MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Processo sancionatório na saúde suplementar: revisão em curso

Processo sancionatório na saúde suplementar: revisão em curso

É importante salientar que o processo sancionatório deve ter sempre como finalidade última solucionar as demandas dos usuários de maneira eficaz e eficiente.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Atualizado em 26 de março de 2018 14:26

A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS iniciou, em 15/08/2017, a Consulta Pública 65, colocando em análise o Código de Infrações no Âmbito da Saúde Suplementar - CISS, com a revisão dos procedimentos a serem adotados pela ANS nas ações de fiscalização e aplicação de penalidades.

Entre 15/08/2017 e 29/09/2017, os atores interessados puderam fazer suas contribuições, identificando pontos de aperfeiçoamento à minuta de regulamento apresentada pela Agência. Em 31/10/2017, a ANS publicou um relatório em resposta às contribuições (Nota Técnica 14/2017/ASSNT/DIRAD/DIFIS/ANS), compilando e respondendo as sugestões enviadas.

O processo de revisão das regras de fiscalização e sanção da ANS insere-se no cenário atual de grandes desafios para os atores do setor de saúde suplementar. Como vem sendo noticiado, operadoras e usuários vêm sofrendo consequências com a crise econômica, com discussões quanto à qualidade e o dimensionamento dos serviços prestados aos usuários, bem como com o aumento da judicialização.

Diante, pois, da extrema relevância - tanto para os usuários, como para as operadoras - dos procedimentos para a fiscalização e sanção dos serviços de saúde suplementar, a participação social no processo de revisão dessas regras é essencial para assegurar a boa regulação setorial. A regulação construída a partir da interação com os players do setor regulado propicia mais eficiência e efetividade da atividade regulatória, conseguindo captar melhor seus impactos para o setor e, com isso, gerar maior responsividade dos atores fiscalizados.

Por um lado, a ANS assegurou esse espaço, por meio da realização de audiência e consulta públicas (nos termos, aliás, de sua legislação interna), permitindo que inúmeros atores fizessem suas contribuições à minuta de regulamento proposta. Foram mais de quatro mil contribuições, provenientes de operadoras, consumidores, prestadores de serviço, dentre outros.

Por outro lado, contudo, o prazo da consulta pública foi exíguo, diante da relevância e do potencial de impacto do tema. As respostas dadas pela ANS às contribuições recebidas também parecem simplificar bastante os fundamentos apresentados pelos participantes e, em uma análise quantitativa, a maior parte das contribuições não foi acolhida pela Agência.

Outro ponto de destaque é a ausência de estudo de impacto regulatório quanto às medidas propostas pela Agência na minuta de regulamento. O estudo de impacto regulatório contribui como subsídio essencial na tomada de decisões regulatórias, na medida em que analisa o setor regulado, seus problemas e tendências. No entanto, um estudo nesse sentido não foi produzido pela Agência para a elaboração da minuta de regulamento apresentada, o que dificulta a avaliação da repercussão das mudanças proposta no setor.

É importante salientar que o processo sancionatório deve ter sempre como finalidade última solucionar as demandas dos usuários de maneira eficaz e eficiente. O processo não é fim em si mesmo, mas meio para se apurar condutas, aplicar (se for o caso) a penalidade cabível e solucionar a demanda do usuário, observando os princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade. No entanto, esses objetivos não estão explícitos na reforma proposta pela ANS.

Ainda, a regulação setorial, ao estabelecer sanções, deve se preocupar em gerar benefícios ao usuário. Nesse sentido, penalizações somente deveriam ser aplicadas às operadoras de saúde de modo a incentivar comportamento adequado para o consumidor e para o mercado. Multas que não se revertem em benefício efetivo para os usuários, mas apenas promovem o arrecadamento fiscal pela Agência, em nada aprimoram a qualidade dos serviços prestados aos usuários.

Nesse sentido, as principais contribuições apresentadas pelo setor à proposta de regulamentação apresentada na consulta pública criticavam o processamento agregado de demandas; a falta de proporcionalidade entre as infrações e penalidades aplicáveis; e o tratamento conferido às Notificações de Intermediação Preliminar, índice que contabiliza as reclamações dos usuários, utilizado como agravante de pena, sem que haja manifestação da operadora e a devida apuração do fato.

Ao menos no que diz respeito ao agrupamento de demandas, a ANS parece concordar com as críticas apresentadas. No relatório de resposta às contribuições, a ANS, atendendo a manifestações recebidas, concluiu que o agrupamento de demandas prejudicaria o contraditório e a ampla defesa, além de representar dificuldades no que diz respeito às fases probatórias e recursais.

O escritório vem acompanhando a Consulta Pública desde o seu início, e aguarda o resultado final dessa importante mudança regulatória. Espera-se que o Código de Infrações no Âmbito da Saúde Suplementar - CISS proposto proporcione impactos positivos para todos os agentes atuantes na saúde suplementar, mediando e equilibrando os diversos interesses envolvidos.

______________

*Marina Fontão Zago e Roberta Helena Ramires Chiminazzo são sócias do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca