23 de junho de 1968 - 23 de junho de 2018 - 50 anos da Tomada da Faculdade de Direito da USP
Proclamado o resultado, de imediato, sem perda de tempo, a ocupação, ou melhor, a tomada começou, quando todos adentraram o prédio da Faculdade por uma passagem interna, secreta, que pouquíssimos conheciam.
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:32
23 de junho de 1968, um domingo. O centro da cidade de São Paulo era deserto, como o centro de todas as capitais do mundo aos domingos. Raros passantes. No velho Largo de São Francisco, ainda, havia um movimento fraco de carolas que iam assistir às missas na setecentista Igreja de São Francisco, mais nada.
Nos fundos do prédio da Faculdade de Direito, Rua Riachuelo, com acentuado declive em sua mão única de direção rumo à Praça da Bandeira, em um quase e antigo porão funcionava, como ainda hoje, a sede do Centro Acadêmico XI de Agosto, fundado em 1903.
Diversamente da apatia dos arredores, desde as primeiras horas havia muito movimento, um constante entra e sai da sala do presidente da entidade, o quintanista, Marcos Aurélio Ribeiro, onde uma dezena de estudantes, confabulavam no sentido de convocar uma assembleia para acontecer ainda ao longo do dia. Dedos acionavam o sinalizador de números do telefone preto, em movimentos circulares, na tentativa de intimar colegas em suas residências, para o evento. Buzzoni (Henrique d'Aragona), deixou de lado a apostila de Direito Comercial, onde se preparava para prova da segunda-feira, e atendeu à convocação, chegando muito depressa ao 'Porão', onde se juntou aos demais que já iniciavam o ato.
Assim relata 'lá chegando participei de movimentada assembleia em que se discutia, em curto resumo, que aos estudantes cabia a importante função de ser o 'gatilho da revolução', como estava ocorrendo na França. A proposta era tomar a Faculdade de Direito'. Hoje diríamos 'ocupar'. 'A moção foi aprovada por unanimidade, não me recordando que tivesse havido sequer uma voz dissonante', relata Buzzoni no Livro 'Arcadas no Tempo da Ditadura', escrito em parceria com 57 antigos estudantes, inclusive eu, publicado em 2007 pela Editora Saraiva.
Proclamado o resultado, de imediato, sem perda de tempo, a ocupação, ou melhor, a tomada começou, quando todos adentraram o prédio da Faculdade por uma passagem interna, secreta, que pouquíssimos conheciam, a que Arnaldo Malheiros Filho, recentemente falecido, advogado de escol com projeção nacional, na ocasião denominou o local de acesso como 'Corredor das Termópilas', lembrando episódio das guerras entre Atenas e Esparta. Relata, ainda Malheiros, no citado livro sob o título 'Combatendo à Sombra' que Vital, colega mineiro de Monte Sião, sugeriu e convenceu os colegas da necessidade de esparrar no saguão onde pontifica a estátua de José Bonifácio - o Moço - óleo queimado, para espantar as forças repressoras que logo estariam por ali. Alguém deu a ideia, logo acatada, de emparedar a entrada do prédio que faz frente para o Largo São Francisco com tijolos, de modo a fazer uma trincheira entre os três pórticos chamados de Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela. Ainda ao longo de domingo um caminhão com tijolos que trafegava pelas proximidades foi 'expropriado' e ali descarregou a carga preciosa.
O grande inimigo era o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) que desde o ano anterior desenvolvia atividades repressivas entre a comunidade acadêmica e era temido por suas ações violentas. Seguiram-se dias, semanas onde no interior do prédio ocorriam assembleias, audições musicais, visitas de alguns professores solidários como Fábio Comparato, Goffredo da Silva Telles, Botelho de Mesquita e Boris Schnaiderman, professor de literatura russa na Maria Antônia (Faculdade de Filosofia e Letras).
As tarefas internas eram divididas. Havia vigília noturna, diurna, cozinha, sob a responsabilidade das mulheres ocupantes (machismo!), biblioteca. A PM, DOPS e CCC, do lado de fora, passaram a estudar invasão reintegratória e faziam exercícios de intimidação. A desocupação ocorreu por via judicial, quase três meses depois, tendo todos os ocupantes sido encaminhados ao DEOPS.
Soltos dias após muitos responderam ao sempre 'rigoroso inquérito policial', outros foram expulsos da Universidade, mas retornaram anos depois por força de decisões judiciais. Vale a pena relembrar, como vale a pena viver.
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*Antonio Clarét Maciel Santos é advogado.