As questões não abarcadas pela preclusão restam imunes até o momento da apelação. Diante desse cenário, faz sentido a preocupação externada pela doutrina, tendo em vista que a intepretação fora das hipóteses do art. 1015 rompe com essa nova lógica da preclusão. Esse problema, todavia, sequer se verifica se for adotada a teses jurídica da taxatividade mitigada pelo requisito da urgência. Admitindo-a em caráter excepcional, não haverá que se falar em preclusão de qualquer espécie, não haverá preclusão temporal. A tese jurídica proposta não visa prolongar o prazo, mas antecipá-lo, sendo a apelação o termo final para a impugnação. Também não haverá preclusão consumativa. O cabimento na hipótese de haver urgência está sujeito ao duplo juízo de conformidade, um da parte que interporá o recurso e o outro do tribunal que reconhecerá o exame de juízo positivo de admissibilidade. Somente nesta última hipótese, a questão estará acobertada pela preclusão.

Para proporcionar a segurança jurídica, a decisão deve ser modulada em face de regime de transição. O art. 23 das normas de transição expressamente prevê a possibilidade de modulação. Portanto, a tese aqui definida somente incidirá para as decisões interlocutórias após a publicação do acórdão.

Questão do descabimento do mandado de segurança como sucedâneo recursal. O mandado de segurança contra ato judicial é uma anomalia, além de implicar na inauguração de uma nova relação jurídica. Trata-se de técnica de correção contraproducente, tendo em vista que há meio disponível para que se promova reexame das decisões interlocutórias excepcionais, que é o agravo de instrumento.

Análise do caso concreto: é induvidoso que, em relação a competência, e, diante de tudo que se expôs, o agravo de instrumento deva ser conhecido, sob pena de ser infrutífero o exame da questão posteriormente, sobretudo por se tratar de questão de competência absoluta. No entanto, nesse agravo de instrumento não se verifica a urgência.

Forte nessas razões, a relatora conhece o repetitivo e fixa as seguintes teses: (i) o rol é de taxatividade mitigada e, por isso, permite agravo de instrumento quando verificada a urgência em razão da inutilidade da decisão da apelação; (ii) A tese jurídica se aplica às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão.

A ministra Maria Thereza pediu vista antecipada dos autos. Todos os demais ministros aguardarão a retomada do julgamento.

Enquanto isso, toda a comunidade jurídica aguarda ansiosamente pelo melhor desfecho da controvérsia.
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*Natália Peppi Cavalcanti é advogada do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

*Luiza Mendonça é colaboradora do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

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