A mulher e o crime
Dados fornecidos pelo Relatório Nacional Feminino - que retrata anualmente o perfil da mulher brasileira - dão conta de que a cada 15 segundos uma mulher é agredida fisicamente. Como o período de 24 horas contém 5.760 vezes a fração 15 segundos, está claro que a cada dia 5.760 mulheres estão sendo espancadas no Brasil.
segunda-feira, 20 de outubro de 2003
Atualizado em 29 de setembro de 2003 06:38
A mulher e o crime
Adeildo Nunes*
O Governo Federal acaba de lançar programa especial em defesa da mulher, criando centros de atendimentos regionais, expansão das delegacias especializadas e treinamento de profissionais com a finalidade de prestar assistência efetiva às vítimas do sexo feminino, depois de comprovado que as mulheres brasileiras com muito maior freqüência estão sendo vítimas indefesas de atentados contra a sua integridade física. A realidade brasileira é cruel: nunca as mulheres foram tão brutalmente atingidas como nos últimos tempos. Somente neste ano 112 delas foram assassinadas em Pernambuco, número igual ao registrado durante todo o ano passado, segundo o Fórum de Mulheres de Pernambuco. Dados fornecidos pelo Relatório Nacional Feminino - que retrata anualmente o perfil da mulher brasileira - dão conta de que a cada 15 segundos uma mulher é agredida fisicamente. Como o período de 24 horas contém 5.760 vezes a fração 15 segundos, está claro que a cada dia 5.760 mulheres estão sendo espancadas no Brasil. Esses dados foram coletados junto aos nossos órgãos encarregados pela segurança pública. Considerando que somente 10% das agressões sofridas por mulheres são denunciadas e portanto chegam ao conhecimento das autoridades policiais - quer por medo, vergonha e até por ameaça do próprio agressor - é forçoso reconhecer que as mulheres de há muito necessitam de uma atenção especial por parte das nossas autoridades públicas, mormente aquelas responsáveis pela prevenção e repressão ao ilícito penal. É evidente que essas agressões - não só as de natureza física, pois tantas vezes atinge-se a mulher com o uso de sofrimento moral e sexual - precisam ser contidas urgentemente, mas para isso é primordial a participação da vítima denunciado publicamente o fato, pois do contrário os espancamentos serão mais constantes, exaltando-se a impunidade.
Pior de tudo é saber que a grande maioria dessas agressões acontece dentro do próprio lar, na presença dos filhos do casal, quase sempre perpetradas pelo marido da ofendida, no mais das vezes tornando o seio familiar um pesadelo constante levado pelos maus-tratos e violências físicas e morais as mais diversificadas possíveis, a que fatalmente as mulheres são submetidas, numa verdadeira relação de dominante e dominada, talvez presente porque é o homem o senhor de tudo e geralmente é ele o detentor do poder de decidir no âmbito familiar. Essa violência doméstica, com efeito, repercute na formação dos filhos do casal, os quais gerados num ambiente de absoluta dominação masculina, queiram ou não, tendem a desenvolver suas frustrações internas devido ao fato de quase nada poder fazer para evitar tamanha desagregação familiar. Por outra via, as próprias mulheres escolhem a submissão e o desrespeito à sua integridade física e moral como um dilema doméstico normal e naturalmente absorvido, que pode e deve ser mantido em sigilo absoluto e entre quatro paredes, porque muitas não têm como sobreviver sem as condições financeiras que lhes são conferidas pelo homem e como tal foi educada com a visão machista de que o homem é o dono do lar e tudo pode fazer, livremente e sem contestação de qualquer espécie.
Cansadas de serem só vítimas da violência, quem sabe até levadas pelos péssimos exemplos de casa, de há muito as mulheres assumiram, também, o papel de criminosas. Há cerca de 5 anos existiam, somente, 50 mulheres detidas na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor em Recife. Hoje são 312, sem se contar que 50 delas estão custodiadas em Garanhuns e 20 no município de Verdejante, alto sertão pernambucano, tantas já condenadas pela justiça, outras aguardando julgamento, acusadas da prática dos mais variados tipos de delitos. Significa dizer, por tudo isso, que infelizmente a mulher brasileira tem assumido o papel de vítima indefesa, mas também tem cometido crimes que antes só eram concretizados pelo homem. Pugna-se pela realização da Justiça, seja punindo o homem ou a mulher criminosa. Não importa o sexo do infrator.
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* Juiz de Execução Penal em Pernambuco, presidente do Instituto Brasileiro de Execução Penal-IBEP