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Criminal compliance se torna instrumento indispensável para a sobrevivência das pessoas jurídicas?

Do ponto de vista legal, a Constituição não repele, mas também não admite expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica, financeira e contra e economia popular.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Atualizado em 6 de abril de 2018 08:13

A corrupção é um mal que assola o mundo, provocando efeitos nefastos na ordem social, política, econômica e jurídica das nações1. Sua erradicação é tarefa impossível, mas pode-se controla-la a níveis mais baixos.

O discurso de enfrentamento à corrupção é global, mas muitas vezes pecamos ao definir, tecnicamente, o que vem a ser corrupção, misturando as noções das outras ciências que também estudam o tema (Ética, Economia, Filosofia entre outras) à norma legal, notadamente a penal.

Do ponto de visto normativo o cenário se modifica a cada dia. Em prol do combate à corrupção a legislação brasileira se tornou farta e confusa. Farta em razão da edição de inúmeras normas que não se harmonizam, dentre as quais a Lei Anticorrupção (lei 12.846/13) e da Lei das Organizações Criminosas (lei 12.850/13), que reprimem com austeridade a prática de um ato que se enquadre nas suas tipificações2. E confusa porque já não se consegue estabelecer com clareza a competência de atuação dos vários órgãos estatais na sua atuação (hoje não se sabe qual órgão pode celebrar acordo de leniência) e o real limite de responsabilidade pelo qual o acusado estará sujeito.

Ainda assim, a impressão que se tem é que as ferramentas postas não são suficientes.

Tramita o Projeto de Lei do Senado 236/2012 (PLS 236/12), que estabelece nos seus artigos 41 a 44, a reponsabilidade penal da pessoa jurídica de direito privado pelos crimes praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente.

Existem vários questionamentos doutrinários contra a previsão de responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A priori, o Direito Penal age com base no caráter fragmentário e subsidiário, ou seja, em caso de considerável lesão ao bem jurídico e quando os outros ramos do direito falharem. A tarefa de responsabilizar pessoa jurídica caberia, portanto, mais ao Direito Administrativo Sancionador, como já está previsto com a Lei Anticorrupção, do que o Direito Penal3.

Relativamente à dogmática penal há discussão profunda sobre as teorias do crime, uma vez que a pessoa jurídica é, em tese, incapaz de ação (conduta humana) e de culpabilidade, portanto impossível de ser responsabilizada criminalmente.

Do ponto de vista legal, a Constituição não repele, mas também não admite expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica, financeira e contra e economia popular4. Contudo, a comporta, de forma expressa, nos casos de crimes ambientais5.

A questão é tormentosa e será terreno de bastante discussão. O Estado, por questões de política criminal, deve envidar esforços para aprovar o texto legal, espelhando-se em alguns países da Europa que admitem a punição da pessoa jurídica (Espanha e Portugal, por exemplo).

Na hipótese de o Projeto ser aprovado, haverá a previsão de mais uma esfera de responsabilização da pessoa jurídica, que poderá se tornar ré em um estigmatizaste e demorado processo penal, não se esquecendo da carga já proporcionada à pessoa jurídica pela Lei Anticorrupção, que pode atingir o patrimônio dos sócios, dirigentes ou administradores pela prática do ato lesivo através de desconsideração da personalidade jurídica6, sem prejuízo da responsabilidade criminal individual7.

O quadro será o seguinte: Caso a pessoa jurídica pratique algum ato que seja tipificado como corrupção as punições da Lei Anticorrupção (de natureza administrativa) são: (i) multa; (ii) publicação da decisão condenatória nos sítios eletrônicos; (iii) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração; (iv) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; (v) dissolução compulsória da pessoa jurídica; (v) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. Com relação às penalidades de natureza penal previstas no PLS 236/2012 são: (i) multas; (ii) restritivas de direito (ii.a) suspensão parcial ou total de atividades; (ii.b) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; (ii.c) a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação ou celebrar qualquer outro contrato com a Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta; (ii.d) proibição de obter subsídios, subvenções ou doações do Poder Público, pelo prazo de um a cinco anos, bem como o cancelamento, no todo ou em parte, dos já concedidos; (ii.e) proibição a que seja concedido parcelamento de tributos, pelo prazo de um a cinco anos.; (iii) prestação de serviços à comunidade; (iv) perda de bens valores.

Cada vez mais o criminal compliance sobressai como antídoto a tais situações. Prevenir ou mitigar a responsabilidade penal diante dos crimes do colarinho branco se mostra necessário.

O compliance, que surgiu como medida de governança e gestão, parece caminhar cada vez mais rápido como mecanismo de prevenção de ilícitos penais, já que o Direito Penal poderá decretar o óbito das pessoas jurídicas, pois muitas corporações dependem de contratar com o Poder Público, obter parcelamentos tributários e estar limpa com os cadastros públicos que registram punições.

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1 TORCHIA, Bruno Martins; MACHADO, Tacianny Mayara Silva. Os reflexos sociais da corrupc¸a~o no direito ao trabalho. In: Vedovato, Luis Renato et al. XXV Encontro nacional do Conpedi. Floriano'polis, 2016.

2 O catálogo de enfrentamento à corrupção é muito maior, podendo citar a Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei de Licitações, Lei de Conflito de Interesses, entre outras.

3 TORCHIA, Bruno Martins; DIAS, Maria Tereza Fonseca. A necessidade de harmonização das esferas do poder punitivo estatal (administrativa e penal) no combate à corrupção. In: Corrupção e seus múltiplos enfoques jurídicos. Belo Horizonte, Fórum, 2018.

4 Art. 173, § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

5 Art. 225, § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

6 Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

7 Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

[...]

§ 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.

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*Bruno Torchia é professor de Direito Penal, Mestre em Direito Público e especialista em Prevenção e Repressão à Corrupção.

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