Portadores de transtorno do espectro do autismo têm direito a tratamento multidisciplinar custeado pelos planos de saúde
O Transtorno do Espectro Autista envolve diversas patologias que prejudicam o desenvolvimento neurológico e apresenta três características: dificuldade de socialização, de comunicação e comportamentos repetitivos.
segunda-feira, 2 de abril de 2018
Atualizado em 28 de março de 2018 10:11
O dia 02 de abril foi instituído como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Esta síndrome é representada por uma fita contendo peças de quebra-cabeça e com predominância da cor azul. A fita de conscientização representa o ato de informar as pessoas sobre o autismo e como lidar com ele; o quebra-cabeça significa a complexidade do autismo e a cor azul indica sua maior incidência no sexo masculino.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolve diversas patologias que prejudicam o desenvolvimento neurológico e apresentam três características: dificuldade de socialização, de comunicação e comportamentos repetitivos. Essas síndromes apresentam escalas de severidade e de prejuízos diversas.
Dentre tais transtornos, o autismo é o que acomete mais os meninos e caracteriza-se, especialmente, pela inabilidade na interação social, como dificuldade em fazer amigos, em expressar emoções, podendo não responder a contato visual ou evita-lo; dificuldade de comunicação eficiente e comprometimento da compreensão, além de prejuízos comportamentais, como movimentos repetitivos e diversas manias.
Os primeiros sinais do autismo geralmente são observados pelo pediatra, que acompanha o desenvolvimento motor e cognitivo da criança. Após tal identificação, os pais são orientados a procurar um médico da área psiquiátrica ou neurológica para fazerem o diagnóstico. A partir daí, estes profissionais prescrevem tratamentos que abrangem especialistas que trabalham em conjunto e com avaliações periódicas da criança e por um longo período.
Os profissionais que habitualmente fazem parte dessa equipe multidisciplinar são o psiquiatra ou neurologista infantil, psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional.
A comunidade médica esclarece que o portador de autismo sofre de um distúrbio incurável, mas especialmente naqueles com grau leve, os sintomas podem ser substancialmente reduzidos caso recebam o tratamento adequado o mais cedo possível, proporcionando-lhe condições de conduzir a vida de forma mais próxima da normalidade.
A lei 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, que trata-se de uma relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial de Saúde.
A CID 10, no capítulo V, prevê todos os tipos de Transtornos do Desenvolvimento Psicológico. Um destes é o Transtorno Global do Desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo.
Da mesma forma, a lei 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê em seus artigos 2°, III e 3°, III, "b" a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo.
Vale ainda mencionar os artigos 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem o direito ao respeito da dignidade da criança, bem como a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral.
Fica claro, assim, que a legislação atual garante cobertura a diversos transtornos do desenvolvimento, inclusive ao autismo, e ao tratamento que o beneficiário do plano de saúde necessita, quais sejam, as sessões multidisciplinares de fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia, dentre outras.
No entanto, as operadoras e seguradoras de saúde limitam o acesso do beneficiário a apenas algumas sessões multidisciplinares anuais. Ocorre que, referido tratamento, demanda longo período de acompanhamento do paciente, sendo insuficiente a cobertura de apenas algumas sessões.
O argumento utilizado pelas empresas de planos de saúde para tal restrição está no Rol da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, que determina a cobertura a poucas sessões de terapias.
Ocorre que, conforme entendimento do Poder Judiciário, esse Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde não se trata de uma listagem taxativa, mas sim da cobertura mínima obrigatória que deve ser prestada pelos planos privados de assistência à saúde.
Desta forma, tal argumento de seguir o que consta no referido rol da ANS não prevalece, eis que uma listagem emitida por órgão regulador não pode se sobrepor à lei 9.656/98, ou seja, não pode limitar o que a lei não restringiu.
Não se olvide, ainda, que o médico é o responsável pela orientação terapêutica ao paciente, de forma que se a enfermidade necessita de tratamento prolongado e o profissional assistente não limitou a quantidade de terapias, não pode o plano de saúde pretender limitá-las.
Nesse sentido, vale ressaltar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"Ao prosseguir nesse raciocínio, conclui-se que somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente. A seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor. Ora, a empresa não pode substituir-se aos médicos na opção terapêutica se a patologia está prevista no contrato.
(...)
Ao propor um seguro-saúde, a empresa privada está substituindo o Estado e assumindo perante o segurado as garantias previstas no texto constitucional. O argumento utilizado para atrair um maior número de segurados a aderirem ao contrato é o de que o sistema privado suprirá as falhas do sistema público, assegurando-lhes contra riscos e tutelando sua saúde de uma forma que o Estado não é capaz de cumprir. (REsp nº 1.053.810/SP - 3ª Turma - Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 17/12/2009)"
Importante mencionar, ainda, por analogia, a súmula 302 do Superior Tribunal de Justiça, que assim determina: "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado"
Ora, se nem mesmo os dias de internação podem ser limitados, o que gera muito mais despesas para as operadoras e seguradoras de planos de saúde, não há razão alguma para se limitar sessões relacionadas ao tratamento multidisciplinar do paciente autista.
Necessário ressaltar que essa postura abusiva das empresas de planos de saúde tem sido repelida pelo Poder Judiciário, que tem deliberado em favor dos pacientes, a fim de obterem o tratamento médico adequado, sem limitação na quantidade de terapias necessárias.
Vale destacar, ainda, que muitos profissionais indicam tratamento do autismo com o método A.B.A. (Applied Behavior Analysis, na sigla em inglês), ou seja, Análise do Comportamento Aplicada, em que o terapeuta analisa o comportamento verbal e não-verbal do paciente para aplicar os princípios desta técnica, a fim de auxiliar a criança a desenvolver habilidades sociais, de comunicação, dentre outras.
E aqui o consumidor se depara com outro problema, eis que nem todo convênio médico dispõe de profissional que atenda com referido método.
Para guiar casos como este, a Agência Nacional de Saúde - ANS, editou a Resolução Normativa nº 259 que regula a obrigatoriedade de cobertura do procedimento fora da rede credenciada:
"Art. 4º Na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em:
I - prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município; ou
II - prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofes a este.
§ 1º No caso de atendimento por prestador não integrante da rede assistencial, o pagamento do serviço ou procedimento será realizado pela operadora ao prestador do serviço ou do procedimento, mediante acordo entre as partes."
Observa-se, assim, que inexistindo na rede credenciada um profissional habilitado a tratar determinada enfermidade, como neste caso da terapia A.B.A., o beneficiário pode buscar a respectiva assistência fora da rede, devendo a seguradora efetuar a devida cobertura mediante reembolso do valor gasto.
Portanto, qualquer restrição que se faça ao tratamento multidisciplinar necessitado pelo portador de transtorno do espectro do autismo se mostra abusiva, pois contraria a legislação vigente.
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*Ana Paula Carvalho é advogada no escritório Ana Paula Carvalho Advocacia.