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Novo discurso sobre a subversão da Constituição

Evandro Fernandes de Pontes

Típico fenômeno da periferia do capitalismo, a Constituição Federal, já aos 15 anos, chegará cheia de cicatrizes e experiências dolorosas, com a grave mania de se enxertar nas escaras do texto constitucional, uma solução que pode estar ali. Não buscamos soluções na constituição, mas partimos para reduções, imaginando ter acabado com um problema.

sexta-feira, 3 de outubro de 2003

Atualizado às 09:42

 

Novo discurso sobre a subversão da Constituição

 

 

(em homenagem ao seu 15º aniversário,

ao Círculo das Quartas-Feiras e

ao Prof. Goffredo da Silva Telles Junior)

 

 

 

Evandro Fernandes de Pontes*

 

No próximo domingo, a nossa constituição completará 15 anos. Como bem expôs um grande amigo meu, magistrado, a constituição estará em plena "puberdade", e como é de costume na adolescência, sofre por extremos e inconstâncias.

 

Não só pela leitura destas específicas migalhas ao longo dos últimos anos, mas de outras que envolveram várias cirurgias no corpo constitucional, vimos extremos berrarem gerando um texto, atualmente, estropiado: mais de 4000 medidas provisórias (entre as reeditadas e as outorgadas) e com 40 emendas, por leituras as mais extremadas possíveis. Seja nos bancos escolares, seja nas cortes, ou ainda no Congresso Nacional, a Constituição já foi lida das formas mais distorcidas que se possa imaginar. Desde leituras reducionistas até leituras extremamente "liberais" (lato sensu) e abrangentes marcaram esses 15 anos de excesso.

 

Ultra-conservadores de esquerda (sim, a esquerda pode ser conservadora...) e ultra-reacionários de direita se digladiaram sobre o texto, desde a sua formação, por trás de fórmulas jurídicas, esticando, comprimindo, retalhando. Ora se cuidavam de formas jurídicas antigas, ora se tratavam de formas macaqueadas de algum outro ordenamento supostamente superior ao nosso.

 

E é a partir dessas leituras que a vida da constituição se biografa. E se a vida de um texto são suas leituras, o recente caso "Gugu-PCC" pode mostrar como um princípio constitucional tal qual o da liberdade de expressão pode servir às mais variadas matizes e interesses. E quando o texto não atende o leitor, imediatamente se pensa: "por que não mudar o texto?".

 

Típico fenômeno da periferia do capitalismo, a Constituição Federal, já aos 15 anos, chegará cheia de cicatrizes e experiências dolorosas, com a grave mania de se enxertar nas escaras do texto constitucional, uma solução que pode estar ali. Não buscamos soluções na constituição, mas partimos para reduções, imaginando ter acabado com um problema.

 

Nesses 15 anos de experiência de leitura, não aprendemos a encontrar soluções na constituição, mas repetimos o vício de achar que ela só carrega problemas. Muitos dirão que esse seria um dos efeitos da democracia, mas em raras comparações com outras experiências constitucionais democráticas, veremos uma democracia se formar com tantas emendas e intervenções diretas do poder executivo.No país do "permanente provisório com ares moderadores", ainda não atinamos que uma democracia se forma com ciência e consciência e não com insistência e indecência. A falta de diálogo ou o diálogo diferido a posteriori, do qual do Código Civil é um grande exemplo, mostra o quanto ainda estamos viciados com uma cultura anti-democrática, por mais que queiramos praticar o contrário.

 

Vale lembrar uma antiqüíssima Migalha, proferida pelo brilhante advogado e migalheiro Lysias (459-380a. C.), no século V a.C., em defesa da Constituição ateniense, intitulado "Discurso contra a subversão da constituição":

"Neste derradeiro momento em que supomos, homens de Atenas, que os desastres que caíram sobre ela foram deixados para trás com suficientes lembranças para a pólis se prevenir até mesmo de um desejo de nossos descendentes pela mudança da constituição, tais homens procuram nos enganar, depois de tantos e funestos sofrimentos e de nossa experiência em ambos os sistemas, com as mesmas espécies de decreto com que nos iludiram duas vezes antes".

Que esta valiosa migalha nos sirva de manifesto.

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*Advogado da Assessoria Jurídica Societária, de Mercado de Capitais e Contratos Bancários do Banco Itaú S.A.

 

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