Habeas Corpus e problemas na hierarquia
A formalidade, prevista no Código de Processo Penal e na Constituição Federal, não pode ser atropelada por mero entendimento político, ela existe para garantir a todos os indivíduos um processo equilibrado.
terça-feira, 17 de julho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:27
Surgiu, neste final de semana, mais um contributo ao definhamento e à incompreensão do habeas corpus, novamente protagonizado pelo Judiciário: a relativização do Plantão Judicial e da soberania das decisões proferidas nele.
A importância desse expediente diferenciado é inquestionável. Sua existência é o resultado da coexistência entre o acesso à justiça e a duração razoável do processo1, já que são submetidas a análise demandas que, pela própria natureza, exigem urgência de resposta. Essas demandas, vale destacar, não estão limitadas à matéria penal/processual penal, estão inclusas na pauta, também, questões cíveis. Podemos verificar isso na resolução 127/17, do próprio TRF 4 (tribunal do qual surgiu a polêmica recente), notadamente no art. 3º, "a":
a) pedidos de habeas corpus e mandados de segurança em que figurar como coator autoridade submetida à competência jurisdicional do magistrado plantonista.2
Não há espaço para questionar a legitimidade da decisão do desembargador Favreto: o magistrado foi indicado pelo TRF 4 para exercer Jurisdição naquele final de semana, estando dentre as suas atribuições julgar pedidos de habeas corpus e mandados de segurança. Ademais, sendo Sérgio Moro a autoridade coatora indicada, portanto, um juiz hierarquicamente submetido à jurisdição do TRF, todos os requisitos para a apreciação do HC impetrado em favor do ex-presidente estavam cumpridos.
Está-se diante de uma matéria muito frágil no Processo Penal: a Formalidade Processual como garantia. Sem a Forma, não há razão para a existência do Processo Penal e, por consequência, de boa parte da Constituição. Não se pode, ao mesmo tempo, absolver/soltar ou condenar /render sem o Devido Processo Legal. O desenvolvimento natural do julgamento do Habeas Corpus de Lula seria a) ofício à autoridade coatora para que, tão somente, preste informações; b) a notificação do MPF, para que, na qualidade de fiscal da lei, se manifeste sobre o alegado constrangimento ilegal; c) e inclusão do caso para julgamento colegiado pelos desembargadores competentes.
O despacho do juiz Sérgio Moro atropelou completamente a sequência lógico-legal do julgamento de um habeas corpus, sem contar que confrontou totalmente a estrutura do Judiciário, constituída de uma hierarquia rígida exatamente para que haja segurança jurídica e pluralidade no exercício da jurisdição. Sem esses elementos, não há como garantir a existência do estado democrático de direito.
O que se discute aqui não é o mérito do habeas corpus e nem se a autoridade coatora estava correta ou não, mas sim a forma pela qual a liminar foi recebida pelas autoridades. A formalidade, prevista no Código de Processo Penal e na Constituição Federal, não pode ser atropelada por mero entendimento político, ela existe para garantir a todos os indivíduos um processo equilibrado.
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1 Art. 5º, XXXV e LXXVIII, respectivamente, ambos da Constituição Federal.
2 A Resolução 71/2009, do CNJ, é o paradigma maior nessa matéria, sendo evidente que a resolução do TRT 4 acompanha o conteúdo do Conselho.
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*César Caputo Guimarães é sócio e advogado criminalista do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.