Breves reflexões sobre o impedimento à compensação de estimativas mensais de IRPJ e CSLL
Nove anos depois, a restrição surge novamente, em meio a um cenário de déficit público, com nítido intuito de aumento de arrecadação. A questão que se coloca, diante disso, é concernente à validade deste impedimento, que, a julgar pela exposição de motivos da MP 449, adota a premissa de que muitas das compensações de estimativas mensais de IRPJ e CSLL são indevidas.
quarta-feira, 13 de junho de 2018
Atualizado em 11 de junho de 2018 09:54
A lei 9.430/96, que trata de restituição e compensação de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRF), foi recentemente alterada, por meio da lei 13.670/18, de modo a impedir a compensação de débitos relativos às estimativas mensais do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Essa restrição, que tem aplicação imediata1, já havia sido introduzida na legislação tributária, por meio da MP 449/08, "a fim de agilizar a cobrança dos débitos e inibir a apresentação de compensações indevidas", conforme justificativa apresentada em sua exposição de motivos. Todavia, quando da conversão da MP 449 na lei 11.941/09, a restrição não foi incorporada ao texto da lei.
Nove anos depois, a restrição surge novamente, em meio a um cenário de déficit público, com nítido intuito de aumento de arrecadação. A questão que se coloca, diante disso, é concernente à validade deste impedimento, que, a julgar pela exposição de motivos da MP 449, adota a premissa de que muitas das compensações de estimativas mensais de IRPJ e CSLL são indevidas - o que é bastante temerário e não nos parece justificável, sobretudo à luz do direito de petição2 consagrado pela Constituição Federal de 1988.
No que concerne ao aspecto formal da lei 13.670/18, o Código Tributário Nacional (CTN), de fato, confere à lei a faculdade de estabelecer condições para que se operem as compensações dos créditos fazendários. Todavia, não podemos deixar de assinalar que não é razoável exigir o pagamento das estimativas mensais de IRPJ e CSLL em detrimento da compensação de débitos dessa natureza, haja vista que tanto a compensação como o pagamento figuram no artigo 156 do CTN como modalidades de extinção do crédito tributário.
Ademais, num cenário de juros baixos, impedir que as pessoas jurídicas apliquem recursos próprios no desenvolvimento de seu objeto social para antecipar o IRPJ e a CSLL antes do encerramento do período de apuração ? ao passo em que os indébitos são atualizados com base na taxa SELIC ? é medida que afronta o princípio da proporcionalidade, pois, como é cediço, espera-se que as atividades empresariais sejam mais lucrativas do que a taxa básica de juros, de modo a justificar os riscos a elas inerentes.
Em arremate, cabe ponderar que o fato de a lei 9.430/96, com a redação alterada pela lei 13.670/18, impedir a compensação de estimativas mensais no meio do ano impõe o reconhecimento da inconstitucionalidade da alteração legislativa, sob o prisma da segurança jurídica, posto que inviabiliza o direito já adquirido relativamente à compensação de crédito gerado antes da alteração do diploma legal em apreço.
A propósito, quando da edição da MP 449/08, o Tribunal Regional da 3ª Região Fiscal fixou o entendimento de que a restrição veiculada pelo diploma em comento não poderia ter efeitos no mesmo ano de sua edição, sob pena de afrontar o princípio da segurança jurídica. Eis a ementa do referido julgado:
"MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. IRPJ E CSLL. APURADOS POR ESTIMATIVA. ART. 74, § 3º, IX, LEI 9.430/96 E MP 449/08. INAPLICABILIDADE. AGRAVO LEGAL DESPROVIDO. 1. A compensação, modalidade extintiva do crédito tributário (art. 156, do CTN), surge quando o sujeito passivo da obrigação tributária é, ao mesmo tempo, credor e devedor, sendo necessário para a sua concretização, autorização por lei específica e crédito líquido e certo, vencido e vincendo, do contribuinte para com a Fazenda Pública, consoante o art. 170, do CTN. 2. À luz dos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade da lei tributária mais onerosa ao contribuinte, infere-se que a lei não pode retroagir, salvo para beneficiar o contribuinte (sujeito passivo), como já se manifestou o STJ, no sentido de que "A lei tributária não pode retroagir para agravar a situação obrigacional do contribuinte, pois se trata de norma de garantia cuja função é protegê-lo contra a atividade tributante que exorbita da legalidade... (REsp 960.239/SC, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 14/11/12, DJe 21/11/12)". Portanto, resta pacificado o entendimento de que a legislação tributária não pode retroagir para agravar a situação obrigacional do contribuinte, pois se trata de norma de garantia, cuja função é protegê-lo contra a atividade tributante que exorbita da legalidade. Com o advento da MP 449/08, o art. 74, § 3°, IX, da lei 9.430/96 vedou-se compensação de débitos relativos ao pagamento mensal por estimativa do IRPJ e CSLL. 3. Não obstante a autorização legal para a modificação da legislação tributária que regula a compensação (CTN, art. 170) sem necessária observância à anterioridade, é de ser resguardado o direito à compensação/dedução do saldo negativo de IRPJ e CSLL recolhidos por antecipação antes da vigência da MP 449/08, em respeito ao direito adquirido, de forma que a vedação à compensação afronta o princípio da segurança jurídica. A diferença entre as antecipações mensais e o valor menor apurado como devido configura saldo negativo, o que significa o pagamento maior de tributo. Com o advento da MP 449/08, o art. 74, § 3º, IX, da lei 9.430/96 passou a vedar a compensação de débitos relativos ao pagamento mensal por estimativa do IRPJ e CSLL. 4. Na hipótese dos autos, os recolhimentos que acarretaram o saldo negativo de IRPJ e de CSLL foram efetuados antes da vigência da MP 449/08, de forma que a vedação à compensação afronta o princípio da segurança jurídica. É de se reconhecer o direito líquido e certo da impetrante para afastar a impossibilidade de compensação de créditos tributários com débitos de estimativa de IRPJ e CSLL, com base no art. 74, § 3º, IX, da lei 9.430/96. 5. O juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão. Embora evidente o esforço da agravante, não foram apresentados argumentos novos e capazes de alterar os fundamentos da decisão agravada, a qual está de acordo com a jurisprudência consolidada, devendo, portanto, ser mantida por seus próprios fundamentos. Na verdade, busca a parte externar seu inconformismo com a solução adotada, que lhe foi desfavorável, pretendendo vê-la alterada. 6. Agravo Legal desprovido."
Considerando, portanto, a premissa que embasou a alteração legislativa em análise, bem assim como os fundamentos ao norte cotejados, concluímos que a alteração promovida pela lei 13.670/18 no artigo 74 da lei 9.430/96 é passível de questionamento perante o Poder Judiciário, a fim de que os contribuintes possam compensar as estimativas mensais de IRPJ e CSLL, pelo menos em relação ao ano-calendário de 2018.
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1 Conforme artigo 11, inciso II, da lei 13.670/18.
2 Conforme artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a", da Constituição Federal de 1988.
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*Marcelo Salles Annunziata é sócio do escritório Demarest Advogados.
*Marcelo Rocha dos Santos é advogado do escritório Demarest Advogados.