Entrega voluntária de recém-nascido
Trata-se de uma solução legal e, principalmente, humana, sedimentada nos princípios norteadores do direito menorista que preza, acima de tudo, a proteção integral à criança.
domingo, 22 de julho de 2018
Atualizado em 25 de setembro de 2019 17:11
É até comum, de quando em quando, a imprensa noticiar que uma mãe abandonou o filho logo após o parto, muitas vezes até em condições de difícil sobrevivência. É inevitável a censura a tal comportamento, mas fica no ar a indagação de que, se não optasse pelo nascimento, poderia ter praticado o aborto ou, após o nascimento, sob a influência do estado puerperal, o infanticídio. Não se pode concluir, portanto, que a parturiente não deseja o nascimento do filho, uma vez que venceu todas as etapas, desde a concepção até o nascimento com vida. E se fosse perscrutar seu interior para desvendar sua vontade, acredito que a única resposta seria que alguém encontrasse o bebê e desse a ele a necessária acolhida.
Acontece que, algumas vezes, a mulher está despreparada para a maternidade, outras não tem condições financeiras para suportá-la, somando-se a elas o abandono do pai da criança, sem falar ainda do medo e do temor dos familiares, para quem procura de todas as formas esconder a gravidez. É justamente diante de tal situação que vários seguimentos sociais foram canalizando debates para buscar soluções minimizadoras de situação tão delicada. Chegou-se a cogitar em projeto de lei a opção de a mulher grávida, que não deseja a criança após o nascimento, deixá-la no hospital ou posto de saúde por determinado prazo, período em que poderia ser reivindicada por ela ou por qualquer parente biológico. Findo o período, a criança seria encaminhada à adoção, preservando os nomes dos responsáveis pela identidade genética. Quer dizer, o registro seria lavrado a posteriori, em nome dos adotantes.
Não vingou tal proposta.
A lei 13.509/17, no entanto, alterou a lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e, dentre outros temas, dispõe sobre a entrega voluntária de crianças, conforme explicitado no artigo 19-A: "A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude". Referida alteração veio a suprir a lacuna existente até então e reservar um espaço para que a mãe possa decidir com segurança, embora não haja ainda uma divulgação ou até mesmo uma orientação mais concentrada a respeito da opção legal agora apresentada. Muitas mães pensam que ao entregar a criança para a justiça estarão cometendo um crime, o que não é verdade. Pelo contrário, demonstra senso de responsabilidade em procurar um local seguro e que irá proporcionar ao recém-nascido o amparo necessário.
Feita a manifestação, a mãe será encaminhada à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado. Se não houver a indicação do genitor e se ninguém da família extensa pretender receber a guarda, o juiz decretará a extinção do poder familiar e determinará a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.
Trata-se de uma solução legal e, principalmente, humana, sedimentada nos princípios norteadores do direito menorista que preza, acima de tudo, a proteção integral à criança, compreendendo a melhor proposta para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. O que está em jogo e merece a tutela imediata é a situação de vulnerabilidade da criança. Por outro lado, contempla os interessados na adoção, que já foram selecionados e julgados aptos para assumir relevante encargo.
Pode-se dizer, de forma paradoxal, que a entrega do filho a uma instituição que se encontra aparelhada, com profissionais e técnicos competentes para o assunto, contando com a intervenção dos representantes do Ministério Público e da Magistratura, vem a ser uma atitude até responsável da mãe, revelando seu interesse em proporcionar ao recém-nascido melhores condições de vida. É um verdadeiro ato de amor, embora com requintes de absurdo. É melhor assim do que abandoná-lo clandestinamente, em condições indignas e subumanas.
Apesar da novatio legis abrir um caminho que seja o recomendável, há necessidade de se fazer a divulgação para que a proposta possa deslocar-se em múltiplas direções e atingir seus nobres objetivos.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp e advogado.