O direito a alimentos dos filhos maiores universitários
Os alimentos decorrentes do dever de sustento, que é inerente ao poder familiar, cessam quando os filhos atingem a maioridade civil, mas persiste obviamente a relação parental.
sexta-feira, 15 de junho de 2018
Atualizado em 24 de setembro de 2019 14:26
A maioridade civil não constitui motivo para a exoneração dos alimentos, argumentando e provando que necessita da ajuda do autor até o final de sua formação superior.
Com efeito, os alimentos decorrentes do dever de sustento, que é inerente ao poder familiar, cessam quando os filhos atingem a maioridade civil, mas persiste obviamente a relação parental, fundada no dever de solidariedade familiar, que pode justificar a permanência ou mesmo o estabelecimento do encargo alimentar.
No entanto, para que se estabeleça o encargo alimentar do pai em favor da filho maior, é imprescindível a existência de prova cabal da necessidade, valendo lembrar que os alimentos devem ser fixados sempre com moderação, tendo em vista a capacidade econômica do alimentante e as necessidades da alimentada, o que constitui o binômio alimentar de que trata o art. 1.694, §1º, do CC.
O critério para fixação a alimentos baseia-se nas necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante (binômio necessidade X possibilidade). No processo o juiz analisa todas as provas documentais, testemunhais e verifica se há necessidade a alimentos as partes juntam todas as despesas juntam as notas fiscais claro que o juiz também analisa o aproveitamento escolar do alimentado.
E, nesse contexto, se restar demonstrado que, apesar de maior, a alimentada ainda cursa faculdade, necessitando, por isso, do auxílio paterno para complementação e qualificação no campo profissional o magistrado ao proferir sua decisão pondera toda a situação familiar.
Conforme dispõe o CC, em seu artigo 1.694, § 1º, que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, o que significa dizer, por outras palavras, que a obrigação alimentar deve ser fixada observando-se o binômio necessidade-possibilidade.
Salienta-se que a maioridade civil, por si só, não é suficiente para eximir o alimentante da obrigação de prestar alimentos. Entretanto, uma vez implementada, necessária prova cabal da necessidade, por parte do alimentando, a qual deixa de ser presumida.
O poder familiar cessa quando o filho atinge a maioridade civil, mas não desaparece o dever de solidariedade decorrente da relação parental. Se a filha(o) precisa de alimentos para garantir a frequência regular a estabelecimento de ensino, como complemento da sua educação, que é dever residual do poder familiar, está o pai obrigado a auxiliá-lo.
Diz ainda o CC brasileiro:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.
Consoante doutrina e jurisprudência, a maioridade por si só não é capaz de afastar a obrigação alimentar prestada aos filhos.
Segundo a súmula 358 do STJ: "O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos".
A corte gaucha, tem entendido que a maioridade per si não exonera o alimentante de prestar alimentos ao filho maior, especialmente quando este filho, freqüenta instituição de ensino superior, como bem se demonstra pelo julgado abaixo transcrito
APELACAO CÍVEL. TEMPESTIVIDADE.OBSERVANCIA DO ART. 514 DO CPC. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHA MAIOR ESTUDANTE DEMONSTRAÇÃO DA PERSISTÊNCIA DAS NECESSIDADES EM RECEBER AUXÍLIO MATERIAL PATERNO. MANUTENÇÃO DA OBRIGAÇÃO ATÉ CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR . 1 Não é procedente a alegação de intempestividade do recurso, na medida em que observado o prazo previsto no art. 508 do CPC, Preliminar rejeitada. 2. A recorrente observou o que determina o art. 514 do CPC, com o que deve ser conhecido pelo apelo ofertado.Preliminar rejeitada. 3. Caso em que a alimentada (de 22 anos de idade) passou a freqüentar ensino superior, demonstrado a necessidade de permanecer recebendo auxilio material paterno para qualificar-se profissionalmente, para assim, endereçar-se à independência financeira. 4. Ausência de comprovação acerca da alteração na situação de fazenda do alimentante. 5. Manutenção do pensionamento até a conclusão do curso superior, observada a grade regular. Sentença reformada. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PROVIDA.(Apelação Cível N 70065859977, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça RS, Relator. Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 03-09-2015).
Neste sentido:
AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHA MAIOR, QUE TRABALHA E ESTUDA. PROVA. 1. Os alimentos decorrentes do dever de sustento, que é inerente ao poder familiar, cessam quando os filhos atingem a maioridade civil, mas persiste a relação parental, que pode justificar a permanência do encargo alimentar. 2. Para que permaneça o encargo alimentar do genitor em relação à filha maior, é imprescindível a prova cabal da necessidade, o que se verifica nos autos, pois ela ainda é estudante. 3. Correta a sentença ao estabelecer data certa para o término da obrigação alimentar, quando a alimentada está prestes a concluir seu curso superior, não justificando o pleito do alimentante de exonerar-se desde logo do encargo. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70042596395, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 06/03/2012)
EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHA MAIOR DE IDADE PRESTES A CONCLUIR O CURSO SUPERIOR. FIXAÇÃO DE TERMO FINAL. A alimentada, apesar de maior de idade, está estudando, razão pela qual descabe exonerar os alimentos. No entanto, tendo em vista a proximidade do termino do curso, cabível fixar termo final para os alimentos em data futura. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70047862594, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 10/05/2012)
A jurisprudência do STJ não discrepa. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. MAIORIDADE. NECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA.
1. O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado.
2. A necessidade do alimentado, na ação de exoneração de alimentos, é fato impeditivo do direito do autor, cabendo àquele a comprovação de que permanece tendo necessidade de receber alimentos.
3. A percepção de que uma determinada regra de experiência está sujeita a numerosas exceções acaba por impedir sua aplicação para o convencimento do julgador, salvo se secundada por outros elementos de prova.
4. Recurso provido. (REsp 1198105/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 14/09/2011)
Cumpre ponderar, nessa esteira, que a obrigação alimentar em prol de filho maior de idade tem por suporte a comprovação de necessidades especiais e/ou extraordinárias ou a complementação da vida estudantil, com vistas a sua conclusão, e, nesta hipótese, deve ser tratada como prorrogação excepcional da obrigação de alimentos, e não como regra de imposição absoluta, sob pena de situações que tais prorrogarem-se por uma vida inteira, atrelando filhos e pais a uma eterna relação de dependência financeira, o que, de forma alguma, corresponde à natureza da obrigação.
O princípio da dignidade da pessoa humana
Em princípio, mostra-se relevante esclarecer que se adota a consagrada classificação estrutural das normas de direito fundamental, qual seja, a de princípios e regras jurídicas como espécies de normas dentro do ordenamento jurídico. Segundo Alexy (1997, p. 82), os princípios e as regras são espécies de normas dentro do ordenamento jurídico, cuja distinção é "uno de los pilares fundamentales del edificio de la teoria de los derechos fundamentales". Ambos são espécies do gênero norma porque dizem o que deve ser. A característica diferenciadora entre ambos é qualitativa e consiste em serem os princípios mandados de otimização, ordenando que algo seja realizado na medida do possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas.
Os princípios, portanto, impõem otimização de eficácia à luz das circunstâncias, sendo harmonizados, permitindo o balanceamento conforme o seu peso e ponderação com outros princípios, de forma a coexistirem, conviverem mutuamente, podendo ser cumpridos em diferentes graus. Por outro lado, as regras prescrevem exigências que se impõem, ou não, excluindo-se mutuamente quando houver antinomia ou conflitos entre as mesmas (ALEXY, 1997, p. 86-).
O sistema constitucional é tendencialmente principialista, porque este evidencia suporte rigoroso para solucionar a colisão de direitos fundamentais, além de permitir que o sistema se mova através da textura aberta dos princípios.
Para Jorge Miranda (2000, p. 180), a dignidade da pessoa humana confere unidade de sentido às constituições, confirmando a pessoa como fundamento e fim da sociedade e do Estado. Significa que não se trata unicamente de sistema, e sim de unidade de pessoa, exatamente porque:
o homem situado do mundo plural, conflitual e em acelerada mutação do nosso tempo encontra-se muitas vezes dividido por interesses, solidariedades e desafios discrepantes;só na consciência da sua dignidade pessoal retoma unidade de vida e de destino.
Cabe ressaltar que a dignidade da pessoa humana não depende de reconhecimento expresso da ordem constitucional, mas, indubitavelmente, de sua força jurídica. Em conseqüência, sua efetiva realização e promoção estão diretamente relacionadas ao seu grau de reconhecimento pelo ordenamento constitucional. Daí ser de tamanha relevância o estudo aprofundado acerca do conteúdo jurídico dessa dignidade.
O reconhecimento expresso da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, bem como sua posição privilegiada no texto constitucional, são, sem sombra de dúvidas, manifestações inequívocas de que para o nosso constituinte este princípio é basilar e informa todo o ordenamento jurídico. A dignidade, como valor inerente à pessoa, é inalienável e irrenunciável. Como princípio fundamental, goza do status de norma jurídica e reclama proteção e promoção pelo poder público e particulares.
A CF de 1988, em seu artigo 227, resguardou a criança e o adolescente, lançando como princípio o dever da família:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Art. 229 da CF/88 diz que: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".
Portanto, o dever dos pais perante os filhos maiores e financeiramente independentes continua a existir sempre conforme artigo 1694 do código civil em que os parentes podem pedir alimentos uns aos outros. No entanto é necessário ponderar, nessa esteira, que a obrigação alimentar em prol de filho maior de idade tem por suporte a comprovação de necessidades especiais e/ou extraordinárias ou a complementação da vida estudantil, com vistas a sua conclusão, e, nesta hipótese, deve ser tratada como prorrogação excepcional da obrigação de alimentos, e não como regra de imposição absoluta, sob pena de situações que tais prorrogarem-se por uma vida inteira, atrelando filhos e pais a uma eterna relação de dependência financeira, o que, de forma alguma, corresponde à natureza da obrigação.
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*Verônica Bettin Scaglioni é graduada em bacharel em Direito pela Ucpel, pós graduada em Direito Público pela Uniderp e em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Uninter.