Um mal sem precedentes: a insegurança jurídica provocada pelo Supremo Tribunal Federal
Há um paradoxo: a sociedade clama menos impunidade, mas a Justiça, ao invés de resolver o problema de sua morosidade, prefere violar garantias constitucionais do cidadão que está sendo processado.
quarta-feira, 4 de abril de 2018
Atualizado às 08:58
A prisão em segunda instância é abominável! Para a sua imposição e manutenção foi necessário mal interpretar a Constituição Federal e implicitamente declarar a inconstitucionalidade de artigo de Lei Federal absolutamente constitucional.
Para se chegar a esta conclusão, à revelia da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal, desafio que seja dada uma interpretação diferente à literalidade do que dispõe o artigo 283 do Código de Processo Penal: ["Ninguém poderá ser preso senão (...) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado..."]. Ora, o texto é claro, não há margem para interpretação diversa.
O clamor social - daquelas pessoas que desconhecem o ordenamento Jurídico (até porque não são educadas a conhecer e entender as normas, tampouco a Constituição Federal) -, aliado aos argumentos sofistas de representantes do Ministério Público e de Juízes, provocaram uma equivocada decisão do Supremo Tribunal Federal, que, por estar se perpetuando, causa, além de angústia aos operadores do direito, uma insegurança jurídica de nível elevadíssimo e que afeta toda a sociedade.
Recentemente, Deltan Dallagnol, Procurador Titular da operação "Lava Jato", bisonha e inacreditavelmente, declarou que fará jejum durante julgamento de Habeas Corpus no Supremo, como forma de pressionar a Suprema Corte a manter a decisão de aprisionamento após julgamento em 2ª instância.
Sérgio Moro, juiz Titular da Lava Jato, em entrevista à televisão, afirmou que mudar o entendimento significaria a liberdade de assassinos e estupradores. Com todo o respeito, isto não é verdade!
A alegação do juiz Sérgio Moro, replicada por diversos juristas, não procede, pois a prisão após julgamento de Recurso na 2ª instância não tem qualquer relação com supostos assassinos, traficantes, estupradores (que, se assim são denominados, é porque já há um grau de culpabilidade evidente) que já estão presos preventivamente.
Hoje, no Brasil, quase 50% da população carcerária está presa cautelarmente, é dizer: presa aguardando julgamento. Por quê? Porque, no entender dos julgadores, eles representam perigo à ordem pública, à ordem econômica, ameaçam fugir ou obstruir o desenvolvimento da investigação ou do processo penal.
Estas pessoas permanecerão presas, sim, independentemente do entendimento do Supremo. Apenas aqueles que responderam todo o processo em liberdade, pois não causavam perigo à sociedade nem à Justiça é que continuarão soltos até o trânsito em julgado de suas condenações: quando não couber mais nenhum recurso.
Repito: apenas aqueles que estiveram soltos durante todo o curso do processo em 1ª e 2ª grau é que permanecerão em liberdade. Ora, se não havia motivos que justificassem a prisão durante todo esse tempo, por que prender após o julgamento em 2ª instância?
Este novo tipo de prisão, inexistente no ordenamento jurídico penal, não resolverá o problema do país. Trata-se, na verdade, de um paliativo, que visa transferir a responsabilidade da demora dos julgamentos pelos Tribunais Superiores para aquelas pessoas que estão soltas e processadas criminalmente.
Há um paradoxo: a sociedade clama pelo fim da impunidade, mas a Justiça, ao invés de resolver o problema de sua morosidade, prefere violar garantias constitucionais do cidadão que tem um processo penal contra si, usando de uma visível e perigosa manobra, a fim de permitir uma satisfação popular, por assim dizer, "inconstitucional".
Não bastasse a equivocada interpretação dada à norma, alimentando o desejo da "maioria", no último dia 22 de março de 2018 o Supremo, durante a sessão de julgamento da Corte, conferiu uma (jamais vista) espécie de medida cautelar "média" ao ex-presidente Lula, garantindo a sua liberdade até o julgamento do mérito de seu Habeas Corpus, que ocorrerá no dia 04 de abril de 2018.
Desta vez não foi o princípio da presunção de inocência. Agora o Supremo violou o princípio da impessoalidade, pois há uma previsão constitucional de que todos são iguais perante a lei. Deferir uma medida cautelar apenas porque o paciente é um ex-presidente, bem assim utilizar uma "viagem" de um Ministro para justificar a benesse é (mais) um precedente que causa, como gosta de dizer o Ministro Barroso, um mau sentimento. Fosse um anônimo impetrando o mesmo Habeas Corpus, jamais teria uma medida dessa a ele concedida. Mas aguardemos o julgamento marcado para o dia 04 de abril próximo: qual será o próximo princípio constitucional que será violado?
O ilustre advogado Técio Lins e Silva, em sustentação oral perante aquele Tribunal, disse que sempre depositou nele forte esperança, e, durante sua jornada como advogado, ao se deparar com alguma decisão ilegal esbravejava: "Nós vamos ao Supremo". Acontece que o Supremo vem eliminando essa esperança, pois, diante dessas últimas decisões, não há como prever de que lado o Supremo estará quando posto a decidir tema que tenha repercussão midiática e social: se do lado da legalidade ou da pressão da "maioria".
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*José Luiz Galvão é advogado do escritório da Fonte, Advogados. Especialista em Direito Penal e membro da Comissão de Direito Penal da OAB/PE.