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O que faremos com nossos 52%?

Alguns números mostram que a desigualdade afeta drasticamente o universo feminino, o que significa que as lutas femininas ainda não chegaram ao fim.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 16:57

O presente artigo não tem preocupação partidária, possui somente a intenção de gerar reflexões às mulheres com relação ao nosso papel nas eleições que estão por vir. Em que pese as mulheres sejam um grupo minoritário em razão da persistente desigualdade de direitos, em números quantitativos representamos a maioria do eleitorado brasileiro em 2018 - somos 52%, conforme divulgado recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral.

 

O mesmo estudo, contudo, destaca que há uma desproporção entre o número de candidatas mulheres ao número de mulheres politicamente ativas no Brasil (aptas a votar e a serem votadas).

 

A referida desproporção ocorre pois, lamentavelmente, há candidaturas de "laranjas" com a exclusiva finalidade de os partidos atenderem ao número mínimo de candidaturas femininas prevista por lei.

 

De acordo com dados de 2017 da Global Gender Gap Report, no ranking mundial de valoração de desigualdades entres homens e mulheres, o Brasil está em 79.º (dentre os 144 países objeto de análise). Os indicadores de desigualdades avaliados são: participação política, participação econômica e, o acesso à educação. Quanto à participação política, o Brasil está em 84.º lugar no ranking internacional.

 

Veja-se que o número minoritário de mulheres na política - representando os interesses femininos - preocupa em razão do equilíbrio da democracia, ou seja, da ausência de candidatas mulheres representando interesses femininos.

 

Isso porque é função da democracia assegurar o exercício de participação dos indivíduos por meio do voto (mas não só dele), na tomada de decisões quanto: ao que será legislado, à garantia de direitos, às políticas públicas que serão adotadas, entre outros.

 

Isso não significa dizer que não há homens que possam representar os interesses das mulheres na qualidade de seus representantes dentro da política, mas sim que há um déficit na legítima representatividade dos interesses femininos e sabemos que estes interesses nem sempre serão iguais aos dos homens.

 

Aqui vale um exemplo simples sobre representatividade: há candidatos da bancada ruralista representando os interesses dos ruralistas; há candidatos da bancada cristã em defesa dos interesses dos cristãos; há candidatos representando interesses de classes profissionais também (médicos, advogados, engenheiros, entre outros). É a representatividade (número de candidatos eleitos) que possibilita votar leis em favor de cada uma das referidas categorias.

 

Nesta linha ficam as perguntas: quem melhor saberá compreender quais são os interesses das mulheres e lutar por eles senão as próprias mulheres? Na atualidade quais são as lutas das mulheres?

 

No que diz respeito às lutas femininas e conquistas de direitos, é válido destacar um histórico de algumas delas: em 1879 houve a garantia do direito de ingresso das mulheres em faculdades; em 1932 o Código Eleitoral garantiu o direito da mulher votar e ser votada; em 1940 o Código Penal deixa de punir o aborto nas hipóteses exclusivas de gerar risco à vida da gestante e quando a gestação for resultante de estupro; em 1942 o "desquite" foi legitimado pela alteração do Código Civil de 1916, tornando possível a separação de um casal, sem, contudo, possibilitar o divórcio; em 1962 entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada, que valorizava o papel da mulher dentro da família, retirando-a da condição de "incapaz" imposta pelo Código Civil de 1916, houve a permissão de que a mulher pudesse trabalhar sem a autorização do cônjuge, possibilitando que a mãe obtivesse a guarda dos filhos, após o desquite; em 1977 instituiu-se o divórcio no Brasil, ainda que com a permissão de que cada pessoa só pudesse se divorciar uma única vez; em 1979 o Brasil passou a ser signatário da Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; em 1988 foi promulgada nossa atual Constituição, enaltecendo a igualdade de gêneros; em 1994 a primeira legislação garantindo direitos à companheira em união estável (alimentos e herança); em 1995 houve determinação de que ao menos 20% das vagas dos partidos ou coligações fossem preenchidos por candidatas mulheres, percentual que foi posteriormente majorado para 30% em 1997; o Código Civil de 2002, seguindo a diretriz da Constituição Federal, fez previsões quanto igualdade de direitos entre homens e mulheres (principalmente nas relações familiares e quanto ao exercício da autonomia); em 2006 foram criados mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, pela lei Maria da Penha; em 2015 foi sancionada a Lei do Feminicídio, colocando a morte de mulheres no rol de crimes hediondos.

 

Sem dúvidas, houve avanços nos direitos das mulheres, contudo, ainda estamos longe da efetiva conquista da igualdade de gêneros. Alguns números mostram que a desigualdade afeta drasticamente o universo feminino, o que significa que as lutas femininas ainda não chegaram ao fim.

 

Segundo pesquisa divulgada recentemente do IBGE (relativa ao período 2012 a 2016), em média, as mulheres ainda ganham 76,5% dos rendimentos dos homens, apesar de trabalharem três horas por semana a mais (na combinação trabalho remunerado, atividades domésticas e cuidados com familiares). As mulheres negras detêm ainda salários inferiores que as mulheres brancas e continuam a exercer cargos profissionais inferiores.

 

A violência contra a mulher é representada por números preocupantes, segundo o mapa da violência (divulgado em 2015), de 2007 a 2013 houve um aumento de 23,1% do feminicídio no Brasil.

 

No último ao analisado pela pesquisa referida (2013): houve um total de 4.762 mulheres que sofreram agressões registradas - 13 mulheres vítimas diárias de agressão física; destas mulheres 2.394 (50,3%) faleceram - 6 mulheres mortas ao dia; e 1.583 (33,2% do total dos homicídios) dessas mulheres foram mortas por seus familiares, incluindo parceiros e ex-parceiros - 4 mulheres ao dia assassinadas por familiares.

 

Conforme já exposto, há uma deficiência na representatividade feminina na política nacional. Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a participação política ainda é mínima: dos 513 deputados federais em exercício apenas 53 são mulheres e entre os 81 senadores em exercício 12 são mulheres.

 

Portanto, nós não podemos esquecer de nossa representatividade quantitativa nas próximas eleições: somos 52% do eleitorado. Devemos ter em pauta o combate à desigualdade de gênero e, mais, buscar candidatos/candidatas que representem nossos interesses e prioridades, sem esquecer da desigualdade salarial e a violência contra a mulher.

 

Para além disso, temos de refletir quanto aos possíveis retrocessos que estão latentes nas propostas e discursos de alguns candidatos.

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*Diana Geara é advogada do Escritório Professor René Dotti.

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