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Mudanças na lei de agrotóxicos

Talvez a solução seja simples: os órgãos públicos federais encarregados da autorização precisam contratar (mais) pessoal especializado, a fim de atender à demanda atual.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:11

Apesar da Copa do Mundo, que acontece na Rússia, tem sido novamente discutido no Parlamento Federal brasileiro mudanças substanciais nas regras jurídicas atinentes ao uso de agrotóxicos. Pretende-se, linhas gerais, desburocratizar as autorizações do Poder Público para a utilização de agrotóxicos, além de propiciar o registro provisório desses produtos.

Realmente, na atual legislação (lei 7.802/89), há implicações de mais de um órgão federal para que o interessado obtenha a autorização do Poder Público para o uso desses produtos; demanda manifestação da saúde, do meio ambiente e da agricultura, todos de âmbito federal, para que o interessado possa produzir, utilizar, comercializar, agrotóxicos.

De fato, o artigo 170, parágrafo único, do Texto Constitucional, determina a necessária autorização [administrativa, Poder de Polícia] para certas atividades privadas, desde que tal exigência esteja prevista em lei.

Quanto à competência legislativa, a União estabelece normas gerais de proteção ao ambiente (art.24, VI), cabendo aos Estados elaborarem a legislação supletiva, e aos Municípios a legislação complementar daquela e destes. (art.24, parágrafos; art.30, II).

Sem embargo, União, Estados e Municípios, observadas as competências legislativas fixadas na Constituição, devem atuar em prol do ambiente e da saúde, por meio de atos administrativos e de medidas concretas (art.23, II, VI; art.225, §1º, V e VII,CF).

Como essas entidades políticas podem legislar sobre o ambiente, devem acompanhar e fiscalizar o comércio e a utilização dos agrotóxicos; quem legisla exerce Poder de Polícia (Heraldo Garcia Vitta, Poder de Polícia, 129, Malheiros, 2010). Cada qual, no âmbito das respectivas competências territoriais, observadas as legislações (sobretudo a lei complementar 140/11, naquilo que não colidir com a Constituição), exerce a função de polícia administrativa ambiental.

 

Assim, na atualidade, atendendo ao disposto em diversos artigos da Constituição Federal, há regras importantes de contenção e prevenção na comercialização e no uso de agrotóxicos.

 

No entanto, parlamentares vêm relutando no atendimento eficaz dessas regras, em face da demora na edição das autorizações administrativas, em mais de um órgão público federal, dentre outros entraves burocráticos.

 

Realmente, o Ministério da Agricultura é o órgão responsável por registrar esses produtos, com a aceitação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). São três entidades federais distintas, com atuação em áreas assemelhadas, mas de importância fundamental no controle e prevenção da saúde e do meio ambiente.

 

Se empresários têm razão de um lado - a demora no deferimento ou indeferimento da autorização para comercializar e usar agrotóxicos vai de encontro à segurança jurídica da atividade privada, garantida constitucionalmente (art.170, "caput"); de outro, o desejo deles para resolver o problema - passado certo tempo sem que o poder público tenha decidido a respeito da autorização, o interessado obterá registro provisório - colide com o artigo 225, "caput", da Constituição.

 

Esse dispositivo, conforme cediço, é norma "programática" [estabelece programas, ou finalidades], cujos efeitos jurídicos são incontestáveis, notadamente quanto à definição de meio-ambiente, bem ou interesse difuso da sociedade, e à imperatividade do dever da sociedade e do Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

Conforme expõe Luiz Alberto David Araújo, a defesa do meio ambiente é um princípio constitucional e está inserido (ao lado de outros vetores, ou princípios, art.170, CF), no regramento do Estado e dos particulares diante da economia ("Direito Constitucional e Meio Ambiente", Revista do Advogado 37, p.67, 1992).

Aliás, o termo "preservação" [ambiental], além de constar na cabeça do artigo 225, está nos incisos I e II, do parágrafo primeiro; já, "exigir" (IV); "controlar" (V); e "proteger" (VII), constantes do mesmo dispositivo, são expressões significativas do Constituinte a respeito da preservação ao ambiente. Esses termos, peremptórios, e de enorme carga semântica, estão inseridos na Constituição com uma missão (critério funcional): assegurar a efetividade do direito ao ambiente (§1º).

É que, em face do princípio da precaução (art.225,CF), é preciso certeza científica quanto a não-ocorrência de danos graves ao ambiente (Heraldo Garcia Vitta, Responsabilidade Civil e Administrativa por Dano Ambiental, p.42, Malheiros, 2008). Nas lições de Michel Prieur, "em face da incerteza ou da controvérsia científica atual, é melhor tomar medidas de proteção severas a título de precaução, que não fazer nada" (Droit de L'Environnement, p.154, 5ªed., Dalloz, Paris,2004).

Logo, sob o aspecto técnico-jurídico, a pretensão de mudanças legislativas quer quanto ao registro provisório, quer quanto deixar apenas ao Ministério da Agricultura a autorização para o uso de agrotóxicos, pode esbarrar em dispositivos constitucionais; já sob o critério político, Ministérios, de maneira geral, têm serventia limitada ao apoio parlamentar no Congresso Nacional; alguns contêm cabos eleitorais, "cabides de emprego público", transfigurados em órgãos ministeriais. Um perigo sob o prisma jurídico, ou mesmo político, devido às pressões que sofrem ao longo dos mandatos de parlamentares e membros do Executivo.

 

Talvez a solução seja simples: os órgãos públicos federais encarregados da autorização precisam contratar [mais] pessoal especializado, a fim de atender à demanda atual, mediante convênios com universidades públicas e privadas, bem como assimilarem os estudos e as experiências dos países evoluídos.

 

Por meio de conjunto de fatores e de técnicas próprias, o Governo tem de buscar resultado rápido e eficaz nas autorizações administrativas para o uso e o comércio de agrotóxicos, a fim de não prejudicar a competitividade na iniciativa privada brasileira.
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*Heraldo Garcia Vitta é advogado e consultor jurídico.

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