Sem gestor Hércules, o PL 7.448/17 é mesmo a saída possível
O referido PL visa a acrescentar onze artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, para que faça dela constar também normas de direito público.
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Atualizado em 16 de abril de 2024 15:10
Muito recentemente, a discussão acerca do Projeto de Lei 7.448/17, aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção presidencial, tornou-se acalorada no âmbito do direito público brasileiro. Pululam artigos e manifestações em diferentes sentidos, seja para sustentar a inadequação do mencionado projeto, seja para afirmar a sua relevância.
O referido PL visa a acrescentar onze artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, para que faça dela constar também normas de direito público. Atualmente, diante do cipoal normativo atinente ao direito administrativo, é importante a existência de obrigações à Administração Pública que se apresentem em nível legal, entre a normatividade constitucional e o amplo plexo de normas executórias. A LINDB trará o que, desde a partida do ordenamento jurídico brasileiro, deve-se ter em mente no agir administrativo, inclusive no controle de legalidade dos atos.
Infelizmente, não é possível que - por lei - haja a concepção de gestor destemido, de administrador público que faz o que tem de ser feito para o cidadão, pois tem legitimidade por sufrágio para isso, sem precisar de chancela de quem quer que seja para cumprir os cometimentos que lhe são impostos.
Em face dessa limitação, já que pela via legislativa não se muda tudo, apresenta-se projeto de lei que, diante da progressiva infantilização do administrador público, estabelece balizas para o exercício do controle dos atos administrativos. Deve-se citar três exemplos de tal tendência no referido projeto:
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"A decisão que, na esfera administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas, de ação de convalidação, de cálculo dos efeitos" (artigo 21);
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"Quando necessário por razões de segurança jurídica de interesse geral, o ente poderá propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença fará coisa julgada com eficácia erga omnes" (artigo 25);
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"O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro" (artigo 28).
Os dispositivos acima têm como traço comum, em algum nível, a proposição de solução possível para o fenômeno do gestor acanhado diante da inarredável ameaça sancionatória a partir de qualquer ato que engendre.
De mais a mais, falando das coisas que existem, e não do que elas deveriam ser, é que, já que os controladores têm se sub-rogado nas atividades da Administração Pública, que elas considerem "os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo" (artigo 22), com a reflexão acerca das consequências dos atos engendrados e da percepção da continuidade da gestão pública, sem se olvidar o dia seguinte.
Além disso, não é admissível que, após longo período, venha-se questionar acerca da correção de um determinado ato ou contrato administrativo, como se estes estivessem em insuperável estado de expectativa, até que finalmente fossem objeto de questionamento de sua legalidade no âmbito das Cortes de Contas ou no Judiciário.
Mais do que isso: atos e contratos administrativos pretéritos não podem ser objeto de controle com lentes dos dias de hoje. É anacrônico. Por esses fatores é que se tem a previsão do artigo 24 do PL, na qual se impõe uma análise contextualizada, já que a "revisão, na esfera administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas".
De outro bordo, serão criados parâmetros para que a Administração Pública seja mais previsível e constante em sua atuação, já que "(...) impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais" (artigo 23).
Pelo mesmo fundamento, vê-se o artigo 30, no qual se estabelece que "as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas".
Estabelece-se também a participação do cidadão no âmbito decisório da Administração Pública - já que "(...) a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados(...)" (artigo 29) - e há a consagração da pretendida Administração consensual, que se afigura na possibilidade de "celebrar compromisso com os interessados" (artigo 26) e "poderá envolver transação quanto a sanções e créditos relativos ao passado e, ainda, o estabelecimento de regime de transição" (artigo 26, §2º, II).
Por uma perspectiva, o referido Projeto de Lei é a síntese das tendências mais modernas do direito administrativo. Por outra ótica, é a resposta possível em um cenário de crise. Já que não temos, nem teremos, um gestor Hércules (por empréstimo do juiz de Dworkin), fica pelo menos um projeto de lei que pretende equilíbrio nas relações institucionais e previsibilidade na gestão administrativa. Do ponto de vista do cidadão, definitivamente, não é pedir muito.