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Insurtechs e o novo padrão de atuação estatal

O extrato fundamental de tal mudança, neste contexto, está na transição do paradigma da regulação para o paradigma da governança na relação entre o setor público e o setor privado.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Atualizado em 27 de março de 2018 08:29

No próximo 5 de abril ocorrerá em São Paulo a 2ª conferência Insurtech Brasil. O evento marcará o encontro entre agentes do tradicional mercado de seguros, startups do setor financeiro-securitário (Insurtechs), autoridades reguladoras do mercado securitário, prestadores de serviços do setor e entusiastas do mundo digital.

Será uma ótima oportunidade para discutir os mais recentes avanços tecnológicos desenvolvidos para a indústria dos seguros e, especialmente, para contextualizá-los no cenário jurídico que se delineia.

Assim como no ambiente das fintechs, a ausência de balizas institucionais claras e adequadas à inovação colocam o setor em constante indagação sobre até onde é permitido criar tecnologias que substituam processos e produtos atualmente em voga. Mais do que isso, questiona-se: até que ponto se pode aceitar o ingresso de novos players com plataformas e ideias disruptivas sem se colocar em risco as premissas de um mercado densamente regulado?

A regulação do mercado de seguros tem por objetivo primordial a proteção de dois valores caros: higidez sistêmica e adequação social das atividades securitárias.

De um lado, a higidez sistêmica é a garantia de que a materialização de um ou mais riscos cobertos por apólices de seguros não implique a ruína do sistema securitário. Em outras palavras, mediante o regramento das reservas técnicas de sociedades seguradoras em confronto com seu patrimônio líquido e com os valores dos prêmios arrecadados, busca-se um equilíbrio entre a oferta de produtos securitários, o preço cobrado por eles e a capacidade financeira para pagamento de indenizações, de modo a evitar desequilíbrios nas contas dos agentes seguradores que possam prejudicar a coletividade de segurados.

A adequação social das atividades securitárias, por sua vez, consiste na proteção de todos os participantes do mercado, com ênfase no consumidor, de modo que os contratos comercializados e as práticas de mercado não firam direitos sedimentados em nosso ordenamento jurídico.

A Superintendência de Seguros Privados - SUSEP -, em seus mais de cinquenta anos de existência, tem pautado sua atividade reguladora na busca de equalização desses dois vetores, muitas vezes não tão alinhados como se gostaria. Sua atuação é notável e se desenvolve por meio de fiscalização, definição de regras atuariais e de solvência, divulgação de informações, controle da comercialização de novos produtos e tentativa de uniformização dos contratos.

No ambiente das insurtechs, é especialmente no tocante aos dois últimos procedimentos - controle de novos produtos e uniformização de contratos -, que a atuação da SUSEP deverá sofrer uma readequação. Isso porque é na criação de novas apólices e, especialmente, na diferenciação entre fluxos procedimentais (financeiros e de informação) que as novas tecnologias prometem as maiores inovações.

A padronização buscada pela normatização e aprovação prévia de cada contrato pode não ser o mecanismo mais eficiente de impulso à inovação. Imagine-se, por exemplo, uma nova forma de contratação de seguro agrário em que, mediante fotografias e a sincronização de bases de dados climáticas e financeiras, seja possível precificar o risco, fechar o contrato e, caso necessário, liquidar um sinistro com o clicar de um botão. Imagine-se mais, que tal contratação sofra ajustes contratuais de cobertura e de formas de liquidação em cada caso, de modo a adequar constantemente os sistemas digitais entre segurado, segurador e intermediários.

Em tal contexto, dificilmente será possível à SUSEP antever as necessidades técnicas de cada contrato e emitir regramento para reger as novas relações. Isso nos coloca diante do seguinte impasse: ou aceitamos que a inovação ocorrerá por meio de novos arranjos, contratuais e tecnológicos, entre agentes, ou a inovação ficará tolhida de um de seus melhores atributos: a liberdade de criação.

O extrato fundamental de tal mudança, neste contexto, está na transição do paradigma da regulação para o paradigma da governança1 na relação entre o setor público e o setor privado. Mudança que deverá pautar também o relacionamento entre a SUSEP e os agentes do mercado de seguros privados. Neste paradigma da governança, privilegia-se a divulgação de programas e orientações não vinculantes (nonbinding guidelines) no lugar da tradicional promulgação e execução de normas jurídicas de modo impositivo (top down).2

Trata-se, assim, da superação da ideia de que a política securitária deve ser implementada por expertsestatais, para um modelo em que as tomadas de decisão se dão no campo de atuação de atores diversos. Garantida a possibilidade de fiscalização por parte da SUSEP e o seu foco na higidez do sistema, entendemos ser esse o melhor modelo de inter-relação entre SUSEP e demais agentes no novo horizonte evolutivo impulsionado pelas insurtechs.

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*Pedro Guilherme Gonçalves de Souza é sócio no escritório SABZ Advogados.



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