A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e as sanções administrativas impostas pelos Procons
Pela nova redação do artigo 20 da LINDB será necessário, nas decisões discricionárias, apontar por que se adotou uma solução e não outra, e as consequências da aplicação da sanção, procedimento há muito exigido pelos estudiosos do direito administrativo sancionador.
quinta-feira, 7 de junho de 2018
Atualizado em 23 de setembro de 2019 17:21
Em dezembro de 2010 a Lei de Introdução ao Código Civil - LICC (decreto-lei 4.657/42) sofreu uma inusitada mudança cosmética acrescida pela lei 12.376, que alterou o nome da lei mas manteve o mesmo conteúdo de 1942, passando a chamar-se Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB. Apesar do reconhecimento pacífico da doutrina e jurisprudência que o conteúdo de Lei Geral da LICC se aplicava a outras esferas que não a do Direito Civil, talvez a mudança tenha pretendido deixar claro o que já era óbvio.
Mas uma mudança um pouco mais significativa ocorreu recentemente, em maio de 2018 com a lei 13.655 que alterou a LINDB acrescendo disposições sobre segurança jurídica e eficácia na criação e aplicação do direito público.
Ao que interessa a este breve comentário, a partir da nova redação do artigo 20 da LINDB, nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, sendo que a motivação do ato demonstrará a necessidade e adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
A partir desta nova orientação legislativa o processo sancionatório na temática das relações de consumo deverá sofrer alterações. Os autos de infração que subsidiam a aplicação de multas e que apontam a conduta e a norma violada (na grande maioria cláusulas gerais ou conceitos legais indeterminados) deverão apontar as consequências práticas esperadas da decisão que aplica multa, bem como que esta é a melhor alternativa, dentre outras possibilidades, sobretudo aquelas que permitem o ajustamento da conduta e a recomposição da lesão diretamente ao consumidor.
É neste sentido que os professores Carlos Ari Sundfeld e Bruno Meyerhof Salama fazem as seguintes observações sobre o artigo 20, enquanto ainda era uma proposta de lei (PL 7.448, de 2017 (349/15 no Senado Federal):
O projeto de lei sugere um art. 20 para a LICC. Ele trataria das decisões judiciais, administrativas e controladoras (dos tribunais de contas, hoje ativos e interventivos) que se baseiem em "valores jurídicos abstratos" (que podem ser entendidos como princípios). É fácil entender a importância de uma norma desse tipo. Como hoje se acredita cada vez mais que os princípios podem ter força normativa - não só nas omissões legais, mas em qualquer caso - o mínimo que se pode exigir é que juízes e controladores (assim como os administradores) pensem como políticos. Por isso, a proposta é que eles tenham de ponderar sobre "as consequências práticas da decisão" e considerar as "possíveis alternativas" (art. 20, caput e parágrafo único).1
Este também foi o relatório aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, quando opinou pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do PL 7.448, de 2017, aprovado:
Em relação ao mérito, o projeto, em seus arts. 20 e 21, confere maior concretude ao princípio da motivação, pois determina que as decisões nas esferas administrativa, controladora e judicial sejam tomadas não apenas com fundamentos principiológicos, mas considerando suas consequências práticas e, sobretudo, ponderando as alternativas possíveis. Exige, ainda, a prolação de decisões razoáveis e proporcionais, de forma que os danos delas decorrentes sejam de extensão e intensidade adequadas ao caso concreto.2
No mesmo sentido o parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal3, que no voto pela aprovação do Projeto fez considerações acerca da necessidade de maior controle do administrador e de qualquer outro aplicador de normas de direito público ao invocar cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados para explicar ou fundamentar casos concretos.
Pela nova redação do artigo 20 da LINDB será necessário, nas decisões discricionárias, apontar por que se adotou uma solução e não outra, e as consequências da aplicação da sanção, procedimento há muito exigido pelos estudiosos do direito administrativo sancionador.
Positiva-se, portanto, a necessidade de sanções mais razoáveis, em concretização ao princípio constitucional da proporcionalidade do ato administrativo sancionatório.
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1 R. de Dir. Público da Economia - RDPE | Belo Horizonte, ano 14, n. 54, p. 213-216, abr./jun. 2016.
2 Relatório da CCJ de autoria do Deputado Paulo Abi-Acke, disponível no site (clique aqui).
3 Os arts. 20 e 26 do projeto em análise visam a positivar o princípio da motivação concreta, inclusive para a invalidação de atos. Proíbe o administrador (ou a qualquer outro aplicador de normas de direito público) de invocar "cláusulas gerais" ou "conceitos jurídicos indeterminados" para explicar os concretos motivos de seu agir, ou quando da invalidação de atos ou contratos. (...) Ambos os artigos tratam da exigência de que os administradores, ao praticarem atos administrativos, o façam com motivação concreta, o que traz um ganho de qualidade para as decisões (especialmente administrativas e tributárias), pois se passa a exigir não só alguma motivação, mas uma que seja específica. De outra parte, será necessário, nas decisões discricionárias, apontar por que se adotou uma solução e não outra, proceder de há muito exigido pelos estudiosos do direito administrativo. Combatem-se, em suma, as chamadas "motivações mascaradas". Institucionaliza-se, ademais, a necessidade de uma avaliação econômica (lato sensu) da decisão de invalidar, inclusive levando em conta seus possíveis impactos. Finalmente, de forma adequada e meritória, positiva-se a necessidade de evitar danos ou prejuízos excessivos aos administrados, o que significa a concretização do princípio constitucional (implícito) da proporcionalidade. In Relatório da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o processo PL DO SENADO 349, de 2015, do senador Antonio Anastasia, que Inclui, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (decreto-lei 4.657, de 1942), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Disponível em clique aqui.
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*Vitor Morais de Andrade é advogado e sócio do escritório LTSA Advogados. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Extensão em Economia pela FGV e Negociação pela Harvard Law School. Coordenador do curso de Direito da PUC/SP. Foi coordenador geral do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.