(Re) pensando a técnica de julgamento do novo Código de Processo Civil à luz da análise econômica do direito
Eficiência e justiça são conceitos que deveriam se complementar e coexistir simultaneamente a fim de que todos os valores e normais fundamentais sejam respeitados no âmbito do Estado Democrático de Direito.
quarta-feira, 4 de julho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:12
O novo Código de Processo Civil de 2015 entrou em vigor em 18/3/16 e trouxe diversas novidades ao sistema processual brasileiro. Dentre elas, encontra-se a técnica de julgamento prevista no art. 942, pela qual, ante a existência de divergência na tríade de julgamento na segunda instância, o processo deverá obrigatoriamente seguir em pauta para que os demais julgadores integrantes da Câmara votem.
Será que a comissão formada no Congresso Nacional levou em consideração as diretrizes da Análise Econômica do Direito no momento da criação da técnica de julgamento? Seria este incidente compatível com os ideais de celeridade processual contidos no próprio Código de Processo Civil de 2015? A ampliação do quorum da turma julgadora é pertinente quando vista dentro do atual contexto do Poder Judiciário?
São alguns dos questionamentos que serão respondidos a seguir, tendo sempre em mente o raciocínio de uma teoria positiva contemporânea originada no pensamento jurídico americano que vem ganhando força desde o ano de 1973 com o impulso de Richard Posner, Henry Manne e Gary Becker apesar da idealização de Ronald H. Coase (1960) e Guido Calabresi (1961), que é a Análise Econômica do Direito (Law and Economics).
A AED não se confunde com o consequencialismo econômico e financeiro advindo da aplicação do direito e do ordenamento jurídico. Mas, sim, trata-se da aplicação da microeconomia neoclássica do bem-estar que avalia os preceitos legais que são positivos ou negativos ao uso eficiente dos recursos, o que é absolutamente compatível com a crítica dirigida ao julgamento estendido.
Segundo Richard Posner, da conservadora Escola de Chicago, a função do jurista deveria ser alocar os recursos jurídicos de maneira eficiente interligando o Direito e a Economia simultaneamente, de modo a abarcar uma ação que maximize a própria satisfação racionalmente, reagindo a estímulos e desestímulos externos.1 Portanto, vê-se que o direito nada mais é do que um conjunto de guias e incentivos de escolhas individuais para a consecução da eficiência econômica. De igual modo, também é possível aplicar a teoria econômica no processo legislativo e, caso contribua para o bem-estar e promova a eficiência, deverá ser adotada.
O julgamento estendido previsto no Novo Código de Processo Civil (art. 942) tem sido alvo de críticas frequentes por parte da doutrina no tocante a sua própria criação e à eficiência de sua operacionalidade.
A nova técnica amplia o quorum de magistrados sem a necessidade de requerimento das partes para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial e, ipso facto, tem o escopo de propiciar a prevalência do voto minoritário, de sorte que este não será somente uma dissidência isolada, mas uma posição que poderá vir a ser a vencedora por um maior número de julgadores, sendo ela uma questão fática ou de direito.
A ampliação do quorum inibe o encerramento do julgamento e implica a continuidade do exame da matéria independentemente da vontade das partes. Portanto, o que se vê é que, conquanto não se possa dizer que se trata de um recurso, em sede de apelação, a nova técnica automatizou os extintos embargos infringentes e assim o fez na condição de um mero incidente e sem exigir que a decisão julgue o mérito e que acórdão reforme a sentença, requisitos estes que eram indispensáveis ao cabimento dos infringentes, sendo suficiente apenas a ausência de unanimidade quantitativa ou qualitativa.
Já no agravo de instrumento e na ação rescisória é imprescindível que o acórdão reforme a decisão do juiz que julgou parcialmente o mérito ou que rescinda a sentença, respectivamente.
Com efeito, o CPC/15 reforçou que o interesse havido na manutenção do procedimento não pertence somente às partes, mas também há um interesse público, dada a extensão da discussão do caso em apreciação independentemente da vontade dos litigantes.2
Compartilhamos do posicionamento crítico em relação ao referido incidente, porquanto no que se refere ao recurso de apelação, a ampliação ex officio do quorum viola flagrantemente a vontade das partes em recorrer, além de inobservar o princípio constitucional da razoável duração do processo.
Explico. Ao final do julgamento da tríade as partes podem estar perfeitamente de acordo com o provimento jurisdicional concedida pela turma, ainda que haja divergência de um julgador, situação que comumente vemos na prática forense.
No entanto, em vez de se aguardar o trânsito em julgado para início da execução do título judicial, o processo deverá obrigatoriamente seguir em pauta de julgamento, com a designação de nova sessão, já que a continuação na mesma sessão é absolutamente dissociada da realidade saturada das pautas dos tribunais brasileiros, muito embora o §1º do art. 942 faculte a continuação em ato sequencial.
Assim, abre-se espaço para uma situação na qual as partes estão satisfeitas com o provimento oferecido e, ainda assim, têm que aguardar nova sessão com todos os magistrados da Câmara para que os que não votaram terem a oportunidade de votar. E não é só. Como os Desembargadores que já votaram podem se retratar, na sessão seguinte, o magistrado dissidente pode rever seu entendimento e se colocar de acordo com os seus pares. Logo, um incidente que só existe por causa de uma divergência pode acabar com um resultado unânime, o que fere de forma patente a eficiência e a racionalidade marcantes da escola da Análise Econômica do Direito.
Ora, de nada adianta a tentativa de simplificação do sistema recursal brasileiro ao combater a prodigalidade de recursos e extinguir os embargos infringentes (voluntários), mas, na prática, automatizá-los com o nome de técnica de julgamento (involuntária).
É notoriamente conhecido na praxe forense que o índice de interposição dos infringentes era bastante reduzido, de modo que fica caracterizado um forte desequilíbrio na teoria dos custos pela alocação equivocada de recursos jurídicos em dissonância da racionalidade de tipo econômico.
E, como se não bastasse, existem outros entraves. Considerando que cada Desembargador integrante de determinado órgão fracionário goze de suas férias individuais em período não coincidente com o dos demais colegas, as partes poderão ter de aguardar longo tempo até que seja possível um julgamento em câmara cheia.
Se o intuito do Novo Código de Processo Civil é que as partes tenham o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º), é absolutamente irracional e contraditório, do ponto de vista das diretrizes da Análise Econômica do Direito, o emprego de uma "solução" impositiva imbuída excessivamente de formalidades que prejudicam a razoável duração do processo (cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988).
E o mesmo raciocínio se aplica ao agravo de instrumento e à ação rescisória, porém com uma dificuldade ainda maior quanto a esta, já que a primeira turma julgadora deve ser necessariamente composta por todos os integrantes da câmara, pelo que a extensão do art. 942 exigiria a convocação de outro órgão fracionário para o término do julgamento.
Ainda que custoso, tal procedimento seria factível em grandes Tribunais, tais como o TJ/SP, TJ/RJ, TJ/MG, etc. Mas, e quanto a alguns Tribunais da região norte do país? O TJ/AC e TJ/RO, por exemplo, possuem câmaras cíveis com apenas três Desembargadores.
Logo, a cada divergência, o outro órgão fracionário deverá ser convocado para dirimir o caso em apreciação ou deliberar em câmaras reunidas. Todavia, há caso mais grave. No TJRR há tão somente uma câmara cível em todo o Tribunal. Portanto, a única saída encontrada é a convocação de Desembargadores da câmara criminal ou membros da direção da Corte.
A meu ver, andou mal o legislador ao promover tamanha reforma em todo o sistema processual brasileiro (lei federal), mas sem prever as deletérias consequências em determinados Estados da federação que não contam com a estrutura dos Tribunais situados no sudeste e sul do país.
Dando sequência à polêmica, destaca-se a possibilidade do chamado "efeito sanfona" na composição do quorum, alertado por Guilherme Freire de Barros Teixeira. Suponha-se que, por maioria de votos, seja decidida uma questão qualquer, havendo necessidade de ampliação da turma. Julgado o ponto de divergência pela câmara cheia, como ficaria o quorum para a sequência do julgamento? Continuam os cinco julgadores ou retorna-se para a configuração originária? É preciso lembrar que, durante o julgamento, poderão ser vários os pontos divergentes, gerando um verdadeiro "efeito sanfona" na composição do quorum.3
Adicionalmente, uma vez interpostos embargos de declaração contra acórdão proferido com a técnica, mas que o ponto eventualmente obscuro, omisso, contraditório ou com erro material se refere apenas a capítulo julgado pela tríade, como se deve proceder? É mais um questionamento que, por ora, fica sem resposta e aguarda a pacificação do Superior Tribunal de Justiça.
Destarte, parece-me mais racional e econômico aplicar o seguinte entendimento: uma vez ampliado, permanece ampliado até o final do julgamento. Imagine-se se, em um processo com vários recursos e feitos conexos, a cada ponto divergente tiver que ser designada nova sessão para estender o quorum? De fato, infringir-se-ia a regra de ouro da Law and Economics.
Parte da doutrina também já vem se manifestando nesse sentido, como é o caso de Teresa Arruda Alvim Wambier, quando aduz o seguinte exemplo: vota-se por maioria quanto à existência de prescrição, ampliando-se consequentemente, o quorum. Em seguida, no julgamento estendido, decide-se que não há prescrição. Assim sendo, a ampliação deve permanecer para julgar-se o mérito? Ora, se o instituto foi concebido para simplificar, o resultado da sua aplicação não pode gerar mais ônus temporais para as partes do que geravam os extintos embargos infringentes. Ou seja, para Teresa Arruda Alvim Wambier, a orientação correta seria a de prosseguir no julgamento com o órgão jurisdicional ampliado até o final.4
Não obstante, este não foi o posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que houve por bem retornar ao colegiado inicial após a superação de divergência por cinco julgadores. Veja-se o art. 245-A, §2º, do RITJPR:
Art. 245-A. (...)
§2º. Formada a composição do quórum em prosseguimento, rejeitada a preliminar ou prejudicial, por maioria de votos, e não sendo considerada incompatível a apreciação do mérito, serão dispensados os outros julgadores especificamente convocados para análise da divergência quanto à preliminar.5
Ainda que se firme por tal concepção, o ideal seria que todos os Tribunais pátrios se uniformizassem por um ou outro entendimento, sob pena de quebra de segurança jurídica e de violação ao art. 926, CPC/15.
A conclusão a que se chega é que a criação da técnica de julgamento do art. 942, CPC/15 não vai ao encontro do objetivo de simplificação do processo previsto na exposição de motivos. Respeitando o pensamento diverso, a mim me parece pouco ponderada a instituição de um incidente que amplia a colegialidade de um julgamento independentemente da vontade das partes, apenas em função de um dissenso. Aliás, como sói dizer o Ministro Marco Aurélio de Mello, "num Colegiado, o dissenso é salutar".6
Eficiência e justiça são conceitos que deveriam se complementar e coexistir simultaneamente a fim de que todos os valores e normais fundamentais sejam respeitados no âmbito do Estado Democrático de Direito, tal como previsto no próprio art. 1º do CPC/15.
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1 POSNER, Richard. The Problems of Jurisprudence. Harvard University Press, 1990.p. 84.
2 LAMY, Eduardo de Avelar. "A transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento: ampliação das hipóteses" In: FREIRE, Alexandre et al (Coords). Vol. II. Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 378.
3 TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. "Art. 942 do CPC 2015 e suas Dificuldades Operacionais: Aspectos Práticos" In: MARANHÃO, Clayton et al (Coords.). Ampliação da colegialidade: técnica de julgamento do art. 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. p. 39.
4 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. "Ampliação da Colegialidade: O Polêmico art. 942 do CPC de 2015" In: MARANHÃO, Clayton et al (Coords.). Ampliação da colegialidade: técnica de julgamento do art. 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. p. 47-48.
5 BRASIL. Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: <Clique aqui>. Acesso em 02 de julho de 2018.
6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Revista Trimestral de Jurisprudência. Volume 225 - tomo V, julho a setembro de 2013. p. 3.726 Disponível em:< Clique aqui >. Acesso em 02 de julho de 2018.
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BRASIL. Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: <Clique aqui>. Acesso em 02 de julho de 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Revista Trimestral de Jurisprudência. Volume 225 - tomo V, julho a setembro de 2013. Disponível em:<Clique aqui>. Acesso em 02 de julho de 2018.
LAMY, Eduardo de Avelar. "A transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento: ampliação das hipóteses" In: FREIRE, Alexandre et al (Coords). Vol. II. Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2014.
POSNER, Richard. The Problems of Jurisprudence. Harvard University Press, 1990.
TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. "Art. 942 do CPC 2015 e suas Dificuldades Operacionais: Aspectos Práticos" In: MARANHÃO, Clayton et al (Coords.). Ampliação da colegialidade: técnica de julgamento do art. 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017.
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. "Ampliação da Colegialidade: O Polêmico art. 942 do CPC de 2015" In: MARANHÃO, Clayton et al (Coords.). Ampliação da colegialidade: técnica de julgamento do art. 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017.
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*Vinícius Lacerda é assessor judiciário no TJ/MG.