O novo regime de compensação tributária dos créditos fazendários e previdenciários
O momento é de recalcular o planejamento fiscal, a opção pelos regimes de tributação (Lucro Real, Presumido e Simples Nacional) e estruturar as diretrizes fiscais para os próximos anos.
quarta-feira, 4 de julho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:09
A Receita Federal do Brasil surpreendeu, positivamente, todos os contribuintes ao unificar os regimes jurídicos de compensação tributária (créditos fazendários e previdenciários - INSS) relativamente às pessoas jurídicas que utilizarem o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, previdenciárias e Trabalhistas (e-Social).
Na prática, a medida significa que as empresas poderão compensar tributos federais de quaisquer naturezas (Ex.: PIS/COFINS, IRPJ, CSLL) com as contribuições previdenciárias (INSS) e as contribuições destinadas a outras entidades (terceiros).
É importante lembrar que esse era um antigo pleito dos contribuintes, principalmente em relação as empresas que possuem um estoque acumulado de créditos tributários, como por exemplo, as empresas exportadoras, que acumulam créditos de PIS e a COFINS em relação a suas operações para o exterior.
Inclusive, o STJ1 havia considerado ilegítima a possibilidade de empresas compensarem créditos de tributos recolhidos pela Receita Federal do Brasil com débitos previdenciários.
Relembrando o histórico sobre a matéria, em 2007, por meio da lei 11.457/07, a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária foram fundidas na RFB, denominada de Super Receita, que passou a acumular o processo de arrecadação dos tributos e das contribuições sociais.
A mudança na forma de arrecadação dos tributos federais impactou a legislação que trata da compensação, uma vez que o artigo 74 da lei 9.430/96 (Lei do Ajuste Tributário)2, estabelece que o sujeito passivo que apurar crédito tributário poderá utiliza-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.
Dessa forma, com a unificação do processo de arrecadação dos tributos e das contribuições sociais em torno da denominada Super Receita, o requisito para compensação das contribuições previdenciárias com os demais tributos federais foi preenchido pela legislação.
Ocorre que a Receita Federal do Brasil, pautada pela intepretação conferida à lei 11.457/07, advogava a impossibilidade de se compensar créditos fazendários com débitos previdenciários e vice-versa. A partir daí, todos os atos infralegais editatados vedavam a compensação de créditos tributários apurados pelos contribuintes com as contribuições previdenciárias. Isso ocorreu em todos os atos normativos que tratavam da compensação tributária administrado pelo fisco federal3.
Foi nesse contexto que foi editada a IN RFB 1.810, de 13 de junho de 2018, que alterou o art. 65 da IN 1.717/17, confira-se:
Redação Original da IN 1.717/17
Art. 65. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo administrado pela RFB, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela RFB, ressalvadas as contribuições previdenciárias, cujo procedimento está previsto nas Seções VII e VIII deste Capítulo, e as contribuições recolhidas para outras entidades ou fundos. (trecho alterado)
Redação Alterada pela IN 1.810/18
Art. 65. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo administrado pela RFB, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela RFB, ressalvada a compensação de que trata a Seção VII deste Capítulo. (trecho alterado)
A nova redação deixou de fazer a ressalva quanto a compensação das contribuições previdenciárias com créditos relativos a quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, ressalvados a compensação das contribuições previdenciárias pelo contribuinte que não utilizar o eSocial.
Dessa forma, foram instituídos dois regimes de compensação das contribuições previdenciárias (i) regime geral, referente as empresas que utilizam o eSocial, e, (ii) regime especial para as empresas que não utilizam o eSocial, apurando as contribuições previdenciárias na GFIP/SFIP.
Nota-se que o Governo Federal pretende estimular a migração das empresas para o eSocial4, e ainda, permitir o aproveitamento de créditos fazendários acumulados pelos contribuintes para compensação com as contribuições previdenciárias.
Ademais, a Receita Federal ao editar a IN 1.810/18, não apenas unificou os regimes jurídicos de compensação tributária (créditos fazendários e previdenciários - INSS), na verdade, instituiu novo regime de compensação que passará, em regra, a vigorar daqui para frente.
Portanto, o estoque de créditos existente anteriormente na escrita fiscal do sujeito passivo não podem ser utilizados no novo regime, ou seja, apenas poderão ser compensados com as limitações impostas (contribuições x contribuições ou demais tributos x demais tributos), ou ainda, poderão ser objetos de restituição pelo contribuinte.
As principais mudanças no regime aconteceram no artigo 76 da IN 1.717/175, que trata das vedações no regime de compensação, no qual foram estipuladas restrições na utilização de créditos apurados pelo sujeito passivo.
Confira-se as principais regras e limitações do novo regime:
(i) Não é permitido a compensação de débitos relativos a períodos anteriores a utilização do eSocial, tanto em relação aos demais tributos administrados pela RFB quanto para as contribuições previdenciárias e de terceiros;
(ii) Não é permitido o aproveitamento de créditos de períodos de apuração anteriores à utilização do eSocial, tanto em relação aos demais tributos administrados pela RFB quanto para as contribuições previdenciárias e de terceiros;
(iii) Não é permitido a compensação das contribuições previdenciárias e de terceiros, irrestritamente, com os demais tributos administrados pela RFB, na hipótese do sujeito passivo não utilizar o eSocial para apuração das referidas contribuições.
(iv) Alteração quanto a compensação de valores referentes à retenção de contribuições previdenciárias na cessão de mão de obra e na empreitada, com a definição de regimes para as empresas que utilizam o eSocial e aquelas que permanecem com a apuração das contribuições na GFIP.
O regime das empresas que não adotram o eSocial, ou seja, apuram e recolhem suas contribuições por meia da GFIP/SFIP permanece inalterado. Dessa forma, para esses contribuintes não houve unificação dos regimes previdenciários e dos demais tributos federais.
Portanto, as empresas devem estar atentas a medida, tendo em vista que essa alteração impactará significativamente no planejamento tributário para o segundo semestre de 2018, tendo em vista que foram reduzidos/extintos diversos benefícios fiscais do setor produtivo, tais como o Reintegra e a Desoneração da Folha de Pagamento, sendo que a possibilidade de compensação entre créditos tributários e previdenciários poderá significar algum alívio.
Dessa forma, o momento é de recalcular o planejamento fiscal, a opção pelos regimes de tributação (Lucro Real, Presumido e Simples Nacional) e estruturar as diretrizes fiscais para os próximos anos.
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1 REsp 1449713. À época A ministra Regina Helena Costa resumiu a questão da seguinte forma: "O INSS e a União são pessoas diferentes, ainda que o sistema arrecadatório seja único." Por isso, não se admitiu compensar o débito perante um com o crédito em relação a outro.
É importante que se destaque que embora tenha se alterado por ato infralegal a vedação da compensação de créditos fazendários e previdenciários, o STJ tem entendimento contrário ao assunto, no qual foi analisado sobre o viés da destinação das receitas desses tributos a impossibilidade de compensação entre essas espécies.
2 Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
3 As Instruções Normativas anteriores que estabeleceram normas sobre restituição, compensação, ressarcimento e reembolso, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, vedavam a compensação entre contribuições previdenciárias e os demais tributos administrados pela RFB, a saber: Instrução Normativa RFB nº 1300, de 20 de novembro de 2012, Instrução Normativa RFB nº 900, de 30 de dezembro de 2008, Instrução Normativa SRF nº 600, de 28 de dezembro de 2005.
4 O decreto 8373/14 instituiu o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial). Por meio desse sistema, os empregadores passarão a comunicar ao Governo, de forma unificada, as informações relativas aos trabalhadores, como vínculos, contribuições previdenciárias, folha de pagamento, comunicações de acidente de trabalho, aviso prévio, escriturações fiscais e informações sobre o FGTS.
5 "Art. 76. (...)
XVII - as contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007, na hipótese em que a compensação de que trata a Seção I deste Capítulo for efetuada por sujeito passivo que não utilizar o eSocial para apuração das referidas contribuições;
XIX - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e
b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela RFB concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; ou
XX - o débito dos demais tributos administrados pela RFB:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007, com crédito concernente às referidas contribuições; e
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.457, de 2007, relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.
Parágrafo único. O procedimento fiscal a que se refere o inciso XIV do caput restringe-se ao procedimento fiscal distribuído por meio de Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal (TDPF)." (NR)
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*Daniel Soares Gomes é advogado atuante nas áreas tributária, comércio exterior, aduaneiro e societário.
*Rogério David Carneiro é mestre em Direito na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO).