A eficácia persuasiva dos precedentes do CPC/15 e a inconstitucionalidade de algumas normas com caráter vinculante insertas no novo código
Trata-se da exata compreensão de não haver vinculação obrigatória de algumas normas inseridas no novo códex, concernente aos denominados precedentes judiciais, compreendidas entre os artigos 927 a 1.040, do CPC/2015, devido à ausência de autorização constitucional.
terça-feira, 17 de julho de 2018
Atualizado em 22 de setembro de 2022 13:37
O CPC/15 (lei 13.105/15), em vigência desde 18/3/16, impingiu uma valorização da jurisprudência para fomentar os tribunais a uniformizar, mantendo estável, íntegra e coerente a sua jurisprudência, criando em seguida, uma vinculação que lhe dê mais garantia, mais segurança para a sociedade de conhecer os pontos de vista, os entendimentos que predominam no âmbito dos tribunais.
No entanto, o ordenamento jurídico pátrio adotou o sistema do civil law, em que o precedente judicial interpreta em geral papel de cunho persuasivo (persuasive authority).
A jurisprudência derivada dos tribunais superiores, possui a função de orientar e de nortear a interpretação da lei pelos juízos inferiores, mas não necessariamente obriga que se adote o mesmo entendimento, sob pena de ser renegado ao magistrado o princípio do livre convencimento motivado, não obstante não haver no CPC/15 dispositivo de exata correspondência com o art. 131, do CPC/73, o que tem levado alguns doutrinadores a sustentar que não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro o citado princípio, o que discordamos, data venia.
Por sua vez, o direito jurisprudencial não tem o condão de surtir efeitos vinculantes, tanto que se verifica com frequência os casos em que questões jurídicas semelhantes geram decisões distintas, porque proferidas por diferentes sujeitos ou órgãos judicantes.
Tradicionalmente, nos sistemas de common law, provenientes do direito inglês e norte-americano, em que prevalece o direito casuístico, o precedente judicial assume função diferente daquela que exerce nos sistemas de civil law, provenientes da tradição romano-germânica, em que predomina o direito codificado. Na common law, o precedente judicial tem, em regra, papel vinculante, coercitivo (binding authority); na civil law, pelo contrário, o precedente judicial interpreta em geral papel de cunho persuasivo, de valor moral (persuasive authority).
No direito contemporâneo, é inegável a iteração entre os sistemas de civil law e do common law, abstraídas as peculiaridades de cada um dos sistemas suso mencionados, que não serão objeto do presente artigo.
Contudo, torna-se imperioso se atentar para o papel persuasivo da jurisprudência. Assim, note-se que, nos ordenamentos codificados, é indubitável a constante tendência de os juízes aterem-se aos precedentes na fundamentação da ratio decidendi.
A ratio decidendi de uma decisão judicial é a parte vinculante de um precedente. Todavia, não se trata de uma vinculação em termos de efeitos processuais, como a coisa julgada. Trata-se de uma vinculação argumentativa, do reconhecimento de que um juiz ou tribunal devem prestar contas ao fundamento de um precedente relevante quando for decidir sobre assunto correlato.
Dessarte, o presente artigo propõe-se a analisar de forma sistemática o papel e a influência do precedente judicial no ordenamento jurídico brasileiro, à luz da legislação infraconstitucional vigente, com a finalidade de conferir relevância ao precedente e de uniformizar a jurisprudência, sob a pretensa justificativa de garantir maior isonomia e segurança jurídica aos jurisdicionados.
2 Os precedentes "qualificados" instituídos equivocadamente pelos tribunais superiores
Assevera-se, inicialmente que, os incisos III, IV e V, do art. 927, o § 3º, do art. 947, o § 2º, do art. 987, e o inciso III, do art. 1.040, todos do NCPC, são inconstitucionais, por ausência de técnica legislativa adequada, como será devidamente abordado no tópico subsequente.
Desta feita, o STJ adotou postura que, com fundamento equivocado nos incisos III e IV, do art. 927, do CPC/15, editou a Emenda Regimental 24, em 28/9/16, incluindo em seu próprio Regimento Interno, os denominados "Precedentes Qualificados", ex vi do art. 121-A, que preceitua o seguinte:
Art. 121-A. Os acórdãos proferidos em julgamento de incidente de assunção de competência e de recursos especiais repetitivos bem como os enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça constituem, segundo o art. 927 do Código de Processo Civil, precedentes qualificados de estrita observância pelos Juízes e Tribunais"1.
No mesmo sentido equivocado, o TST também, com base nas premissas instituídas no CPC/15, aprovou a IN 39/16, editada pela Resolução 203, de 15/3/162.
Entretanto, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, no STF, em 4/5/16, objetivando a declaração de inconstitucionalidade formal e material da precitada instrução normativa, requerendo o deferimento de medida liminar para o fim de que seja suspensa a eficácia de tal instrução normativa, com efeito ex nunc3.
A Procuradoria Geral da República apresentou a sua manifestação em 13/9/16 e o processo se encontra concluso com o ministro relator Ricardo Lewandowski, desde o dia 14/9/16, à espera de julgamento pelo Plenário da Suprema Corte de Justiça.
Com efeito, diante do fato de que a qualquer momento, a aludida ação direta de inconstitucionalidade poderá ser julgada, faz com que seja possível investigar de que maneira a manutenção das posturas do STJ e do TST poderão influenciar, ainda, mais negativamente a imagem que o Judiciário vem obtendo da sociedade e dos operadores de direito nos últimos tempos.
Por conseguinte, a estratégia será analisar detidamente de que forma a jurisprudência posterior ao julgamento a ser, ainda, realizado pelo STF será atingida.
Por fim, os impactos que as futuras decisões semelhantes à referida serão recepcionadas pela coletividade a ponto de, gerar uma reação prontamente adversa ao desempenho do Judiciário como um todo.
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1 STJ. Emenda Regimental 24, de 28/9/16.
2 TST. Instrução Normativa 39/16, editada pela Resolução 203, de 15/3/16.
3 STF. ADIN 5.516-DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Conclusos ao relator em 14/09/2016.
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*Rodrigo Silva Alves é especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e advogado militante nas áreas cível e empresarial.