A gratuidade das contas bancárias digitais
No mundo digital a informação clara e precisa e a transparência com o cliente ganha muito mais relevância jurídica e deve ser um ponto cardeal a nortear as instituições.
segunda-feira, 25 de junho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 15:23
Os bancos denominados digitais veem ganhando cada vez mais espaço no novo ecossistema do mercado financeiro brasileiro. A facilidade de acesso, a ausência de filas, o formato inovador e o uso de linguagem simples atraí os consumidores, sendo certo que uma das propostas que tem se tornado unanimidade neste campo é a oferta de contas bancárias digitais gratuitas. O mito de que tudo que é fornecido pela rede mundial de computadores deve ser gratuito para que tenha sucesso, levou os bancos digitais à focarem suas estratégias de marketing, entre outras coisas, na divulgação da suposta gratuidade das tarifas.
Mas, por meio de uma consulta aos principais bancos digitais, facilmente perceberemos que a tal tarifa zero ou a gratuidade de tarifas amplamente divulgada não corresponde a absoluta ausência de custo para a utilização da conta digital. A principal dúvida encontrada envolve quais os serviços estão incluídos no rol do suposto pacote gratuito e quais seriam as tarifas para os serviços não incluídos ou que excedam os limites estabelecidos pelo pacote de custo zero.
Sem falar que, poucos consumidores têm conhecimento de que o Banco Central veda a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais, assim considerados um rol bastante extensivo previsto no artigo 2ª da resolução 3919/10, além de previsão de pacotes padronizados de serviços.
Outra questão relevante neste tema é a forma de divulgação das referidas tarifas para os serviços não incluídos ou que superem os limites. Tais informações, conforme preveem os artigos 15 da Resolução CMN 3919/10 e 1º, III da resolução CMN 4283/13, devem ser publicadas de forma adequada, clara, objetiva e em local de fácil visualização nos sites eletrônicos das instituições, visando o cumprimento da obrigatoriedade da prestação de informações necessárias para possibilitar a livre escolha e tomada de decisão por parte dos clientes.
Assim, diante de tais marcos regulatórios, recomenda-se que as informações sobre as tarifas cobradas sejam exibidas e facilmente encontradas antes da tomada de decisão pelo cliente, ou seja, antes da opção pela contratação de produtos ou serviços, em especial, no processo de abertura de conta digital. Com isso, evita-se a cobrança de "taxas surpresa", bem como, ganha-se em transparência e respeito para com o consumidor.
As instituições têm procurado cumprir as disposições legais sobre a divulgação das informações inserindo uma tabela de tarifas dentro de abas com nomes variados. Entretanto, não obstante o cumprimento das exigências da regulação, tal modelo não nos parece ser uma forma de divulgação adequada, clara e objetiva, visto que, atualmente, para obter tal informação o cliente deverá penetrar nas profundezas mais recônditas do site do banco para encontrar informações a respeito da tabela de tarifas.
Soma-se a isso a aplicação do princípio da informação trazido pelo Código de Defesa do Consumidor (que tem aplicação aos contratos bancários, conforme entendimento já há muito pacificado pelas Cortes brasileiras), prevendo que a informação é um dos principais requisitos para equilibrar a relação de consumo diante da presunção legal de vulnerabilidade do consumidor.
O que se percebe enfim é que no mundo digital a informação clara e precisa e a transparência com o cliente ganha muito mais relevância jurídica e deve ser um ponto cardeal a nortear as instituições desde a criação dos suas plataformas, sites, processos de "on boarding", contratos, extratos, materiais e publicações disponibilizadas aos clientes, visando dirimir todas as dúvidas de forma rápida, fácil e acessível nos próprios ambientes eletrônicos, sem a necessidade de utilização de outros canais ou interações humanas, o que seria justamente a ideia central de um banco inteiramente digital.
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*Milena Fório é advogada especializada em Direito Digital e Direito Bancário Digital no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.
*Caio Oliveira é advogado no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.