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A indisponibilidade financeira e a substituição pelo seguro-garantia nas ações de Improbidade Administrativa

A posição que se perfaz como a mais adequada é o ajuizamento de ações civis de improbidade somente para os casos estritamente necessários, separando bem as condutas ímprobas das demais condutas.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Atualizado em 26 de abril de 2018 08:38

A lei 8.429, de 2 de junho de 1992, disciplina a ação de improbidade administrativa, dispondo sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função, pela prática de atos desonestos, ilícitos e censuráveis, que acarretem enriquecimento ilegítimo e prejuízos ao erário público.

O objetivo precípuo da ação de improbidade administrativa não é - e não deve ser - a reparação do dano e, sim a responsabilização do agente, em regra, o gestor público. Para fins específicos de reparação do dano, existem diversas medidas que a Administração pode se valer, a fim de reaver o montante referente ao enriquecimento sem causa.

Assim, a ação civil de improbidade administrativa é instrumento hábil para punir atos deliberados de corrupção, praticados por gestores que se enriquecem ilicitamente em prejuízo de toda a sociedade.

Ocorre que, diante do quadro crítico de corrupção alastrada no cenário político do Brasil, o instituto da ação civil de improbidade ganha bastante relevância, despertando a busca ávida pela reparação dos injustos cometidos contra o patrimônio público. Sendo certo que, nos últimos anos, ocorreu um grande aumento na propositura desse tipo de ação, que vem sendo acompanhado, por vezes, pela mídia local.

Deve-se sempre ter em mente que não é qualquer dano ou qualquer ato que é passível de aplicação das severas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, e esse ponto merece grande reflexão.

Isso porque os membros do MP, titulares dessas ações, vêm buscando, através das Ações de Improbidade Administrativa, responsabilizar gestores públicos e particulares por todo e qualquer ato que considere ensejador de danos ao erário, o que, em verdade, não se coaduna com a ratione da lei.

Na prática, é possível verificar casos em que o Parquet ingressa com ações de improbidade sem que haja qualquer juízo de valor sobre o ato a ser combatido, tão somente tentando evitar a prescrição de seu direito de agir, sobretudo em decorrência do lapso temporal necessário para se verificar a fundo se houve ou não a prática delituosa.

Entretanto, é certo que para respeito da intenção da lei e sua salvaguarda, há que se separar o "joio do trigo", o "simples" dano ao erário por equívocos de gestores e particulares daqueles atos corruptos, desonestos, fraudulentos, etc.

Não é justo e nem razoável que se coloque na mesma balança gestores corruptos, que se enriquecem dolosa e ilicitamente às custas dos recursos públicos, e gestores corretos que, sob a ótica ministerial, tenham causado algum prejuízo ao Estado, seja por incompetência ou até mesmo por má-gestão.

É fato que são grupos de pessoas totalmente diferentes e assim devem ser vistas tanto pela sociedade quanto pelo MP.

Não se está aqui querendo aceitar atos de má-gestão, esse não é o intuito, posto que os recursos públicos devem ser utilizados com zelo e eficiência. O que se pretende é separar as condutas que devem, sim, ser vistas como diversas, sob pena de comprometimento do interesse precípuo da lei.

Com efeito, é importante que não seja esquecida a finalidade da lei, que é justamente a responsabilização por atos ímprobos, sob pena de fragilizarmos o instituto da ação de improbidade. Isso porque, quando se categoriza tudo como ato de improbidade, automaticamente, nada o será mais.

Em outras palavras, a judicialização contra tudo e contra todos pela Lei de Improbidade constitui um grave equívoco, configurado, inclusive, em desacordo com o desígnio da própria lei, podendo levar ao descrédito a valorosa Ação de Improbidade.

Não é só o ingresso da ação judicial que vem sendo "abusado" pelo MP, mas também os pedidos de constrição de valores - a chamada indisponibilidade financeira - para assegurar eventual reparação de dano ao erário. Pleito esse que vem sendo acatado por alguns magistrados.

Para agravar a situação, existem decisões judiciais - prolatadas no início da ação, quando, em tese, ainda está se discutindo se estão (ou não) presentes os requisitos para a continuação da demanda judicial - que, ao contrário do que disciplina a Lei, não aceitam a apresentação de seguro-garantia em substituição ao dinheiro.

Entrementes, com o advento do novo CPC1, houve a equiparação do seguro-garantia - acrescido de 30% do montante devido - ao dinheiro, não havendo qualquer outra condição para sua aceitação pelo Poder Judiciário. Essa disposição legal guarda relação com o princípio da menor onerosidade, segundo o qual o réu deve sofrer o estritamente necessário para satisfação do crédito.

A melhor doutrina esclarece a necessidade de observância da referida norma. Neste sentido, se posicionam os ilustres Leonardo Cunha, Lenio Strek e Dierle Nunes, in verbis:

Agora, como a redação do parágrafo 2.º do art. 835 do CPC/15 estabelece regra (sem correspondência legislativo anterior) segundo a qual "para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial", parece não haver mais sentido na não aquiescência judicial relativamente ao pleito dessa substituição. Naturalmente, há que se considerar, ainda, a exigência estampada na parte final daquele mesmo parágrafo 2.º, que obriga ao executado apresentar a carta fiança ou seguro garantia "em valor não inferior ao débito de constante da inicial, acrescido de 30% (trinta por cento)", o que se justifica tendo em conta os acréscimos de atualização, juros, custas e honorários, todos aderentes ao valor principal executado2.

Observa-se, então, que a negativa de alguns magistrados à observância da referida normativa, com todo o respeito, merece ser revista, a uma, porque não encontra sustentáculo jurídico; a duas, porque afronta ao princípio da menor onerosidade, forçando o réu da ação a danos mais gravosos sem qualquer benefício já que a ação de uma forma ou de outra estará garantida.

Essas decisões, apesar de muito gravosas, vêm sendo reformadas nas instâncias superiores, restabelecendo a justiça e mantendo a legalidade e razoabilidade da substituição da indisponibilidade financeira pelo seguro-garantia. Exemplo de decisões modificativas, como as que se refere aqui, é a prolatada no bojo do Ag 0004294-23.2017.8.17.9000, do Desembargador Dr. José André Machado Barbosa Pinto, que se transcreve trecho por sua relevância e pertinência temática.

(...)

Cumpre destacar também que diante da atual situação econômico-financeira do país, muitas empresas não estão conseguindo se manter em atividade, e o bloqueio de quantia tão significativa pode levar a empresa agravante a graves danos financeiros e sociais, vez que é geradora de muitos empregos, como já demonstrado, mesmo que na atual fase processual, pelos documentos constantes dos autos.

Frise-se que, ainda que a agravante perfeitamente solvente e com dinheiro em conta para realização de penhora referente à integralidade do valor exequendo, mesmo assim, não se poderia impedir a almejada substituição por seguro.

Neste sentido, entende o STJ:

"Não é possível rejeitar o oferecimento de fiança bancária para garantia de execução meramente com fundamento em que há numerário disponível em conta corrente para penhora" (REsp 1.116.647, STJ 3ª Turma, rel. Nancy Andrighi, j. em 25.03.2011).

Destaco ainda que a garantia em comento, diversamente de uma garantia apresentada em sede de execução de título, garante um débito incerto, na medida em que a "certeza" da existência do débito apenas ocorrerá com o julgamento da causa e a condenação (eventual) da empresa Agravante. (...)

Desta feita, a posição que se perfaz como a mais adequada é o ajuizamento de ações civis de improbidade somente para os casos estritamente necessários, separando bem as condutas ímprobas das demais condutas, assim como da aceitação, através de decisão judicial e por imposição legal, da substituição do dinheiro indisponibilizado pelo seguro-garantia.

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1 Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
(...)
§ 2o Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

2 STRECK, Lenio Luiz; Nunes, Dierle; CUNHA, Leonardo. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1.103.

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*Carolyne da Frota Cavalcante é advogada especializada em Direito Administrativo no da Fonte, Advogados, em PE.

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