Agravo interno, recurso especial e processo penal
Efetivamente, antes do novo Código, a matéria dos recursos excepcionais era disciplinada pela mencionada lei extravagante, e não mais pelo CPC/73, nem pelo CPP.
terça-feira, 17 de julho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:36
Antigo e sumulado entendimento do STF, que fazia, para fins de recurso e seu respectivo prazo de interposição contra decisão de relator, distinção entre matéria cível e criminal, vem sendo reeditado com relação à interposição de agravo contra decisão de relator no STJ, em apelo manifestado a propósito de pronunciamento de presidente ou vice-presidente de tribunal no sentido da inadmissão de recurso especial para esse tribunal superior, quando se tratar de feito criminal.
Posto a previsão do vigente CPC para o caso seja a de um novo recurso - o agravo interno (na legislação processual civil revogada o meio de impugnação utilizável era dito simplesmente agravo) - , cabível de decisão do relator contra o atualmente denominado agravo em recurso especial (e não mais o agravo nos próprios autos, em que, antes, já havia se transformado o anterior agravo de instrumento), a antiga distinção entre matéria cível e matéria criminal está de volta. Agora, porém, sem amparo jurídico.
Assim é que o STF já se pronunciou (em pedido de reconsideração no hc 134.554), no sentido de que o recurso contra o ato de relator tem o prazo de 5 (cinco) dias (agravo previsto na lei 8.038/90), em se tratando de causa criminal.
Abordamos a matéria em recente memorial, de que passamos a reproduzir a parte pertinente, elaborada em estilo mais conciso, sem notas.
Eis o texto:
1. Razão primeira deste memorial é a suposta intempestividade do agravo interno em questão, levantada por recorridos.
Com efeito, não tem base jurídica alguma a alegação que o prazo para o agravo interno - que é de 15 (quinze) dias, e também assim para a resposta - seria, no caso, de 5 (cinco) dias apenas, como disposto no artigo 39 da lei 8038/90, por cuidar de matéria penal o recurso especial antes interposto.
Ora, para começo de exposição, vale lembrar que a lei citada não faz qualquer menção a - agravo interno.
Nem poderia fazê-lo, já que esse recurso não existia na época, criado que foi - e com nome próprio - pelo novo CPC, de 2015 (arts. 1.021 e seguintes), único diploma legal que, hoje, disciplina o recurso especial.
2. Demais disso, o "agravo" (tout court), previsto na citada lei de 1990, art. 39, refere-se a "decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à parte", enquanto o novel agravo interno é recurso específico contra decisão de relator em apreciação a agravo em recurso especial ou em recurso extraordinário.
3. De mais a mais, não seria adequado buscar naquela lei recurso de menor prazo para a impugnação da inadmissão de recurso especial - caso dos autos -, quando é certo que o CPC/15, art. 1070, diz que "o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou regimento interno, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal, será sempre de 15 dias".
4. A abrangência da regra jurídica citada é tão ampla que, sem dúvida, alcança leis extravagantes, vez que todo e qualquer prazo para a interposição de qualquer agravo, qualquer que seja sua modalidade, contra decisão de relator, será o de quinze dias, de modo que também esse seria, agora, o prazo do agravo do invocado art. 39 da mencionada lei de 1990, se fosse ele o recurso cabível, na atualidade, da decisão de relator denegatória de seguimento do recurso especial.
5. Cumpre ter presente que, na espécie, o agravo interno é vinculado a agravo em recurso especial, sendo que as disposições do novo CPC que o disciplinam cuidam também de casos de seu cabimento. Assim, seria incoerente buscar no CPC os casos de cabimento, mas desprezar, para dar lugar a outro, o agravo interno, que é o recurso agora previsto para as hipóteses de desacolhimento de agravo em recurso especial.
6. Não seria exagerado dizer que o entendimento hostilizado lembra muito a odiosa "jurisprudência defensiva" (responsável pelo aumento da utilização de recursos, de outro modo desnecessária), não fosse ele esposado pelo Supremo Tribunal Federal, que vem fazendo, para tanto, uma estranha distinção, para fins recursais, entre processos de natureza criminal, em que o prazo para a interposição do agravo continuaria a ser de 5 (cinco) dias), e os processos de natureza civil, com o prazo de 15 (quinze) dias.
7. Ora, semelhante distinção não era feita pela aqui já muito citada lei de 1990, quando era por ela - em parte agora inteira e expressamente revogada pelo CPC/15 - regulados os recursos especial e extraordinário, sem qualquer distinção entre feitos cíveis ou criminais.
8. Vale considerar, ainda, que, por ocasião da vigência integral daquela lei, o não acolhimento do agravo interposto contra a inadmissão no tribunal local de recurso especial não era impugnável com fundamento no ainda vigente art. 39 da lei 8038/90, mas, sim, a despeito da existência dele, com base em outro dispositivo legal, específico para a hipótese, que era o § 5º do art. 28 mesma lei 8038/90 - que fazia parte das disposições sobre os recursos especial e extraordinário -, agora revogada pelo novo CPC. Esses recursos excepcionais não comportam atualmente diversificação procedimental.
9. Por isso mesmo, nada importa não ter sido revogado o art. 39 da lei em questão. Continua ele tendo serventia para obviar gravames em habeas corpus nos tribunais e em recurso ordinário em matéria criminal.
10. E assim é que, diante da revogação expressa dos dispositivos da lei 8.038/90 sobre o procedimento dos recursos especial e extraordinário, inclusive quanto aos eventuais recursos, e à vista do que dispõe o art. 3º do CPP, não se pode duvidar de que a disciplina daqueles recursos constitucionais, igualmente quanto a eventuais impugnações, é, agora, a do CPC, quer se trate de matéria cível, quer de matéria penal.
11. Sobre essa interessante matéria a respeito do agravo interno em recursos especial e extraordinário no processo penal, publicaram excelente artigo, no n. 82 (de 2018), p. 5 a 30, da revista Magister (Direito Penal e Direito Processual Penal), que acaba de ser posto em circulação, o mestrando Daniel Ferreira de Melo Belchior e o Prof. Marcellus Polastri Lima, da UFES-Universidade Federal do Espírito Santo.
12. Por último, não seria demasiado lembrar que a contagem do prazo, para o agravo interno, é em dias úteis (art. 212, NCPC). Isso não só porque se trata de matéria regida pelo CPC, mas também porque o recurso de agravo é disciplinado pelo mesmo Código.
Fechada a transcrição, e voltando à informação inicial, poder-se-ia indagar: qual "o x do problema" que poderia, realmente, remover qualquer dúvida quanto às conclusões acima? Em verdade, ele existe: é o fato de ter ocorrido a revogação expressa de certos dispositivos da lei 8.038/90 pelo CPC/15.
Efetivamente, antes do novo Código, a matéria dos recursos excepcionais era disciplinada pela mencionada lei extravagante, e não mais pelo CPC/73, nem pelo CPP. Desse modo, se o CPC agora em vigor não tivesse revogado expressamente os dispositivos aplicáveis, teria ocorrido sua derrogação tácita diante da nova disciplina legislativa da matéria. Ou por outra, ficariam sem aplicação as regras anteriores ao novo CPC. Por outras palavras, para os recursos em matéria não penal, prevaleceriam as novas regras. Para os recursos referentes a matéria criminal, porém, incidiriam as normas da lei de 1990 por suposição não revogadas.
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*José Barcelos de Souza é professor titular da Faculdade de Direito da UFMG, aposentado. Membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.