Limites da publicidade infantil no Brasil
É necessário atenção e cautela para tratar de um tema delicado como a publicidade destinada às crianças e jovens, devendo ser observada a sensibilidade do público alvo.
terça-feira, 26 de junho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:07
Recentemente foi realizado um evento na Câmara dos Deputados para lançamento de documento que traz a lista e o andamento dos projetos que tramitam no Congresso Nacional acerca do tema da publicidade infantil. Este evento, bem como a recente aprovação de pedido para realização de audiência pública para discussão de um de tais projetos, trouxe novamente destaque para a discussão acerca da regulamentação da publicidade direcionada ao público infantil.
No Brasil, atualmente, a proteção à infância é tema objeto de todo um arcabouço jurídico que implementa um sistema misto de controle e fiscalização, oriundo de atos legislativos e regulamentares que emanam do setor público e também de iniciativas de autorregulação dos players do setor privado.
Entre as iniciativas de autorregulação, a principal é o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, criado pelo CONAR, que, em seu capítulo II, seção 11, prevê diversas normas e princípios que estabelecem diretrizes que devem ser obedecidas pelas agências, anunciantes e veículos no desenvolvimento, criação e veiculação de anúncios destinados a crianças e jovens. Dentre elas, vale destacar a obrigação de que todos os anúncios de produtos destinados ao consumo por crianças e adolescentes: (i) deem atenção especial às características psicológicas do público-alvo, presumida sua menor capacidade de discernimento; (ii) abstenham-se de associar crianças e adolescentes a situações perigosas, ilegais ou socialmente condenáveis (iii) respeitem a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo; (iv) abstenham-se de utilizar apelo imperativo de consumo diretamente à criança (ex.: "peça já o seu", "acesse", "colecione"); e (v) abstenham-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis.
Por sua vez, entre as normas jurídicas emanadas do setor público, cumpre destacar alguns dispositivos, tais quais:
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Convenção da ONU sobre os direitos das crianças: Incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro em 1990, a Convenção proclama que toda criança gozará de proteção especial, trazendo, ainda, o compromisso dos Estados Partes de promover a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar.
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Código de Defesa do Consumidor (CDC): Estabelece pelo § 2°, do art. 37, que é considerada abusiva a publicidade discriminatória de qualquer natureza, que incite à violência, explore o medo ou a superstição e que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, cabendo pena de detenção e multa àquele que incorrer na prática de publicidade abusiva (art. 67).
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Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): Não apresenta previsão específica de normas disciplinadoras da publicidade voltada ao público infanto-juvenil, mas traz um conjunto de regras e princípios importantes para reprimir abusos no meio publicitário. A exemplo disso, em seus artigos 4º e 5º reconhece que a família, o Estado e a sociedade são responsáveis pelo bem-estar de crianças e adolescentes, devendo impedir que sofram com discriminações, violências ou explorações de quaisquer ordens, inclusive mercadológica. Ainda, estipula em seu art. 79 que toda revista e publicação destinada ao público infantil não poderá conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebida alcoólicas, tabaco, armas e munições e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Uma das normas mais recentes, e que mais polêmica gerou, desde sua edição, é a resolução 163/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ("CONANDA"), que define como abusiva toda e qualquer publicidade ou outro tipo de comunicação mercadológica direcionada ao público infantil com o intuito de persuadi-la ao consumo de produtos e serviços.
Desde 2014, a Resolução foi objeto de discussões - alguns defendendo que o ato normativo é condizente com as atribuições do CONANDA, e outros que o órgão teria extrapolado suas funções legais, invadindo a competência do Congresso Nacional, uma vez que cabe tão somente à União legislar sobre propaganda comercial, tal como prevê o inciso XXIX do artigo 22 da Constituição Federal.
Não obstante, a despeito de todo o debate, o fato é que hoje este ato normativo encontra-se vigente, sendo que um dos projetos de lei que tramita na Câmara (Projeto de decreto Legislativo (PDC) 1460/14) tem por intuito, justamente, sustar seus efeitos, sob o argumento da extrapolação da competência do CONANDA. Na justificativa do projeto, seu autor, o Deputado Milton Monti (PR-SP) suscita, ainda, que a limitação agressiva da divulgação de publicidade infantil confronta diretamente os princípios de proteção à liberdade de manifestação de pensamento, criação, expressão e à informação, previsto na Constituição Federal, como direitos fundamentais.
É necessário atenção e cautela para tratar de um tema delicado como a publicidade destinada às crianças e jovens, devendo ser observada a sensibilidade do público alvo, mas, também, a possibilidade de restrição indevida de um dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal, qual seja, a liberdade de expressão.
Tendo em vista este cenário, por ora, o mais recomendável é sempre buscar todas as cautelas e acessar os departamentos jurídicos ou advogados externos para avaliação prévia de campanhas destinadas a estes públicos.
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*Valéria Sano de Oliveira é sócia advogada da Consultoria Cível do FAS Advogados - Focaccia, Amaral, Salvia, Pellon e Lamonica .
*Karine E. Araujo Oliveira é sócia advogada da Consultoria Cível do FAS Advogados - Focaccia, Amaral, Salvia, Pellon e Lamonica.